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O Marquês da Liberdade

Miguel Noras

Outra curiosidade deste novo orçamento é a inscrição de uma verba superior a 10 milhões de euros, correspondente à venda (prevista para 2003) de um conjunto de terrenos que anteriores executivos municipais souberam preservar, adquirir e acautelar, no âmbito do património autárquico.Escrever estas importâncias tem um custo completamente nulo. Consegui-las seria uma dádiva dos céus (nos tempos que correm). Apesar de tudo, eu ainda acredito em “milagres”. Mas, sobre isso, prefiro falar daqui por um ano!

Na sua obra Santarém no Tempo, Virgílio Arruda dá justificado relevo a Sá da Bandeira, o “Marquês da Liberdade”, e à sua época. Este livro transcreve uma conferência produzida no âmbito do “centenário da elevação de Santarém a cidade” onde se conclui que esta distinção, por só ter ocorrido em 24 de Dezembro de 1868, constituiu “um desagravo da história”. Um desagravo da história que, ainda assim, resultou (quase) exclusivamente do sentido de justiça e do inequívoco empenhamento político do Marquês de Sá da Bandeira, então “Primeiro-Ministro” de Portugal.Com o encanto da sua estrutura literária, o antigo director do centenário Correio do Ribatejo adverte-nos (naquela sua conferência) para a reentrada de Sá da Bandeira em Santarém: Pois, minhas senhoras e meus senhores, Bernardo de Sá vai tornar a entrar nesta sala [Paços do Concelho de Santarém]!O Marquês de Sá da Bandeira vai tornar a entrar nesta sala, nesta sala em que nos encontramos, salão do Paço, que foi do rei D. Pedro, do “Rei Soldado”, antes de ter sido Paço Real de seu irmão D. Miguel.”.Quando (no período oitocentista) a peste pousou sinistramente sobre o exército de D. Miguel, Santarém já era uma cidade mutilada por muitos surtos vandálicos. Como corolário dessa destruição, parte do centro histórico foi incendiado, durante as lutas liberais. Antes da retirada, os partidários de D. Miguel, animados de sentimentos de vingança pela derrota sofrida, deitaram fogo à residência de Sá da Bandeira (junto às Portas do Sol).O eminente escritor e notável orador Virgílio Arruda lembra-nos a atitude de D. Pedro IV (D. Pedro I do Brasil):“ — Lá vi, lá vi em Santarém a sua casa a arder, meu querido Bernardo de Sá. Se quiser conserta-se. Manda-se arrasar primeiro tudo. Só se lhe aproveitam os alicerces. Quer, Bernardo de Sá?”.É conhecida a resposta à generosa oferta régia: “ — Não, Majestade! Já tenho a minha paga! Basta-me ter concorrido para duas coisas, para a independência da Pátria e para o estabelecimento da liberdade! Os resultados satisfizeram as minhas convicções, Senhor! Isso me basta.”.“O português mais ilustre do seu século”, como o classificou Alexandre Herculano, morreu a 6 de Janeiro de 1876 (há 127 anos).Nesse “dia de reis”, os velhos generais lembraram (durante as exéquias) os gloriosos feitos de Sá da Bandeira e exprimiram a dor imensa da consternação do Exército pela perda irreparável do seu camarada de armas. Mas estas recordações dos triunfos militares de Sá da Bandeira foram interrompidas por “um punhado de cidadãos africanos”. Eram “cinco negros” envolvidos no mais profundo silêncio e na maior expressão de luto. Ao aproximarem-se do corpo do Marquês de Sá da Bandeira, conseguiram congelar o tempo, adormecer as vozes e entrar no coração dos participantes da cerimónia fúnebre. As lágrimas harmonizaram raças e sentimentos. Os africanos levavam cinco faixas negras de seda e, em cada uma delas, três palavras, bordadas a ouro, diziam: «nós escravos livres». Segundo José Hermano Saraiva, esta é, provavelmente, a melhor definição de liberdade e o maior hino de homenagem ao político e militar que, durante quatro décadas, lutou pelo fim da escravatura até à sua completa abolição em Portugal.A vida de Sá da Bandeira, o escalabitano que foi 34 vezes ministro e cinco vezes “Primeiro-Ministro”, pautou-se pela defesa dos valores morais e dos direitos humanos, sob o signo da luta contra a escravatura e contra o xenofobismo. A obra humanista realizada em benefício da “libertação de África e dos africanos” é um exemplo que permanece cada vez mais válido e actual nos tempos em que vivemos.Um estudo publicado pela “Freedom House” chama-nos a atenção para a dureza do seguinte quadro: “apenas 20% do mundo vive actualmente em liberdade”.Perante esta constatação, acudiu-me, de súbito, a advertência de H. Laurence, segundo a qual “os homens lutam pela liberdade e conquistam-na com grande dificuldade: o seus filhos, criados tranquilamente, deixam-na escapar, e os netos voltam a ser escravos” porque, como disse Voltaire, “todos os homens amam a liberdade mas parecerem esforçar-se por destruí-la!”