Sociedade | 18-02-2019 07:00

Entre doentes ao ‘deus-dará’ e a necessidade de seguros de saúde por falta de resposta do SNS

Entre doentes ao ‘deus-dará’ e a necessidade de seguros de saúde por falta de resposta do SNS

Dia Mundial do Doente celebrou-se a 11 de Fevereiro e as notícias não são boas.

São duas visões de dois médicos, um oftalmologista e um especialista em medicina familiar, sobre a saúde dos cidadãos da região e sobre o sector de saúde em si. As entrevistas foram recolhidas a propósito do Dia Mundial do Doente, assinalado a 11 de Fevereiro. O oftalmologista conta a história de um doente que deixou de tomar medicamentos por achar que sentia todos os efeitos secundários dos cinco produtos diferentes que lhe foram sendo receitados. O médico de família lembra uma grávida que não quis tomar nenhum produto químico para um problema de pele e só por saber alemão é que descobriu que o produto que lhe foi receitado por um naturista era prejudicial às grávidas.

“Grandes grupos económicos vão acabar por dominar o sector da saúde”

Eduardo Lopes é médico oftalmologista e proprietário da clínica Climeco em Santarém.

Eduardo Lopes está na cidade há mais de 30 anos e percebe bem a diferença entre o velho doente e o jovem doente. Se as pessoas de mais idade se resignam à doença e acatam as decisões do médico, os jovens procuram mais informação e, por vezes, quando chegam ao consultório já trazem o seu “diagnóstico”, que fizeram recolhendo dados na internet.
Para Eduardo Lopes são também os jovens que se preocupam mais com os efeitos secundários dos medicamentos, “lêem as bulas e muitas vezes sentem todos os efeitos secundários”, confessa-nos resignado, mas bem-disposto. “Tive um paciente a quem receitei cinco medicamentos diferentes para a tensão ocular. Abandonou-os todos porque sentia cada um dos efeitos secundários enumerados nas bulas”. “Por vezes é difícil gerir estas situações”, afirma o clínico.
Lamenta que as clínicas privadas, como a sua, tenham os dias contados porque, explica, os grandes grupos económicos vão acabar por dominar por completo o panorama da saúde no país. Com a abertura do hospital privado em Santarém Eduardo Lopes confessa que a Climeco perdeu alguns pacientes.
A Climeco tem acordos com vários seguros de saúde e grande parte dos seus pacientes são segurados. “Dificilmente uma pessoa vem a uma consulta numa clínica privada se não tiver um seguro e o pior é que o sector público não dá resposta às necessidades da população”, garante o médico.
Tendo já trabalhado no hospital público, Eduardo Lopes conhece a realidade e aponta as suas insuficiências, sobretudo na área que domina, a oftalmologia. “Há consulta de oftalmologia no hospital, mas é manifestamente insuficiente para as necessidades da população”, refere, acrescentando que 75% da população nacional tem falta de vista.
Quisemos saber se em tempo de férias diminuía o número de consultas na clínica. Eduardo Lopes sorri e afirma que acontece precisamente o contrário. “É quando as pessoas estão mais disponíveis e aproveitam para vir ao médico. Vêm também muitos emigrantes que aproveitam esse período para tratar da saúde”, revela-nos o clínico.
Numa breve radiografia às doenças que mais afectam os ribatejanos, Eduardo Lopes aponta as da sua especialidade: estigmatismo, glaucoma, hipermetropia... mas refere que quase tudo é potenciado pela diabetes. Também o envelhecimento da população faz surgir doenças da vista, como as relacionadas com a mácula.
Em termos de oftalmologia, Eduardo Lopes refere que há uma época do ano, a partir de Maio, mais propensa à conjuntivite por adenovírus”. É um vírus tramado, e o tratamento pode demorar perto de um mês. Quem passa por ele não esquece, é mil vezes pior que uma conjuntivite simples. Pode deixar a pessoa a ver tudo turvo durante meses, até a névoa na córnea ir desaparecendo”.
De uma forma geral, para o clínico, a ciência tem evoluído e tem permitido melhorar os diagnósticos. Doenças auto-imunes e outras patologias que antes não eram bem compreendidas hoje já não são um mistério.

“As pessoas da nossa região estão ao ‘deus-dará’ quanto aos cuidados de saúde”

Luís Marçal é médico e tem uma clínica em Salvaterra de Magos.

“Hoje, as pessoas desta região estão ao ‘deus-dará’ quanto aos cuidados de saúde”. Quem o diz é Luís Marçal, proprietário da clínica Dr. Luís Marçal em Salvaterra de Magos, aberta há 15 anos.
Para aquele médico especialista em clínica geral e familiar, existem ainda várias lacunas por se resolver na área da saúde devido ao desinvestimento dos sucessivos Governos. Basta ver, refere, o tempo de demora dos bombeiros até chegarem ao local da ocorrência. “Devia haver mais ambulâncias disponíveis nos quartéis e mais bombeiros nas corporações”, defende.
Para o médico, que trabalha e reside em Salvaterra de Magos, além de faltarem profissionais de saúde, os cuidados de saúde prestados no serviço público ficam ainda muito aquém do desejado, deixando os doentes desprotegidos e, muitas vezes, largados à sua sorte.
Diz também que os seguros vieram ajudar o negócio dos privados mas são essenciais para os cidadãos. Luís Marçal refere o bom trabalho dos especialistas que trabalham em clínicas privadas e sublinha que isso salta a vista dos doentes. “Aqui na minha clínica, por exemplo, todas as pessoas que me procuram, são vistas no próprio dia”, conta o profissional de saúde, admitindo que dá mais consultas nos primeiros dias da semana e que nas férias não tem menos clientes.
A trabalhar há 38 anos na especialidade de medicina clínica, Luís Marçal admite que, hoje em dia, os mais velhos seguem mais à risca o que lhes é prescrito, contrariamente ao que acontece com os mais novos, que são “mais rebeldes” e preferem os produtos naturais.
Conta, para ilustrar, a história de uma jovem grávida que recorreu à sua clínica por causa de um problema de pele. Na altura, explica, foi consultada e foram-lhe prescritos alguns medicamentos mas como ela não queria tomar químicos decidiu recorrer a um naturista que lhe prescreveu produtos naturais. “A sorte foi ela saber alemão porque conseguiu ler que os produtos que o naturista lhe recomendara não estavam aconselhados a grávidas”, conclui.
Luís Marçal garante que, actualmente, são os diabetes, as doenças psíquicas, nomeadamente a ansiedade, o cancro e a hipertensão que mais afectam os ribatejanos. Tudo, explica, devido ao excesso de sal na alimentação, ao stress que vivem e à qualidade da água potável. “Ainda há muitos tubos de transporte de água com amianto e essa substância acaba por entrar em contacto com as pessoas através da água que bebem”, afirma.

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