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“Acordo de noite para meditar”

“Acordo de noite para meditar”

Paulo Caldas, 30 anos, é o presidente de câmara mais jovem do país

Tem 30 anos e é o mais jovem presidente de câmara municipal de Portugal. Nasceu em Moçambique, mas é no Cartaxo que se sente em casa. Descobriu a política nas reivindicações académicas da faculdade, onde foi admitido com a nota máxima. Estudante brilhante e apaixonado por livros, ensaiava já nas reuniões gerais de alunos os discursos que faz sempre de improviso. O interesse pela defesa de causas e convicções surgiu depois de folhear Karl Marx. Pose serena e discurso ponderado, o jovem autarca, líder nato e optimista por natureza, deixou para trás uma carreira prometedora na banca para se dedicar à vida política. E promete ficar até que lhe falte a motivação.

O mais jovem presidente de câmara do país está à frente da autarquia do Cartaxo. Paulo Alexandre Fernandes Varela Simões Caldas, 30 anos, deixou para trás uma carreira promissora na banca para abraçar com intensidade a vida política.Nasceu em Nampula, Moçambique, em 1972, mas veio para o Cartaxo com dois anos de idade, na altura do 25 de Abril. As recordações da terra natal são quase inexistentes. A memória alcança já a sua vida em Vila Chã de Ourique, Cartaxo, a terra que considera o seu berço. É filho de mãe africana e pai lisboeta, ambos com ligações familiares no Cartaxo.A infância foi vivida no concelho. Frequentou a mesma creche que acolhe hoje a sua filha de três anos. Estudou na Escola do Centro, no Cartaxo, até ter idade de entrar na Escola Secundária do Cartaxo, onde completou o ensino secundário.Foi na mesma escola que viu pela primeira vez Catarina, natural da Maçussa, Azambuja, que viria a tornar-se sua esposa. O reencontro deu-se anos mais tarde quando Catarina estudava gestão de recursos humanos em Santarém e teve explicações de economia com o seu irmão gémeo, Alexandre Caldas. O autarca descobriu o gosto pela defesa de causas e convicções na faculdade. Foi dirigente associativo, participou activamente nas reuniões gerais de alunos e foi um dos mais acérrimos defensores da luta contra as propinas.Foi por essa altura que folheou Marx. “Confesso que senti uma ligação muito grande à defesa dos valores sociais mais à esquerda. Mais orientados para uma preocupação de desenvolvimento social”, recorda.Licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa em 1994. Esteve um ano na Universidade de Roterdão, na Holanda, onde se graduou em Ciências Económico-empresariais com distinção. Uma experiência internacional positiva que lhe serviu com êxito na área financeira.Durante quatro anos foi quadro superior do Grupo da Caixa Geral de Depósitos. Esteve no gabinete de estudos até que transitou para a direcção internacional do Banco Nacional Ultramarino. Surgiu depois a oportunidade de integrar o Grupo Banif, onde é membro da direcção internacional desde 1997. O lugar como quadro superior continua reservado.De pose serena e ponderada, o jovem autarca foi buscar às reuniões gerais de alunos dos tempos de faculdades a experiência dos discursos que faz de improviso. “Costumo fazer uma sistematização de ideias e pensamentos do que pretendo dizer. Coloco duas ou três ideias chave na cabeça e vou percorrendo a sistematização para procurar transmitir uma linha de pensamento”, explica.É presidente da câmara desde 2002, depois de ter sido vice-presidente no mandato anterior. Confessa com humildade que a subida e o protagonismo na política se deu quase por acidente. “Se nas últimas eleições não tivesse sido eleito vereador, muito provavelmente não tinha tido oportunidade de ser presidente de câmara”.AS CAMPANHAS AGRÍCOLASA partir dos 13 anos começou a trabalhar, durante o período de férias, na apanha do tomate, do melão e nas vindimas. Mais tarde ligou-se à zona industrial de Vila Chã de Ourique, Cartaxo. Chegou a ser estudante e trabalhador como administrativo na metalurgia Metal 3, onde conheceu José Eduardo Carvalho, actual dirigente da Nersant.Um conjunto de ligações ao concelho fizeram-no ganhar um carinho e um apego à terra, onde está a maior parte dos seus amigos. “Talvez por isso quando me colocaram o desafio de abraçar a vida autárquica eu não tivesse muitos receios. Houve um