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“O teatro é um acto de amor”

Paulo Cruz, encenador do Centro Dramático Bernardo Santareno

A peça “As bem-aventuranças”, produzida pelo Centro Dramático Bernardo Santareno, foi a última encenação de Paulo Cruz. Ao longo de 26 anos de carreira, o encenador já fez um pouco de tudo. Já partiu de ideias e de ideais para levar uma “obra de arte” à cena. A experiência ensinou-lhe que não é possível satisfazer todo o tipo de público, mas recusa as técnicas de sucesso fácil. Em palco dispensa as lantejoulas, plumas e cores e prefere um teatro a preto e branco, que deixa espaço à imaginação. “Para mim o teatro é um acto de amor e as pessoas ou me amam ou não me amam”.

Um cartaz afixado na vitrine iluminada do abandonado Teatro Sá da Bandeira anuncia uma das últimas produções do Centro Dramático Bernardo Santareno - “As bem-aventuranças”. Paulo Cruz é o encenador da peça, escrita e representada por Fernanda Narciso.A preparação da peça - que descreve a “loucura colectiva” que é a guerra - demorou três meses e exigiu muita dedicação. “Ocupei todas as horas, menos aquelas que utilizei para dormir, para dar aulas de esgrima e fazer desenho”, explica Paulo Cruz, 45 anos, encenador e desenhador técnico, residente em Santarém.A peça foi moldada pela autora, em conjunto com o encenador, à medida que as soluções iam surgindo. “Foi um trabalho muito interessante porque o texto original também foi sendo transformado para se chegar ao resultado final”.O trabalho de Paulo Cruz como encenador concentra-se sobretudo à noite ou ao final da tarde. Mas a encenação não é só o trabalho com a equipa. “Aprendi que uma peça como esta só requer a presença do encenador durante cerca de 15 dias ou um mês. Depois o encenador deixa de ser necessário. Basta um bom assistente de encenação e uma boa equipa de actores”.Para estudar o texto de Fernanda Narciso levou “um par de meses a trabalhar quase todos os dias”. O estudo do autor é um dos primeiros passos para a encenação. “Temos que debruçar-nos sobretudo na peça que a companhia escolheu e dentro do elenco fazer a distribuição das personagens pelos actores”, explica.O trabalho de encenação, que tem como objectivo levar à cena uma obra de arte, que “raramente é uma obra prima”, é fruto de um trabalho colectivo, que inclui o contributo do escritor. Mas a peça pode fundamentar-se não num texto escrito, mas numa ideia ou em “qualquer coisa abstracta que vai ganhando forma”. O encenador tem que conseguir ter uma visão da espectacularidade desse texto. “Temos que interpretar o texto à nossa maneira e dar ao público a nossa imagem do texto”, descreve.Uma das preocupações do encenador é deixar espaço à imaginação do público. “Tento não ser redutor ou condutor da imaginação das pessoas”. Se o dramaturgo for contemporâneo, Paulo Cruz tenta entrar em contacto com o autor. O encenador faz um esforço por respeitar a obra de arte e não “destruir” o que alguém criou.Paulo Cruz encarrega-se de explicar aos actores o que devem fazer para dar corpo a uma história. “Adoro pedir aos actores para em determinados momentos não se deixarem perceber. Resmungarem o texto para que o público não perceba o texto porque há coisas que não devem ser percebidas”.Ao longo de 26 anos de trabalho já fez um pouco de tudo. “Já parti de ideias e já parti de ideais, mas também já parti para encenações muitas vezes a partir de textos. Normalmente há necessidade de escrever um guião para registar as ideias”. Paulo Cruz frequentou o Conservatório de Teatro e passou pelo Teatro da Comuna. Teve a sua primeira experiência em teatro aos 17 anos como electricista e mecânico de cena. Começou a trabalhar como actor aos 22 anos. Não consegue definir o seu estilo, mas confessa que fica satisfeito quando alguém reconhece uma peça sua. “Tenho como preocupação primeira o público a quem se destina o trabalho. Sei que não existe um público, mas públicos. Não é possível agradar a todos mesmo que se queira. Há técnicas para se agradar às pessoas, mas evito-as. Para mim o teatro é um acto de amor e as pessoas ou me amam ou não me amam”.Em palco Paulo Cruz dispensa as lantejoulas, plumas, véus e muitas cor e luz. “O teatro para mim é a preto e branco”. O encenador gosta de alguns autores contemporâneos, como Jaime Salazar Sampaio e Vicente de Sanches. Autores que a maioria das pessoas “dificilmente vê ou digere”, mas que lhe permitem-se “encenar” o teatro mais inteligente. É importante que o público “perceba o que não é dito” e que as pessoas vejam o que nós não é mostrado”. “Sós”, uma trilogia de Jaime Salazar Sampaio, foi um dos trabalhos que lhe deu mais prazer. Também se divertiu com “Não se paga, não se paga”, de Dário Fo. Das peças produzidas pela companhia encenou dez, entre as quais “Jerónimo e a tartaruga”, “Chapéu, laço e cartola” e “Aldeia dos Doidos”. Ao contrário dos actores do Centro Dramático, o encenador não trabalha a tempo inteiro. A remuneração varia de acordo com a actividade da companhia que vive da digressão porque “não tem público suficiente em Santarém”.O que lhe dá mais prazer é perceber que há alguém que gosta daquilo que faz e lhe explica porquê. “A grande maioria das pessoas limita-se a dizer se gosta ou não gosta. Quando me dizem ‘não gosto porque’ admiro imenso essa pessoa e normalmente aprendo com ela. Tento ouvi-la e perceber porque é que não gosta. Quando gostam também adoro e isso alimenta o ego”.Ana Santiago

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