Retrospectiva 2018 | 14-02-2019 14:49

“É difícil fixar pessoas mas o pior que podemos fazer é desistir”

“É difícil fixar pessoas mas o pior que podemos fazer é desistir”
Francisco Oliveira é Personalidade do Ano Política M. para os jornalistas de O MIRANTE

Aos 17 anos ofereceu-se como voluntário para fazer o serviço militar na Força Aérea e diz que não seguiu a carreira militar porque lhe custava estar longe de casa e da família. Francisco Oliveira nasceu na vila, em Coruche, mas é da aldeia da Fajarda. Um aldeão culto que se licenciou depois de ter trabalhado como desenhador e fiscal de obras e que é presidente da câmara municipal do seu concelho. Tem uma postura descontraída e gosta de falar olhos nos olhos mas reconhece que teve que fazer muito caminho até conseguir manter-se calmo quando é provocado pelos opositores políticos.

Um presidente de câmara envelhece mais rapidamente?

Hoje em dia todas as profissões são muito exigentes porque as pessoas têm responsabilidades que vão para além dos seus horários de trabalho. No caso dos presidentes de câmara há um leque de competências que implica uma grande disponibilidade e dedicação. Isso retira-nos tempo para aquilo que gostaríamos de fazer, que é falar com as pessoas, andar na rua, acompanhar as situações… fazer uma política de proximidade. O meu lamento é ter de passar cada vez mais tempo no gabinete.

É desgastante ser autarca num concelho como Coruche, que tem uma das maiores áreas do país?

Quando comecei tinha pouco mais de 30 anos e hoje já tenho meio século. É natural que com o passar do tempo e o avolumar de situações nos desgastemos. Quando idealizamos e concretizamos o que projectamos isso dá-nos ânimo. A compensação que o autarca tem é quando consegue realizar a obra, quando sente a satisfação nos olhos das pessoas para as quais trabalha.

Quando entrou para a política já era com a ideia de ser presidente de câmara?

As coisas aconteceram por acaso. Enquanto funcionário da Câmara de Coruche nunca tive a aspiração de seguir uma carreira política. Senti o bichinho do serviço público e foi o descobrir de uma função em mim que desconhecia. A minha situação não é original mas é diferente da maioria dos casos. Não vim de fora para dentro. Primeiro vim para a vida autárquica e depois é que fui para a política, em 2001 quando o PS ganhou as eleições.

Arranjou mais inimigos como fiscal municipal ou como autarca?

Em qualquer área profissional temos de ter o bom senso de que estamos a cumprir uma determinada função e cumpri-la. Temos de ter uma regra que discipline a nossa actividade. Nunca tive problemas quando estava no serviço de fiscalização. A minha entrada na vida autárquica também se deveu ao facto de ter um conhecimento muito abrangente do concelho.

Coruche é uma terra com tradições tauromáquicas. O anterior presidente era forcado e o actual o que tem que o ligue a esta área?

Quando tinha 22 anos numa largada de rua fui colhido por um toiro. Não fiz aquela a que por vezes se chama a última viagem porque devia já ter destinada uma missão importante a desempenhar na terra. Fui perfurado na perna esquerda, junto à femoral, e a partir daí a minha “afición” é pela identidade que a tauromaquia tem no território de Coruche. Nunca me deu para ir para a forcadagem.

Não sente necessidade de viver numa cidade onde tem muito mais coisas à mão?

Identifico-me muito como sendo um rural. Sou uma pessoa que cresceu e viveu no mundo rural e sinto-me bem a viver e a trabalhar na minha terra. Decidi abandonar a carreira militar porque estava afastado da família e não me permitia ter a ligação forte que tenho com a terra.

Diz que é um rural mas tem um estilo mais citadino.

Vou dizer isto de forma grosseira. Um rural não tem de ser necessariamente patego. Os rurais também são pessoas cultas, instruídas e informadas. Sou um rural na essência das tradições e valores. Também gosto da cidade e sou um citadino quando vou ao teatro, quando vou usufruir das coisas boas da cidade. Mas sempre a pensar na viagem de regresso para o meu porto de abrigo.

Quem é que lhe compra a roupa de estilo mais moderno que usa?

Não acredito que me façam esta pergunta (risos). Sou eu que compro a roupa. Vou poucas vezes às compras mas quando vou compro uns “trapinhos”. É verdade que não me visto muito de presidente. Só me visto mais formal nas situações obrigatórias. Tenho quatro fatos. Compro um fato por ano, normalmente para a inauguração das Festas do Castelo.

Como é que se gere um concelho com uma população envelhecida?

É difícil mas o envelhecimento não é necessariamente grave. O grave é que as taxas de natalidade sejam negativas. Estamos em perda de população e isso leva à quebra da actividade económica. Há dificuldade em fixar as pessoas. É importante encontrar um modelo para inverter este ciclo. Estamos apenas a 80 quilómetros do litoral mas sofremos os mesmos problemas do interior profundo. Investimos no emprego, na segurança, nas condições de habitação e das escolas, para tentarmos impedir a perda de população.

Sente que às vezes está a fazer um esforço inglório?

