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Bacalhau estragado

Era muito bom para todos nós que, à parte das políticas globais, designadamente as europeias, começássemos a pensar localmente, pela nossa cabeça e cultura, no território que somos.

Um amigo disse-me que só há três maneiras de comer bacalhau: cozido, assado e estragado. Comentámos a seguir que algum do estragado é bastante bom.
No ambiente não é assim, só temos mesmo a opção do estragado; aqui nada é bom. Tenho por hábito, e convicção, um discurso e uma prática – não há nada como uma boa prática – otimistas, mas no ambiente não há muito a fazer. Há muitas décadas a Terra sobrelotou-se e a indústria responde, num ciclo sem fim, que mais gente exige mais produção. Ao crescimento segue-se o crescimento. Vivemos agora um tempo de um défice ambiental irresolúvel, sem soluções tecnológicas. O gravíssimo problema que vivemos não é uma mera questão ecologista de alguns que fazem do tema um modo de vida - refiro-me concretamente à esmagadora maioria dos nossos ecologistas que há anos nos entram em casa a dizer as mesmas banalidades. Nenhuma solução que tenha a ver com o Dia Europeu Sem Carros ou com usar lâmpadas economizadoras. Estamos a falar de coisas bem mais importantes, designadamente de saúde e alimentação, isto é, da vida na Terra.
No que nos diz respeito vivemos num país com um interior fabuloso, pouco povoado, onde os recursos abundam. Talvez por isso não lhes damos valor. Todavia, é bom que se saiba que este património natural não é português, é de todos. Na prática, isto significa que um dia destes nos vão “bater à porta” porque temos o bem mais escasso e valioso do planeta Terra: solo e água, isto é, território. Era muito bom para todos nós que, à parte das políticas globais, designadamente as europeias, começássemos a pensar localmente, pela nossa cabeça e cultura, no território que somos. Muitos dos problemas globais de que padecemos têm solução local. Bem sabemos que as exportações são fundamentais para as nossas (boas) contas e fazem-nos crer que a quota de pesca atribuída nos é muito vantajosa e que as hordas de turistas fazem o resto, mas é fundamental que comecemos a olhar para dentro. Escrevo na semana anterior à publicação deste texto, exatamente na altura em que um importante jornal nacional, pouco lido quando comparado com a audiência de O MIRANTE, publica uma reportagem sobre o interior e escreve que “o problema do interior começa nas nossas cabeças”. É uma verdade, o maior problema está nas nossas cabeças.
Acontece que com quase tudo é assim. E com o sempre “coitadinho do interior”, despovoado e envelhecido, também. Nada disso: vejam o que os excelentes exemplos que proliferam por todo o interior nos dizem. Há uma condição comum a todos os muitos sucessos a que me refiro - é algo que dá trabalho e ninguém, seja de Lisboa ou de Bruxelas, nos virá resolver os problemas do interior para termos melhor qualidade de vida. Em ano de eleições locais o que estamos dispostos a mudar de modo a termos esperança? Seja o que for, temos uma certeza, dá trabalho.
Carlos Cupeto - Universidade de Évora

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