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Prendado Serafim das Neves

Ainda bem que já passou o Natal. Ainda bem que o Ano Novo vai ser daqui a bocadinho e depois não se fala mais nisso. Já começava a estar farto de almocinhos de confraternização com grelhada mista e vinho da casa. Já estava a deitar trocas de prendas da loja dos trezentos pelos olhos. A minha sala de jantar parece uma loja do chinês. Já não tenho espaço para tanta quinquilharia. Caixinhas de vidro, velinhas de cheiro, sabonetes que tenho medo de usar porque me parecem de duvidosa qualidade.A televisão transmitiu o Natal dos hospitais mas eu não vi. É caldeirada a mais para o meu gosto. Artistas com a mesma garantia de proveniência dos sabonetes das lojas dos trezentos reconvertidas em lojas do euro e meio. Enfermeiras a bater palmas e doentes com uma resistência descomunal ao vírus pimba. Ainda se houvesse um milagre. Alguém em cadeira de rodas que se levantasse de repente e desatasse a correr dali para fora...O meu discurso não é inovador, eu sei, mas deixa-me ir por aqui abaixo. É uma vez por ano e não te azucrino mais a cabeça. As árvores de Natal de plástico dão-me cabo da cabeça. Eu gostava do cheiro a resina do pinheirinho que serrava uma vez por ano para pôr ao canto da sala. Eu adorava ir ao musgo para fazer o presépio. Eu gostava de desembrulhar prendas ingénuas e boas. Livros do Eça de Queirós ou do Camilo Castelo Branco. Saquinhos de biscoitos caseiros. Peúgas de algodão maiores que os meus pés.A primeira prenda a sério que recebi foi um tambor. No ano seguinte ganhei uma espada de plástico e um escudo. Uma espada curta e um escudo redondo. Equipamento parecido com o que o Viriato usava nos Montes Hermínios, nas guerras contra os romanos. Aos nove anos deram-me dois livros do Sandokan. Nem sei porque te estou a contar isto. Eu não sou saudosista. Se este ano me tivessem dado uma metralhadora a sério eu não tinha ficado aborrecido. Havia uma concentração de motards vestidos de Pai Natal debaixo da minha varanda. As bestas roncaram e chiaram durante hora e meia. Sem dó nem piedade. Qual espírito natalício qual carapuça. Serafim, eu sei que não é bonito dizer estas coisas, mas um homem não é de ferro. Com a barulheira eles nem tinham ouvido o rá-tá-tá do instrumento... da metralhadora...não sei se percebes.Pronto, já chega de Festas Felizes! Para amaciar a escrita vou-me aos jornalistas. A notícia era da agência Lusa e vinha numa das últimas edições de O MIRANTE. Acho que era a da semana passada: os jornalistas contribuem para inovar a língua portuguesa. Li e achei que o artigo era injusto para os políticos. Eles também dão umas belas ajudas. Eles são a grande fonte de inspiração. Os jornalistas, na maior parte dos casos, não passam de caixas de ressonância. Macaquinhos de imitação.Deixo-te uns exemplos para meditares no questão. O lixo, por exemplo. Eu faço lixo, meto no saco e ponho no contentor. No dia seguinte o lixo transformou-se em resíduos sólidos urbanos. Dá uma vista aos jornais e vê lá se não é assim. Resíduos sólidos urbanos para aqui, resíduos sólidos urbanos para acoli. Mesmo quando os restos das couves deitam molho aquilo são resíduos sólidos. E só há sólidos urbanos. Não há sólidos rurais.E a trampa que a gente faz! No dicionário de português está escarrapachado: merda, esterco, estrume. Mas o que se trata numa ETAR não é nada disso. Ali a coisa também cheira mal e é castanha mas passa a chamar-se efluente. Um fluente eflúvio deduzo eu. Eles não tratam merda, não senhor. Tratam águas residuais. E pensas tu que quando vais dar umas braçadas entras na piscina??!! Errado! Erradíssimo!! Erradérrimo!!! Estás a utilizar uma infraestrutura desportiva. Num antigo livro do cartunista Quino, dizia a Mafaldinha apontado para o cassetete de um polícia de choque. “Aquilo chama-se um pauzinho de amolgar ideologias”. Uma jornalista em potência a pequena. Um belíssimo exemplo da utilização de terminologia política. E há mil e um exemplos, como sabes.Se beberes na passagem do ano não conduzas a garrafa toda em direcção à goela. Ainda te podes engasgar. Bebe com moderação meu caro. Um copo de cada vez. Já agora, antes de terminar, explica-me lá uma coisa, se puderes: será que o presidente da câmara de Santarém cumpre o código da estrada? A pergunta faz sentido meu caro. É que no livrinho fala em apertar o cinto de segurança mas não diz nada sobre os que usam suspensórios em vez de cinto.Um bacalhau ...com couves do Manuel Serra d’Aire

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