Retrospectiva 2018 | 14-02-2019 14:49

“Se há críticas a fazer ao meu trabalho muito agradeço que as façam”

“Se há críticas a fazer ao meu trabalho muito agradeço que as façam”
Ana Paula Vitorino, Ministra do Mar, é Personalidade do Ano Política F. para os jornalistas de O MIRANTE

A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, olha os seus interlocutores directamente nos olhos e diz o que tem a dizer. É exigente consigo mesma e com os outros, nomeadamente com os seus colaboradores mas também sabe sorrir e sorri frequentemente. Além disso não regateia elogios a quem os merece. É uma defensora incansável da presença de mulheres, tanto na política como em cargos de grande responsabilidade. Falou com O MIRANTE no edifício que o ministério ocupa, em Algés, de onde se avista a saída do Tejo para o mar.

Este ano iniciam-se as comemorações dos Quinhentos anos da viagem de circum-navegação iniciada por Fernão de Magalhães e concluída por Elcano. A senhora é ministra do Mar mas também é uma apaixonada pelo mar e fala frequentemente da falta que o mar lhe faz. Alguma vez fez uma viagem longa de mar? Era um desafio que aceitaria?

Teria todo o gosto mas não tenho disponibilidade. Não é possível. Aqui há uns dias dizia a brincar ao ministro da Defesa que gostava de fazer uma parte do percurso no Navio Escola Sagres que vai fazer a rota de Magalhães ao longo destes dois anos...mas não vou ter essa sorte.

Deve ir alguma vez a bordo e provavelmente fazer algum pequeno percurso.

Sim, é possível mas não a viagem toda. Já agora aproveito para dizer que vão ser umas comemorações interessantíssimas porque a viagem representa algo que foi inovador. Algo histórico. Segundo me conta o encarregado de missão, Dr. José Marques, que já foi a todas as cidades que estão na rota de Magalhães, as pessoas de lá têm uma fortíssima ligação connosco. Com Portugal.

Não se esqueça dos espanhóis. Eles são muito ciosos do papel que tiveram nesse empreendimento.

Nós criámos, para além da equipa de missão, uma comissão de comemorações, que é presidida pelo nosso primeiro-ministro e que tem alguns ministros (Negócios Estrangeiros, Mar e Defesa Nacional), que é parceira da comissão de comemorações espanhola. Grande parte dos grandes eventos serão organizados em colaboração com o governo espanhol.

É normal que assim seja.

Magalhães era português e foi contratado pelos reis de Espanha. Por vezes os espanhóis referem-se à viagem Magalhães/Elcano. Elcano concluiu efectivamente a viagem mas numa parte que já era conhecida pela rota dos portugueses.

Nunca fez nenhuma grande viagem de navio? Nem um cruzeiro?

Vim de Moçambique quando era bebé. Devia ter uns dois meses. Não me lembro, claro. A minha mãe é que contava. Penso que o navio se chamava Angola... Tenho fotografias no navio ao colo dos meus pais.

Nunca mais navegou assim num grande navio?

Fiz só a viagem do Faial para o Pico e volta. Todos os anos prometo a mim própria que vamos fazer um cruzeiro mas depois há sempre qualquer coisa que nos impede de ir.

Almoster, onde tem casa, fica a cinquenta minutos do mar. Está longe do mar?

Há quem possa dizer que o mar está longe mas realmente não está assim tão longe. Por razões de trabalho e por razões pessoais, nos últimos anos não tenho feito praia e as poucas vezes que fui à praia, sem ser oficialmente, foi à praia dos Supertubos, ali perto de Atouguia da Baleia, Peniche. São 45 minutos de viagem.

Não encontrou muitas beatas quando estendeu a toalha? Sei que é bastante crítica da nossa relação com o mar e com as praias...

É verdade que sou bastante crítica mas acho que, de uma maneira geral, os portugueses estão a fazer o seu caminho. Foi uma aprendizagem que começou há muitos anos e que temos vindo a fazer com recurso a campanhas de sensibilização e nas escolas.

Teve alguma má experiência com lixo numa praia?

Aqui há uns anos, na praia de Ferragudo, terra dos meus sogros, fiquei espantada porque houve pessoas que passaram todo o santo dia a fumar e a apagar as beatas na areia e quando o nadador salvador lhes chamou a atenção na altura em que estavam para ir embora, e até lhes deu um saquinho para as apanharem e porem no lixo, um senhor começou aos gritos a dizer que queria falar com o capitão do Porto, que não admitia que um nadador salvador lhe desse ordens.

Falou de beatas e de fumadores. É fumadora?

Fui fumadora. Deixei de fumar há onze anos e só me arrependo de não ter deixado de fumar mais cedo... falando verdade, arrependo-me é de ter começado.

A sua visão do mar tem uma forte componente económica. De vez em quando há protestos porque quer tirar as vistas às pessoas.

