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Cogumelo venenoso mata criança

O drama do Flávio Marques a três dias de fazer nove anos

Uma criança que morava no Casal Sentista, Torres Novas, faleceu por ter comido cogumelos venenosos. Nesta altura do ano muitas pessoas colhem arbitrariamente cogumelos selvagens mas poucas saberão com certeza se eles são ou não bons para comer. O cogumelo que Flávio Marques ingeriu deu-lhe cabo do fígado e a criança acabou por não resistir, ao fim de dois transplantes. A família espera agora que a morte de Flávio sirva como um alerta para todos os que julgam conhecer os cogumelos selvagens.

No dia 26 de Dezembro Ana Cristina Nunes Lopes, cantoneira na Câmara Municipal do Entroncamento, preparou um almoço especial para o seu filho de oito anos, Flávio. Um colega de trabalho tinha-lhe oferecido um grande cogumelo selvagem e Ana Cristina cozinhou-o porque sabia que o Flávio gostava muito. Um petisco fatal para a criança, que viria a falecer quinta-feira, no Hospital da Universidade de Coimbra. O cogumelo era venenoso.“Intoxicação alimentar por cogumelos”. Foi este o veredicto clínico feito a 2 deste mês, dia em que o pequeno Flávio lhe viu fugir a vida, três dias antes de completar nove anos.Já não era a primeira vez que Ana Cristina Lopes cozinhava cogumelos, dados pelo colega de trabalho. Desta vez trouxe para casa apenas um, mas de tamanho razoável. No dia de Natal, à noite, cozinhou o cogumelo que serviu de refeição para o dia seguinte. “A minha irmã sabia que o Flávio adorava cogumelos e como ele andava a comer mal insistiu com ele ao almoço”, diz Ana Paula Nunes, sentada no sofá da sala do nº2 da rua de Santo António, no Casal Sentista, concelho de Torres Novas. No quarto ao lado, a irmã tentava apagar da memória os últimos dias – “demos-lhe agora um calmante”.Foi logo a seguir à refeição que o efeito do cogumelo se fez sentir. Ana Cristina e Flávio começaram com fortes dores abdominais, vómitos e diarreia. As dores eram tão fortes que Ana Cristina decidiu chamar o 112.“Eles deram entrada no hospital de Torres Novas com sintomas de gastrenterite”, diz a irmã. Mas quando Ana Cristina falou do cogumelo ao médico, o caso mudou de figura. Pessoal do hospital deslocou-se a casa de Ana Cristina para recolher o que restava do cogumelo, que tinha atacado o sistema hepático (fígado) de mãe e filho.Flávio era o caso mais problemático. Tinha comido uma quantidade assinalável e foi de imediato transferido para Lisboa e posteriormente para o Hospital Pediátrico de Coimbra. Deste foi novamente transferido, desta vez para o hospital da Universidade de Coimbra, onde viria a falecer.No último dia do ano, Dália Lopes, irmã de Flávio, foi visitá-lo a Coimbra e, segundo ela, ele parecia estar a melhorar. “Sabia onde estava e disse-me que nunca mais queria comer cogumelos”. Nessa mesma noite Flávio Marques entrou em coma.A mãe, internada no hospital Rainha Santa Isabel, foi transferida para Coimbra, para acompanhar mais de perto o filho.Ainda nessa noite, Flávio é sujeito a um primeiro transplante de fígado. A cirurgia correu bem e o pequeno estava a reagir. Só que o organismo acabou por rejeitar o fígado. No dia seguinte os médicos decidiram realizar um segundo transplante. “Em dois dias fez dois transplantes”, diz Ana Paula Nunes.A tia de Flávio diz que os médicos lhe disseram que a criança entrou em morte cerebral a meio da complexa operação – “não aguentou”. A equipa de cirurgiões que acompanhou o Flávio acabou por dizer a Ana Paula que mesmo que a criança tivesse sobrevivido, iria ter grandes problemas.“Nunca mais andaria, ficaria cego, surdo e mudo, enfim, um vegetal”, diz, afirmando que além de atacar o fígado o potente veneno do cogumelo também se imiscuiu no sistema nervoso de Flávio.APURAR RESPONSABILIDADESAna Cristina Lopes sente-se culpada. Afinal foi ela que deu o cogumelo fatídico a Flávio e insistiu até para que ele comesse. E, segundo a irmã, sente uma revolta muito grande pelo facto da pessoa que lhe deu o cogumelo nunca se ter manifestado. “O senhor não fez um telefonema, não veio cá a casa nem foi ao funeral e continua a trabalhar como se nada se tivesse passado”, diz Ana Paula Nunes. É por isso que a família está só à espera do resultado da autópsia para apresentar queixa em tribunal. “É claro que o senhor não deu o cogumelo propositadamente mas poderia mostrar algum arrependimento ou, quanto mais não fosse, consideração pela família. A minha irmã não percebe nada de cogumelos e confiou nele, quando ele lhe deu a garantia de que eram bons”.Ana Cristina Lopes não era a mãe biológica de Flávio, mas recebeu-o de braços abertos quando a verdadeira mãe lho entregou para que ela o criasse. Desde os dois meses de idade que Flávio fazia parte da vida de Ana Cristina. O processo de adopção ainda estava a correr mas segundo Ana Paula a assistente social encarregue do caso confidenciou-lhe que a adopção tinha já sido aceite. Às vezes o destino é irónico.No último Domingo, dia em que comemorava o seu nono aniversário, Flávio Marques foi a sepultar no cemitério do Entroncamento. No meio de uma multidão de amigos, foram as mães dos seus colegas de escola que levaram o caixão em braços. “Elas fizeram questão”, diz a tia.No dia seguinte, a irmã e a tia de Flávio levaram um bolo de aniversário à escola onde a criança frequentava o terceiro ano do ensino básico. E tal como o Flávio tinha desejado, os seus amigos cantaram-lhe os parabéns. Mas um cogumelo venenoso impediu que o Flávio apagasse as velas...Margarida Cabeleira

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