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Prisão não é solução para combater a violência doméstica
Daniel Cotrim e Ana Maria Lima no debate sobre violência doméstica na Fundação CEBI em Alverca

Prisão não é solução para combater a violência doméstica

Fundação CEBI e APAV realizaram debate em Alverca do Ribatejo sobre tema que está na ordem do dia. Daniel Cotrim, psicólogo e assessor da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, diz que as prisões não são boas a reinserir ninguém na sociedade nem a ajudar a mudar padrões de comportamento, fomentando sim sentimentos de raiva e vingança. E defende a aposta em programas de sensibilização e reintegração. Convidados da tertúlia partilharam com O MIRANTE casos de violência doméstica em que homens e mulheres foram vítimas.

Foram 15 anos de violência doméstica até ao dia em que a vítima, um homem na casa dos 60 anos, residente em Alverca do Ribatejo, tentou o suicídio. Viveu anos de terror, entre violência física e psicológica por parte da companheira e por vergonha não denunciava o caso. No dia em que por desespero tentou pôr termo à vida foram elementos dos Bombeiros de Alverca do Ribatejo que o conseguiram demover e convencê-lo a denunciar a situação às autoridades.
Na mesma cidade, uma jovem grávida foi socorrida pelos bombeiros, depois de a sua mãe fazer a denúncia à PSP. A gravidez inesperada foi motivo para o seu companheiro a tentar afogar na banheira depois de a obrigar a ingerir uma quantidade considerável de álcool. Dois casos de violência relatados a O MIRANTE por Dilia Coelho e Paulo Ferreira, bombeiros da corporação de Alverca, que a convite da Fundação CEBI assistiram à tertúlia “A Violência Não é Doméstica”, realizada a 14 de Março.
Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), diz que em 90 por cento dos casos de violência doméstica as vítimas são mulheres e apenas 10 por cento são homens. “Fala-se pouco da violência ao homem mas ela também existe” e nestes casos a denúncia é ainda mais morosa porque “a vítima sente vergonha” em admitir à família e amigos que é agredido.
No caso das mulheres, são os filhos e a dependência financeira que as fazem aguentar anos de violência às mãos do cônjuge. “Muitas esperam que os filhos ganhem autonomia para finalmente se libertarem daquela situação” refere, sublinhando que desde que a APAV criou a Casa Abrigo - 39 habitações partilhadas para vítimas de violência - as mulheres se sentem apoiadas e protegidas para sair de casa com os filhos menores.
Segundo o psicólogo, na maioria dos casos são as vítimas a denunciar a situação e apenas uma ínfima parte [10 por cento] são feitas por terceiros. “As pessoas ainda pensam duas vezes se devem agir e alertar as autoridades”, quando o assunto não é com elas e “por medo de represálias pedem quase sempre o anonimato”, afirma Daniel Cotrim, considerando que é dever de cada cidadão travar a violência.

Vítimas obrigadas a permitir visitas de agressores
Durante a tertúlia, o técnico da APAV apontou o dedo ao sistema judicial português, pela “falta de comunicação entre tribunais que impõem as suas medidas sem se ouvir mutuamente”, colocando a vítima em risco iminente. E deu como exemplo os Tribunais de Família e Menores que regulam o poder paternal e deliberam visitas periódicas dos progenitores aos filhos que estão à guarda da vítima, enquanto os tribunais criminais, que julgam o processo-crime por violência doméstica, impõem medidas de coacção de protecção e afastamento entre a vítima e o suspeito.
Em situações que o próprio acompanha, há “crianças que não querem visitar os pais agressores”. Fazem-no “forçadas e em lágrimas” porque a lei assim o determina, sob pena de pelo incumprimento das visitas agendadas, a vítima ser inibida do poder paternal. Para Daniel Cotrim, nestas visitas “coloca-se em risco a vida da vítima”, porque há uma pressão que o agressor faz sobre a criança, questionando-a sobre “o local onde estão a morar”.
No que respeita à lei sobre a violência doméstica, cuja moldura penal aplicável vai até aos cinco anos, com possibilidade de pena suspensa, Daniel Cotrim refere que é mais do que suficiente, por estar provado que as prisões não são boas a reinserir ninguém na sociedade. “Tirar a liberdade aos agressores não é suficiente, porque as prisões não dão resposta para lhes mudar padrões de comportamento; pelo contrário, criam sentimentos de raiva e vingança. “Temos mulheres violadas durante a visita conjugal na prisão e vítimas que voltam a ser vítimas destes agressores, quando são libertados”, explica, considerando que falta apostar em programas de sensibilização e reintegração.

Violência aprende-se
e reproduz-se
Repetir padrões de comportamento violentos que foram experienciados é recorrente, pois a violência “tem um carácter que passa de geração em geração” refere o psicólogo. A presidente do conselho de administração da Fundação CEBI, Ana Maria Lima, concorda e acrescenta: “Uma criança que cresce em ambiente livre de violência, não vai resolver situações recorrendo a ela”. E defende a prevenção contra a violência doméstica desde a infância. “Num colégio não se deve ensinar só o português ou a matemática” e só com “bons exemplos e uma educação para a cidadania conseguimos ensinar as crianças e jovens a ser cidadãos do mundo”, diz a O MIRANTE.

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