crescimento salutar com ligação íntima a esta terra”.Gozou a irreverência da juventude, sem nunca descurar os estudos. Foi um aluno brilhante. Ingressou na faculdade com a média máxima de 20 valores. A faculdade foi adiando o serviço militar que nunca chegou a cumprir.Os autarcas da lezíria e médio Tejo que o rodeiam nunca o fizeram sentir fragilizado pela idade. “Às vezes até me colocam em patamar superior de ideias e de dinâmica. Nunca fui alvo de marginalização”.Aos 29 anos, quando se tornou presidente, encarou a vitória com grande optimismo. “Pensei: este é o maior desfio da minha vida. Vou ter que dar provas de que de facto a confiança que a população teve em mim foi merecida”.A vida autárquica deixou-lhe menos tempo para privar com a família e amigos. “Procuro manter o equilíbrio naquilo que é o crescimento da minha filha, mas não posso dizer que sou um pai exemplar e que tenha assistido a par e passo ao seu crescimento. Tenho pena de não o poder fazer com mais intensidade”.O desporto também deixou de fazer parte da sua rotina. Já não pratica natação e o jogging ficou reduzido a algumas caminhadas. A leitura e a escrita são duas paixões que mantém. “Perco muito tempo a meditar. Escrevo numa folha de papel um conjunto de ideias e pensamentos que às vezes esqueço numa gaveta. Depois, meses ou anos mais tarde, acabo por relê-los e atribuir alguma evolução àquilo que estava escrito”.O autor de “Cartaxo - uma linha de rumo”, um livro que perspectiva o concelho em 2025, é um leitor apaixonado, mas ecléctico. Folheia um ensaio político com a mesma facilidade com que lê um romance, um livro de história, filosofia ou um volume de área juridico-económica. “A Mãe”, de Massimo Gorki, foi um livro que o marcou. “Já o li e reli muitas vezes. Cada vez que pego nele sinto que representa a evolução de uma vida”.Mas a “Bíblia” para a função de autarca tem sido sobretudo o contacto com as pessoas. “O autarca é um cidadão. É um homem que vive e convive com os outros. O nosso papel é estarmos sempre atentos”. Prefere sempre um livro à televisão. Gosta de ir ao cinema acompanhado, mas desde o nascimento de Sofia, há três anos, que Paulo Caldas não entra numa sala de cinema. Tornou-se cliente habitual do clube de vídeo para ver filmes com um atraso de um ano. Uma vez por ano sai do país para viajar. No ano passado esteve em São Tomé e Príncipe. Quando o fim de semana é mais alargado aproveita para conhecer o país.É calmo, mas procura canalizar a energia que transborda para determinado objectivo. “Gosto muito de decidir”. Não gosta de ter muitos papéis cima da mesa. Não é supersticioso, mas acredita que se tem o destino marcado. É apreciador de café, acende um cigarro de vez em quando entre amigos e há pouco tempo tornou-se um grande admirador do tinto do concelho, não fosse o Cartaxo a capital do vinho. “Já me habituei a dar tanta importância à refeição, como dou a um bom vinho”.O fato e gravata, não lhe fazem confusão até porque já estava habituado ao traje “cinzentão” de director do banco. Ao fim de semana consome jornais e as revistas especializadas na área do vinho, actualiza a leitura e aproveita para estar com a família.A noite é a sua melhor conselheira. Era assim antes de ser autarca, quando as responsabilidades no banco já lhe faziam perder o sono. Mas desde que assumiu a função de presidente de câmara a pausa para meditar durante a noite intensificou-se.Dorme cinco a seis horas por dia. Deita-se por volta da uma da manhã para acordar às três e meia. A pausa prolonga-se até às cinco da manhã. Torna a levantar-se por volta das sete e meia. Nos últimos anos começou a habituar-se a acordar a meio da noite e a fazer uma pausa de uma hora em que muita coisa lhe passa pela cabeça. “Por vezes têm acontecido ideias e soluções para alguns problemas durante o tempo em que estou a meditar”.A meditação, assim como a ponderação são suas aliadas. Não hesita em dizer que gosta da vida autárquica, mas foge à questão da recandidatura. “Os autarcas devem estar neste tipo de cargos enquanto sintam motivação e que as suas competências estão na força máxima para o exercício do cargo. Enquanto a força e a motivação continuarem penso continuar na vida política”.Ana Santiago
“Acordo de noite para meditar”

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