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Contrato-promessa de compra e venda

Helena Seixas Jorge
Haviam decorrido já praticamente dez anos desde a data em que o Sr. Santos assinara um contrato-promessa de compra e venda com a empresa “Sociedade Construtora, S.A.”, para compra de um apartamento em regime de propriedade horizontal situado num então conhecido empreendimento habitacional. O referido empreendimento encontrava-se ainda numa fase muito inicial da sua construção, contudo, dada a sua boa localização e a grande procura que tinha, não restara ao Sr. Santos outra alternativa senão aceitar as condições que então lhe foram impostas por aquela construtora para aquisição do imóvel, designadamente a entrega da totalidade do preço acordado, apesar desta última apenas se ter comprometido a entregar o imóvel e a marcar a escritura de compra e venda decorridos dezoito meses da data da assinatura do contrato-promessa, e a restituir ao Sr. Santos, em caso de incumprimento, a quantia que dele recebera acrescida de juros (obviamente a uma taxa baixíssima...). Acontece que o referido empreendimento, para se tornar viável e habitável, necessitava de avultadas e onerosas infraestruturas, nomeadamente estradas e mesmo uma ponte de acesso, cuja construção havia supostamente ficado a cargo da respectiva Câmara Municipal, carecendo além do mais todo o projecto de loteamento da respectiva aprovação final. A mudança de executivo camarário, um subsequente cancelamento do alvará de construção que obrigou à alteração de todo o projecto inicial e toda uma série de entraves burocráticos e financeiros entretanto surgidos e o próprio cancelamento do projecto de construção da ponte de acesso à urbanização, foram impossibilitando o reinicio dos trabalhos de construção do empreendimento; de tal modo que ainda hoje a referida urbanização não foi construída.O Sr. Santos por inúmeras vezes interpelou a construtora e tentou fazer com que esta cumprisse o contrato, mas sempre em vão. E, só depois de vários anos de promessas vãs, aquela empresa se dignou comunicar-lhe que se encontrava impossibilitada de «dar de imediato satisfação ás suas justas pretensões». Face a esta resposta ainda tentou o Sr. Santos obter junto da Construtora a restituição do seu dinheiro acrescido dos míseros juros previstos no contrato-promessa, mas igualmente sem sucesso, pelo que, passados entretanto já cerca de dez anos sobre a data da assinatura do contra-promessa, recorreu o Sr. Santos áàúnica via legal que lhe restava e que era evidentemente o recurso aos tribunais. Perante estes alegou existir manifesto incumprimento do contrato por parte da construtora e pediu que nos termos contratualmente estabelecidos esta fosse condenada a restituir-lhe o seu dinheiro acrescido dos juros previstos no contrato-promessa desde a data da sua assinatura.A construtora veio contestar a acção judicial alegando que a impossibilidade de construção do apartamento em causa não lhe era imputável, e sim à Câmara Municipal e ao Estado pelas dificuldades por estes colocadas à aprovação do projecto de loteamento em que aquele se inseria, invocando ainda ter existido uma alteração superveniente das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do contrato-promessa, dado que este contrato havia sido feito no pressuposto da construção das infra-estruturas e da aprovação do empreendimento em causa pela Câmara Municipal, que não veio a acontecer, pelo que defendia que o Sr. Santos quando muito apenas teria direito á restituição, em singelo, da quantia que lhe entregara.Não obstante toda a atrás descrita factualidade, carreada para os autos, entendeu o Tribunal de primeira instância que a mesma não configurava uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, e sim de mera mora ou atraso no seu cumprimento, pelo que rejeitou a pretensão do Sr. Santos. Face a uma tal decisão, este apresentou o competente recurso para o Tribunal da Relação, dizendo não ter já qualquer interesse no apartamento dado que entretanto fora forçado a resolver de outra forma os seus problemas habitacionais e alegando que o incumprimento, decorridos já tantos anos, era mais do que manifesto, de tal forma que até a própria Construtora o havia admitido na contestação que apresentara em juízo, tanto mais que nos termos do celebrado contrato-promessa há mais de dez anos que o prédio deveria estar construído e a escritura de compra e venda do apartamento realizada, sendo notório que a construtora não o iria construir. No acordão que então proferiu, o Tribunal da Relação entendeu que os autos configuravam nitidamente um incumprimento culposo do contrato-promessa por parte da Ré Construtora, porquanto deveria entender-se existir impossibilidade de cumprimento do contrato não só nos casos em que se tornava seguramente inviável o cumprimento da prestação a que a parte está obrigada (neste caso a construção e entrega do apartamento), mas também naquelas situações, como aquela que decorria dos autos em causa, em que a probabilidade do cumprimento da prestação, por não depender apenas de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor (neste caso, da Ré construtora), se tornasse extremamente improvável. Por outro lado, e nos termos legais, deveria igualmente considerar-se como não cumprida uma obrigação contratual quando o credor, em consequência do atraso verificado, tenha perdido o interesse que tinha a entrega da coisa, e, de facto, considerou o Tribunal que era perfeitamente normal que um promitente-comprador perdesse o interesse na aquisição de um apartamento cuja construção volvidos mais de dez anos ainda nem sequer havia sido começado a tudo indicando que nunca o viria a ser. Acrescia que a culpa do contraente faltoso decorria de presunção legal, considerando ainda o Tribunal que a construtora actuara levianamente ao celebrar contrato-promessa de compra e venda de apartamento sem ter a certeza de que o poderia vir a construir, especialmente num caso como este em que as obras além do mais estavam condicionadas por avultosas despesas públicas em infra-estruturas, não devendo por isso as partes estipular cláusulas ou obrigações cujo cumprimento não possam controlar efectivamente por dependerem da vontade de terceiros.Tudo visto, foi a construtora condenada a restituir ao Sr. Santos o montante que este lhe havia entregue, acrescido dos modestos juros convencionados. *advogada

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