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“As colectividades têm de dar o salto para o século XXI”
Vítor Feitor toca clarinete e defende que a ligação ao jazz tem de ser feita nas escolas

“As colectividades têm de dar o salto para o século XXI”

Vítor Feitor nasceu e cresceu em Benavente e foi lá que a música entrou na sua vida. Foi músico e presidente da Banda Filarmónica Benaventense e lançou recentemente um disco de jazz. Já foi aficionado mas neste momento é “neutro” e vê com algum desalento o panorama cultural do concelho, que diz não ter evoluído.

Residiu em Benavente grande parte da sua vida e conheceu de perto, enquanto músico e antigo presidente da Filarmónica Benaventense, a sua vida cultural. Que olhar crítico faz ao panorama artístico e cultural do concelho?

Benavente está igual ao que estava há 20 anos. Não sinto grande evolução e acho que acabam sempre por fazer as coisas de forma igual. Tenho muita pena de que não exista uma escola oficial de música e lamento que os jovens de hoje continuem a ter de recorrer a outras localidades para fazer formação musical. Devia haver uma confluência das filarmónicas para que se pudesse criar algo maior. Essas colectividades têm de se transformar, senão morrem, têm de dar o salto para o século XXI.

Qual a sua opinião em relação ao papel do município de Benavente na cultura?

Quando estava ligado à filarmónica, a câmara apoiava com cerca de 15 mil euros por ano. Não se trata de apoios, o que acho é que não existe planeamento para o futuro. A autarquia tem gente competente nessa variante, mas tem de parar de viver daquilo que existe, pois com o medo de se ferir alguém não se projecta o futuro.

É filho de uma terra onde a festa brava tem forte expressão. É aficionado?

Já fui bastante aficionado, mas nesta fase sou neutro. As pessoas em Lisboa e noutras localidades têm uma visão diferente e eu tento mostrar-lhes a realidade com a qual cresci. No campo, os toiros são bem tratados. Adoro as pegas e o toureio a pé... a cavalo já não sou tão apreciador. Acho que devia haver um debate sério sobre esta matéria e encontrar uma solução de compromisso intermédia. Temos de perceber os dois lados, por isso não sou contra nem a favor, neste momento tenho sérias dúvidas.

É adepto assíduo da Festa da Amizade - Sardinha Assada de Benavente?

É uma festa que sigo com particular interesse, mas nos últimos anos, infelizmente, marcam-me sempre concertos nessa data. Continuo a achar que é uma festa fabulosa, onde se promove a amizade. Teve um período crítico há 10 anos, mas tem vindo a recuperar, a nível de organização e visitantes.

Se lhe lançassem o desafio para compor um pasodoble para uma corrida de toiros aceitava?

Não o faria. Tenho muito respeito por todas as culturas mas não me sinto à vontade. E há tanta gente que o faz tão bem. Provavelmente serei um bom ouvinte de pasodobles sejam eles portugueses ou espanhóis, mas não é um estilo que esteja dentro de mim.

Acha que há bons músicos no concelho de Benavente? E se pudesse gostaria de trabalhar com algum, num próximo disco?

Gostava muito de poder fazê-lo. Temos um campeão mundial de acordeão no Porto Alto, o Barradas, que é tão pouco reconhecido em Portugal. Temos o Gil, um dos melhores tubistas portugueses, e o Carlos Silva, um trompetista fabuloso natural de Santo Estêvão. Só não sei se nos iriamos compatibilizar e se existiria química musical. Penso que teríamos de nos encontrar previamente para tocarmos juntos.

De que forma seria possível casar Benavente com o jazz?

A ligação ao jazz tem de ser feita directamente nas escolas, não se pode negligenciar os jardins-de-infância e as escolas primárias. Há um trabalho de base que é necessário fazer para que se possa crescer musicalmente. Se nas Temporadas de Música o número de público não cresce é porque algo não está bem. Mais importante do que criticar é tentar arranjar soluções. E o que sinto é que por vezes as pessoas estão fechadas nelas próprias e não se rodeiam de pessoas que vivem a arte e a cultura.

Que mensagem gostaria de deixar aos munícipes e à autarquia?

A mensagem que quero deixar é a necessidade da criação de uma escola oficial de música. Seria igualmente importante criar um grupo de trabalho com os músicos que nasceram ali, para darem ideias que se pudessem concretizar no concelho.

Hoje a música é um mastiga e deita fora

Vítor Feitor, 39 anos, músico de jazz natural de Benavente, acaba de lançar um disco intitulado “Patterns for…”, gravado ao vivo, com excepção de um dos temas, e onde o improviso traçou as linhas que unem o seu clarinete ao piano de Alessio Vellotti, co-autor do CD.
Foi em Benavente que se deu o “despertar da música” na vida de Vítor Feitor, assim que ingressou na Banda Filarmónica Benaventense, da qual, anos mais tarde, foi presidente. A juventude foi passada entre Benavente e Lisboa, quando com apenas 12 anos, decidiu, com o apoio dos pais, “procurar uma formação musical mais sólida”.
Nessa altura, ingressa na Academia de Amadores de Música de Lisboa, a cerca de 60 quilómetros de Benavente. “Foram tempos difíceis, demorava quase duas horas a chegar a casa e muitas vezes o meu pai tinha de me ir buscar a Samora Correia, porque àquela hora o autocarro já não passava em Benavente”, recorda.
Mais tarde ingressa na Escola Superior de Música de Lisboa, em Interpretação de Clarinete e Educação Musical, onde conhece Alessio Vellotti, pianista e co-autor do CD agora lançado. “Começámos a tocar nos intervalos e houve uma química musical muito interessante. Quando tocamos com outro músico e isso acontece é como se estivéssemos a conversar através dos instrumentos”, refere.
Define a escolha do clarinete, instrumento que o acompanha na sua carreira, como “um mero acaso” que começou nos seus tempos de músico na Filarmónica Benaventense. Tal como a escolha do instrumento, o jazz acaba por surgir tanto por acaso como por instinto musical. Considera que a tecnologia veio abrir possibilidades, mas “tornou a música mais descartável. Hoje a música é um mastiga e deita fora. Vive-se um período alucinante de lançamento de bandas, que hoje têm um percurso de vida mais curto”, continua.
Voltou para viver em Benavente aos 29 anos, mas por motivos profissionais regressou para Lisboa, anos depois. Visita regularmente a vila ribatejana, onde ainda mora a sua família. Não actua em Benavente há 20 anos, mas aguarda o regresso aos palcos da vila, um momento que teria “um sabor especial”.
Dá aulas na Escola António Verney (Lisboa), na Academia de Artes e Espectáculos da Sertã, no Conservatório de Coimbra e é Maestro da Orquestra de Sopros da Sertã. São estes trabalhos que lhe asseguram uma fonte de rendimento segura.

“As colectividades têm de dar o salto para o século XXI”

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