Não podemos desistir. Temos de ter capacidade de resiliência. Mesmo na freguesia onde a taxa de natalidade é baixíssima temos que requalificar a escola, temos de melhorar as condições da praça. Se não o fizermos estamos a sacrificar a aldeia e a possibilidade de ela vir a gerar movimento. No concelho de Coruche a população tem tantas condições como numa cidade, em termos desportivos, de acessibilidades…

É possível que alguns lugares do concelho desapareçam?

Estamos a investir em condições que possam ser geradoras de atractividade. Quando construímos os centros escolares da Lamarosa, da Fajarda ou de Coruche e percebemos que só metade dessas infraestruturas estão a ser utilizadas, isso é verdadeiramente preocupante. Mas Coruche tem uma posição estratégica em termos geográficos e isso é um atractivo para promover o desenvolvimento económico.

Que estratégia tem Coruche para criar empregos, que é uma das condições essenciais para fixar pessoas?

Tem a única área empresarial disponível a sul do Tejo que permite a instalação de empresas e tem uma fiscalidade atractiva para as empresas que se queiram instalar. Isso associado a programas que apoiam estudantes e dão apoio ao arrendamento. Estou em crer que conseguimos atrair empresas e criar mais empregos.

Que influência poderá ter o novo aeroporto previsto para o Montijo?

Estando suficientemente longe para não sermos incomodados com o que o aeroporto poderá ter de mau, como os barulhos e a impossibilidade de edificação, podemos aproveitar os benefícios que um equipamento destes representa, como a instalação de áreas logísticas e também áreas de residência. Dos tais dez mil empregos que o aeroporto irá criar, nem toda a gente ficará no Montijo ou em Benavente e muitas também podem vir para o concelho de Coruche. Estamos a criar condições para acolhermos os novos residentes.

Qual é a melhor coisa que lhe aconteceu enquanto presidente?

Uma das melhores coisas que me acontece regularmente é o agradecimento de uma pessoa que me encontra na rua e que me diz que lhe consegui resolver um problema, seja uma ligação de água ou outra coisa qualquer mesmo pouco significativa. É pena que a sociedade hoje esteja um pouco desprovida de alguns valores, como os da gratidão, da compreensão, da ligação à família, do respeito… As pessoas estão um pouco balançadas com as redes sociais que criam algum distanciamento e permitem dizer tudo de forma irresponsável.

Apesar de ainda poder fazer mais um mandato, já começou a preparar-se para quando deixar de ser presidente?

Já começo a pensar nisso mas o mais importante da vida é termos a capacidade de fazermos o nosso trabalho de forma condigna e conseguirmos dormir todos os dias de forma tranquila. É isso que vou tentando fazer. Tento fazer o melhor que posso e sei. Não consigo imaginar-me a fazer outra coisa que não tenha a ver com o serviço público. Vejo pessoas a contarem os dias para entrarem na reforma e espero que ela venha o mais tarde possível.

Tem o lado de fiscal municipal e agora o lado do executor político que tem de exercer a autoridade em várias áreas como a limpeza de terrenos. Como é que se consegue compatibilizar isto com a captação de votos?

Não é fácil. Mas quando as coisas se explicam verdadeiramente, as pessoas compreendem. Quando temos essa capacidade fiscalizadora nós temos de a cumprir, é a nossa obrigação. Não sou apologista da anarquia. O pior é quando não se consegue explicar em tempo útil o que estamos a fazer e porquê.

Queria ser militar mas o apego à terra levou-o a presidente

Francisco Oliveira gosta de vestir de maneira informal mas isso não significa que não dê total atenção à forma institucional de exercer o cargo. Diz que não é um presidente “fixe” embora preze a negociação, o diálogo e o bom senso. Não gosta de estar zangado muito tempo com alguém mas reconhece que teve que aprender a controlar-se em momentos de maior crispação com a oposição.
Presidente da câmara desde 2013 considera que a capacidade de explicar os assuntos é sempre um importante factor de ligação às pessoas e leva a que os opositores o respeitem.
O autarca nasceu no Hospital de Coruche, quando muitas vilas de província tinham maternidades, no dia 11 de Novembro de 1964. Considera-se um homem da aldeia da Fajarda, terra do concelho de onde são os pais e onde tem as suas memórias e o porto de abrigo quando precisa desanuviar. E fá-lo a mexer na terra, a dar uma volta na sua moto ou num dos carros antigos que tem na casa da mãe. O pai faleceu em 2004, num acidente de tractor e ainda hoje o autarca se emociona quando fala do assunto.
Francisco Oliveira entrou como voluntário para os páraquedistas com 17 anos. Só não fez carreira nas Forças Armadas porque não suportava estar longe da família e da terra. Foi desenhador de construção civil, actividade que desenvolveu durante oito anos até ingressar na Câmara de Coruche como fiscal. Já na autarquia tirou um curso superior no ISLA de Engenharia da Segurança do Trabalho.
Antes de ter sido presidente de câmara foi vereador e vice-presidente. A experiência autárquica já lhe ensinou, entre outras coisas, que o poder isola, sobretudo quando não se tem tempo para estar com os amigos de longa data ou para um convívio sem preocupações de horários. Costuma dizer que na política o que se perde é mais do que o que se ganha.
Apesar da sua facilidade de comunicação não se considera um comunicador nato. Afirma que gosta de ouvir as pessoas e de as ajudar a resolver os seus problemas, mesmo os pessoais. Tenta colocar-se sempre no lugar do outro e refere que o melhor na vida política é falar verdade.

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