Infelizmente as nossas cidades não podem ser exclusivamente cidades postal em que é tudo bonito. Para o bem e para o mal temos que trabalhar. Tem que haver sítios onde as pessoas trabalhem e não pode ser apenas no turismo. Temos uma posição estratégica fantástica. Estamos no cruzamento de rotas Este/Oeste e Norte/Sul. Temos uma centralidade euro-atlântica sem igual. Esta nossa relação com o Atlântico dá-nos tantas mais-valias quanto nos dá o facto de sermos europeus.

Estamos a fazer uma grande aposta na nova economia do mar mas temos uma área de grande importância que é a pesca e toda a indústria transformadora do pescado. Um sector que é promissor e criador de grande número de postos de trabalho é o sector portuário. E o sector portuário...

Implica gruas e contentores a taparem as vistas?

Se tivermos consciência que o Porto de Lisboa, que não é o maior do país, representa cinco por cento da economia de Lisboa e Vale do Tejo, o que é mais importante para nós? Termos ali o terminal de contentores da Liscont, ou que o hospital que está a ser construído atrás tenha boa vista para o Tejo?

Numa entrevista ao Expresso confessou que tinha tido um cancro na altura em que foi secretária de Estado dos Transportes, outro enquanto ministra do Mar e disse que nem sabia o que lhe poderia acontecer se chegasse a Presidente da República. Colocado o humor de lado, e as doenças lá longe, não acha que já faz falta a Portugal ter uma mulher Presidente da República ou primeira-ministra?

Estamos bem servidos tanto a nível de primeiro-ministro como de Presidente da República.

Não pensei que fosse dizer algo diferente mas, dentro daquilo que tem defendido para as mulheres, não gostaria de ver mulheres nesses cargos num futuro próximo?

O caminho faz-se caminhando...

E às vezes nessa caminhada tem que haver uns empurrões como aconteceu, por exemplo, com a criação das quotas?

Relativamente às quotas na política inicialmente até achei ofensivo terem sido propostas. Pensei sou engenheira, sempre conquistei os meus lugares, é quase ofensivo as mulheres estarem a ocupar determinados lugares só por causa das quotas. Mas o que é verdade é que, se não fossem as quotas, poucas de nós teríamos conseguido aceder a estes lugares.

Havia mulheres que pensavam como a Senhora mas havia outros argumentos contra a imposição de quotas, mormente por parte de alguns homens.

No meu partido, na primeira reunião da Comissão Política, houve presidentes de concelhias que foram lá falar da especificidade dos seus municípios, para justificar que não conseguiam arranjar mulheres para as listas porque elas não queriam. Se calhar levaram-nas a não querer. Felizmente fez-se caminho. Com o tempo, até as próprias horas a que se realizavam as reuniões foram sendo alteradas.

Tem vindo a resultar.

Hoje já temos muitas secretárias de Estado. Temos algumas ministras. A diferença é enorme e por vezes já não nos lembramos. Eram tão poucas mulheres deputadas e no Governo que, se fizermos um esforço de memória, quase nos lembramos delas todas. Agora é difícil porque, por exemplo, na Assembleia da República temos cerca de 40 por cento de mulheres.

Em Maio há eleições europeias. Do que se vai ouvindo é pouco provável que Portugal venha a ter mais deputadas no Parlamento Europeu. E a nível dos outros vinte e sete a situação não é muito diferente.

A nível do Partido Socialista a lista vai ser paritária. Ela será anunciada em devido tempo mas vamos continuar a ter uma grande representação feminina no Parlamento Europeu.

Está satisfeita?

Acho que temos que ir mais longe, Não é só uma questão do mesmo número de mulheres e de homens. Temos que fazer um esforço maior para termos mais mulheres em lugares de topo. Antes as mulheres surgiam de três em três. Era a terceira, a sexta, a nona...

No Ribatejo não se alterou muito, pelo menos em relação ao primeiro lugar nas listas dos partidos maiores. Em 21 câmaras municipais só há quatro mulheres na presidência (Abrantes, Tomar, Alcanena e Rio Maior). Continua a ser uma imensa minoria.

Se as mulheres não forem em primeiro lugar nas listas a situação não se altera. As mulheres têm que ter lugar por direito próprio.

A Pilar Del Rio insiste em auto-designar-se Presidenta da Fundação José Saramago e insiste na utilização desse feminino em Português. Concorda com ela?

Não faço questão. Reconheço que em algumas circunstâncias a linguagem é um bocado machista mas não é por aí que se resolvem as desigualdades. Se formos fazendo este caminho e se algum dia quisermos mudar algumas coisas a nível da linguagem, acho muito bem mas a mim não me faz confusão, talvez por ser mulher. O meu marido, por exemplo (Eduardo Cabrita ministro da Administração Interna), não há vez nenhuma que não diga: “... a todas e a todos”. Mas ele é homem. Se calhar sente que tem que fazer isso. Eu, como sou mulher, é bom dia a todos.