.Quando o parto mais frequente dos dias de hoje é a indiferença que imola a memória e a gratidão humanas, Sá da Bandeira — “Marquês da Liberdade” — e a sua virtuosa Família representam um antídoto contra a “degeneração da liberdade” e um “porto seguro” para as caravelas da civilização, do carácter e do progresso!Como anunciou Virgílio Arruda, o “Bravo do Mindelo” e “Marquês da Liberdade” continua vivo, porque só morre quem não vence o esquecimento. “Essa é a grande diferença entre a vida e a morte”.Santarém jamais esquecerá o seu “Marquês da Liberdade”!Post ScriptumO SONHO E A PELEPerguntei, recentemente, ao director (e titular) do Instituto Educativo do Ribatejo, Dr. Agostinho Ribeiro, quais as razões que motivaram tão elevado investimento, sabendo, à partida, que o retorno do capital aplicado demorará mais de 25 anos.Agostinho Ribeiro explicou-me que, às vezes, “é preciso sacrificar o presente para merecer as vantagens do futuro”. Disse-me, ainda, que não vai ganhar um cêntimo nos próximos trinta anos. “Já não será no meu tempo!” — ironiza — “mas” — acrescenta — “os sonhos não têm preço e podem justificar uma vida inteira.” Ocorreu-me, então, este provérbio que escutara, em 1997, ao presidente da Câmara de Lubango (antiga “Sá da Bandeira”): “Ao morrer, o leopardo deixa a sua pele. Ao morrer, o homem, deixa o seu nome”. O meu interlocutor retorquiu: “A pele que tinha e a outra que, entretanto, nasceu já as dei a este Instituto Educativo!”. Ninguém chega a Homem por acaso! TRANSPARÊNCIAO deputado Jorge Costa Rosa, jurista de profissão, informou a Assembleia Municipal de Santarém que não participaria na discussão (nem na votação) da proposta da edilidade escalabitana sobre o “parque de negócios de Santarém”.A única razão invocada foi o facto de prestar serviços (enquanto advogado) a uma das empresas que integram a estrutura accionista daquele parque de negócios (a instalar na contiguidade da actual “zona industrial” da cidade).Jorge Costa Rosa não é sócio da referida empresa nem de nenhuma outra ligada à sociedade constitutiva do parque de negócios de Santarém. Assim, há sérias dúvidas sobre se, legalmente, estaria impedido de participar na votação em causa, enquanto membro eleito da Assembleia Municipal. Existe um ditado que recomenda: “Se tens dúvidas, diz a verdade”. Costa Rosa cumpriu e ultrapassou este aforismo, dando um exemplo de grande transparência que responsabilizará todos os eleitos sempre que, doravante, estiverem em causa situações idênticas. CURIOSIDADES ORÇAMENTAISNos orçamentos, as despesas são importantes mas as receitas são-no ainda mais. Talvez, por isso (e por insondáveis mistérios), a recuperação da “estrada do campo” (Ribeira/Alcanhões), avaliada em 1.450.000 euros, em 2002, pela autarquia escalabitana, apareça, no orçamento de 2003, somente por 301.500 euros. Outra curiosidade deste novo orçamento é a inscrição de uma verba superior a 10 milhões de euros, correspondente à venda (prevista para 2003) de um conjunto de terrenos que anteriores executivos municipais souberam preservar, adquirir e acautelar, no âmbito do património autárquico.Escrever estas importâncias tem um custo completamente nulo. Consegui-las seria uma dádiva dos céus (nos tempos que correm). Apesar de tudo, eu ainda acredito em “milagres”. Mas, sobre isso, prefiro falar daqui por um ano!Santarém, “Dia de Reis”, 6 de Janeiro de 2002 — Aniversários da conquista de Angra dos Reis por Vasco da Gama (505ª) e da morte do Marquês de Sá da Bandeira (127º).jmnoras@mail.telepac.pt

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