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Viver numa barraca escura e fria

Francisco da Bernarda nunca morou debaixo de uma casa a sério

Francisco Carvalho da Bernarda tem 47 anos, é doente e vive numa barraca sem água e luz em Pontével, Cartaxo. Cozinha, à luz de velas, com a água da chuva que se acumula nos bidões de lata. Nunca soube o que é morar numa casa a sério. A pobreza atingiu-o desde cedo. Vivia numa barraca de cana e aos 12 anos mudou-se para um galinheiro no quintal de uma irmã. O seu maior sonho é ter uma casa.

Uma pequena barraca de madeira construída perto da lixeira de Pontével, Cartaxo, é o abrigo de Francisco Carvalho da Bernarda há sete anos. É no pequeno espaço escuro e frio que Francisco, 47 anos, sobrevive sem electricidade e água canalizada. É doente e sente-se sem forças para trabalhar. Foi funcionário de uma cerâmica, vendedor em feiras, trabalhou nas obras e nas vindimas, mas nunca descontou para a segurança social. Valem-lhe os 135 euros (27 contos) que recebe do Rendimento Mínimo Garantido e que lhe servem para a comida e para uma botija de gás. “Comecei a adoecer e não tenho muita força. Tenho tonturas e já não vejo muito bem”. Há um ano Francisco foi consultado no Hospital de Santarém. Foi atendido por uma médica que lhe disse que teria que ser operado em Coimbra. Desconfia que tem um cancro na garganta. Na altura do Natal, Francisco vai rebuscar as bagas vermelhas na floresta dos arredores do Cartaxo e vende-as aos clientes habituais. “Sofro muito para apanhar as bagas. Tenho que andar a cortar silvas e fico todo picado”. Mas a colheita deste ano não rendeu muito. Também apanha musgo para vender em caixas e faz algumas limpezas para senhoras da terra que o conhecem. Varre os quintais e limpa os galinheiros.Os trocos que vai juntando chegam para alguma comida, mas não para alugar a casa, que Francisco nunca teve. Foi criado com 14 irmãos numa barraca de cana. Frequentou apenas a primeira classe. Aos 12 anos foi viver para o galinheiro num quintal da casa de uma irmã. “A vida tem sido assim no abandono”, lamenta. De vez em quando tem febres que o atiram para a cama durante 15 dias. Nessas alturas não come porque não tem ninguém.Francisco poderia ter uma ajuda de 150 euros para alugar uma casa, mas não arranja onde morar por tão pouco. Tem muita vontade de ter uma casa e está mesmo disposto a dar uma parte do rendimento mínimo para o aluguer. “Saio de manhã e nem me dá vontade de voltar para casa. Nem é uma casa. É só água e lama”.Já chegou a pedir esmola nas portas das igrejas, mas deixou a vida de pedinte. Há sete anos a irmã mudou de casa. Francisco ficou sem abrigo e pediu ajuda à Cruz Vermelha do Cartaxo. Arranjaram-lhe a madeira e Francisco construiu a casa onde vive, demasiado longe do centro da vila, onde não chega a água e a luz. Confessa que estava desesperado, mas não esperava chegar ao ponto que chegou. “Se soubesse não teria vindo para aqui. De certeza que não iria para um sítio pior”.COZINHAR COM ÁGUA DA CHUVAFrancisco cozinha, à luz de velas, com a água da chuva que se acumula nos bidões de lata. “Já fui parar ao Hospital por beber água da chuva”, revela. A mesma água serve para lavar a roupa oferecida por pessoas que conhecem o seu drama.A luz da vela também o ilumina à noite quando fica sozinho no meio do campo. “Uma sobrinha minha com quatro anos morreu por causa de um incêndio provocado por uma vela.. Quando acendo uma lembro-me sempre disso”, recorda.O chão da barraca é uma caixa de ar que aos poucos vai abatendo. Francisco vai remendando o soalho com tábuas sobrepostas, mas teme pela sua segurança porque a barraca tem-se degradado e a madeira das paredes e do tecto está a ceder. Até ter o fogão no interior da barraca costumava acender o lume para cozinhar as refeições na rua. Muitas vezes cozinhou com o chapéu de chuva aberto.Na barraca, com três pequenas divisões, forrada a papel, espalham-se alguidares para receber a água da chuva. A cama é o único lugar onde não chove, mas onde conseguem chegar os ratos. Ao lado Francisco construiu galinheiros para criar animais para venda. O presidente da Junta de Freguesia de Pontével, Fernando Amorim, explica que se tornaria demasiado dispendioso levar a água até ao local, mas admite que o problema da electricidade se resolveria com um gerador. O autarca adianta que no local onde está instalada a barraca está prevista a construção de um parque de máquinas. No espaço, que deverá estar concluído em 2004, pode ser construída uma pequena casa com água e luz, para onde Francisco se poderá mudar. Até lá o autarca garante que fará todos os esforços para “minimizar as dificuldade” sentidas por Francisco.Na altura do Natal Francisco não tem ninguém. Na barraca, coberta por madeira a apodrecer, Francisco decorou um pinheiro de Natal para presentear os meninos da escola de Pontével. Nesta altura, os alunos costumam vir entregar-lhe pessoalmente uma prenda - um cabaz com alguns alimentos, o único presente que recebe. Ana Santiago

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