O seu pai era militar. Optou por não ir para medicina como o seu irmão e irmã mais velhos. Foi rebeldia ou genuína vontade de seguir a área de estudos que seguiu (engenharia)?

Foi um bocadinho das duas coisas. Reconheço que sempre tive um feitio um pouco rebelde mas a minha irmã também era uma Maria-rapaz como eu. Também tivemos a fase de gostarmos de bonecas e de histórias de princesas mas gostávamos muito de brincadeiras de rapazes e muita actividade física.

O seu pai impunha alguma disciplina militar aos filhos? E a sua mãe era disciplinadora?

Em casa sempre fomos ensinados e incentivados a sermos afirmativos; a sermos independentes e a lutarmos pelas nossas coisas. A minha mãe que sempre trabalhou em casa a tratar da família, sempre nos incentivou a estudar e não era estudar por estudar. Era para ganharmos a vida e sermos independentes.

E hábitos militares?

Uma coisa que aprendi com o meu pai foi a pontualidade. Sou extremamente pontual. Percorro o país e se me dizem que uma cerimónia onde tenho que estar presente é às dez e meia eu chego, no máximo, às dez e vinte e cinco.

Apanha valentes secas, calculo?

Às vezes estou parada dentro do carro à espera que quem me vai receber chegue. Sou de uma pontualidade que é algo excessiva para Portugal. E não é só a nível institucional. Quando faço almoços de família em Almoster, por exemplo (já chegámos a juntar trinta pessoas no almoço de Natal), fico sempre um pouco enervada porque alguns dos meus sobrinhos não ligam às horas. Sou eu e o meu pai que geralmente é quem cozinha, com a minha ajuda. Temos sempre tudo pronto aí ao meio-dia e alguns chegam às duas e tal.

Como está a sua relação com Almoster onde tem casa?

Posso dizer que tenho uma grande relação de pertença com Almoster. É o nosso refúgio.

Tem tempo para ler?

Vou lendo, mas nada que se compare com o que lia. Eu e o meu marido continuamos a comprar livros e eles vão-se acumulando. Isso aborrece-me bastante porque ler relaxa-me imenso. É ler e cozinhar, mas agora porque chegamos tarde a casa também não cozinho muito. Comemos sopa, fruta, yogurte... e não é para fazer dieta. É porque não temos tempo.

Uma relação de pertença com Almoster

A ministra do Mar do actual Governo, Ana Paula Vitorino, é combativa, resiliente, frontal e exigente, qualidades que concilia com um sentido de humor que por vezes é desconcertante e com uma delicadeza no trato que surpreende quem se habituou a vê-la no centro de duras negociações sobre os mais complicados assuntos. A sua pontualidade mais que britânica já a fez passar muito tempo dentro do carro oficial, um pouco por todo o país, à espera de quem devia estar à sua espera.
Começou por ser contra o sistema de quotas na política mas hoje é uma defensora daquela imposição e reconhece que sem ela o país demoraria ainda muitos anos até ter a percentagem de mulheres deputadas e governantes.
Natural de Lourenço Marques, hoje Maputo, Moçambique, de onde veio em criança, diz que não se sente de uma única terra. É do Alentejo porque os seus pais são de Vila do Cano, em Sousel. É de Lisboa porque foi onde estudou e onde vive a maior parte da família e dos amigos; Tem uma ligação especial ao Porto onde tem amigos e por cujo círculo eleitoral foi eleita deputada, mas o seu porto de abrigo é a sua casa em Almoster, Santarém, e confessa ter uma relação de pertença com a terra porque é lá que se sente sempre bem.
Enfrentou um cancro quando foi secretária de Estado dos Transportes e um segundo, bem mais grave, no início do mandato como ministra. A doença e os tratamentos podem tê-la abalado mas nunca deixou que isso transparecesse. Depois de informar o primeiro-ministro, continuou a trabalhar sem faltas nem falhas.
É licenciada em Engenharia Civil, ramo de Urbanização e Transportes, pelo Instituto Superior Técnico (IST), tem um curso de especialização em Organização e Gestão de Empresas de Transportes e é Professora Assistente do Instituto Superior Técnico, da secção de Urbanismo, Transportes, Vias e Sistemas do Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos, desde 1989/90.
Foi secretária de Estado dos Transportes entre 2005 e 2009 e embora saiba que quando se ocupam cargos políticos há sempre projectos que se deixam por concretizar diz que tem pena que assim seja e refere como exemplo a modernização da linha do Douro que estava adjudicada e que não avançou.
Garante que quando está convencida que é um projecto útil para o país e para os portugueses luta por ele até ao fim mas que tem uma relação desapaixonada com a vitória e a derrota porque tem sempre a consciência de que enquanto pôde, fez o melhor que, sabia e podia e o que as circunstâncias lhe permitiram.

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