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Centros históricos de Portugal

Um “Dia” com dez anos

A morte de Duarte Pacheco, ainda na flor da idade, chocou o país que (com o desaparecimento deste notável governante) perdeu um dos seus mais empreendedores e mais determinados estadistas.Acredito, sinceramente, que a localização do Palácio da Justiça de Santarém teria sido distinta e mais conforme com as exigências de um correcto ordenamento do território urbano, caso não tivesse acontecido aquela tragédia.

O “Dia Nacional dos Centros Históricos Portugueses” foi instituído há dez anos, graças a um convénio celebrado (no Palácio da Ajuda) entre o Governo e a Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico (APMCH), a cujos destinos tive o privilégio de presidir durante oito anos.A data para esta celebração (28 de Março) coincide com o aniversário natalício de uma das personalidades mais emblemáticas da história de oitocentos -Alexandre Herculano.Num estudo publicado em 1843, Duas épocas, dois monumentos ou a Granja Real de Mafra, Herculano anunciava que “os arquitectos não suspeitavam que viria tempo em que os homens soubessem decifrar nas moles das pedras afeiçoadas e acumuladas a vida da sociedade que as ajuntou, e deixavam-se ir ao som das suas inspirações, que eram determinadas pelo viver e crer e sentir da geração que passava”.Clarifica-se, neste pequeno excerto, todo o pensamento do autor relativamente à função da arte e do património cultural. Para o insigne historiador liberal, cada sociedade constrói a sua arte própria e os seus símbolos monumentais: a Batalha e o apogeu do gótico na época de D. João I, Mafra no “século de ouro” de D. João V, as granjas-modelo e os “monumentos da regeneração” oitocentistas, os “centros históricos”, passando de geração em geração, e o porvir das “cidades de amanhã” antecipado nas suas próprias transformações. Na concepção de Herculano, cujo 193º aniversário amanhã se comemora, alicerçava-se esta ideia generosa: os grandes edifícios são livros com mais história do que numerosos estudos científicos. Essa lição da força dos monumentos e dos valores a eles inerentes criou-a Alexandre Herculano nos anos dramáticos do Setembrismo, quando resolveu romper as amarras do mercantilismo burguês, numa das primeiras acções populares em prol do património cultural do nosso país. Era imperioso levantar alto as estratégias que pudessem construir o futuro no respeito pelo passado. Não bastava que os valores patrimoniais fossem seres expectantes. Algo se impunha que os protegesse como reflexos das preocupações da sociedade e como fenómenos ao serviço da educação das novas gerações de artistas, de arquitectos, de urbanistas e de cidadãos em geral. Protegê-los era o paradigma da sociedade da cultura que se avizinhava, a semente que urgia lançar e, logo de seguida, colher e voltar a plantar para, de novo, desabrochar como sinal da formação das novas gerações e da criação de um país cujo nome nunca fosse riscado do “livro dos eternos destinos”.Os centros históricos são, hoje, provavelmente, os documentos mais complexos das sociedades humanas que, um dia, elegeram um lugar para viver e implementar condições económicas, sociais, habitacionais, políticas e culturais, em respeito mútuo. Como documentos vivos, representam autênticas crisálidas do património cultural, da organização do espaço urbano, dos sistemas e dos materiais de construção, dos valores estéticos de referência, da cor e da imagem da vila e da cidade, das relações de vizinhança aí contraídas e dos sistemas de relação e de comunicação. Por estas razões, os centros históricos constituem potenciais fontes de informação das políticas adoptadas (e para as políticas a adoptar), no âmbito das estratégias de reabilitação urbana e dos modelos apropriados ao desenvolvimento. A meta consiste na criação de um tipo de urbe onde a qualidade de vida seja proporcionada num ambiente histórico e cultural que dignifique a ética do passado e mereça inequivocamente a esperança do futuro, para corresponder à filosofia e à valorização patrimonial preconizadas por Alexandre Herculano.O “centro histórico” de Santarém, apesar do vandalismo sofrido no séc. XIX, ainda evidencia uma envolvência urbanística equilibrada, uma riqueza e uma diversidade arquitectónicas verdadeiramente ímpares e uma história artística de reconhecida importância internacional. A vastidão da sua paisagem, repleta de valiosas panorâmicas (com ou sem cheias no Tejo) proporciona-nos, no conjunto das suas relações urbanas e naturais, uma situação invulgar, sem paralelo em outros lugares.A relação entre natureza, paisagem, território e qualidade de vida formaram as “componentes identitárias” do centro urbano de Santarém que, como escreveu, José Hermano Saraiva, “deve ter sido povoado desde que os homens procuraram bons lugares para viver”.Post ScriptumPalácio da JustiçaO Palácio da Justiça de Santarém, projectado pelo Arquitecto Raul Rodrigues de Lima, teve a sua inauguração oficial há, exactamente, 49 anos.Nas respectivas obras de construção trabalharam, durante vários anos, 209 reclusos da prisão de Alcoentre.É curioso assinalar que a localização deste palácio modernista não agradou ao antigo “Ministro das Obras Públicas e Comunicações”, Duarte Pacheco. Com efeito, aquando da sua visita à nossa cidade, em 1943, terá (inclusive) manifestado a sua discordância (no Governo Civil) quanto à localização do imóvel. Lamentavelmente, o conhecido estadista veio a falecer, nesse mesmo ano (com 44 anos de idade), num acidente de viação.A morte de Duarte Pacheco, ainda na flor da idade, chocou o país que (com o desaparecimento deste notável governante) perdeu um dos seus mais empreendedores e mais determinados estadistas.Acredito, sinceramente, que a localização do Palácio da Justiça de Santarém teria sido distinta e mais conforme com as exigências de um correcto ordenamento do território urbano, caso não tivesse acontecido aquela tragédia.ProfessorO Professor Manuel Bernardo das Neves morreu. A consternação sentida remete-me para este pensamento oriental: “As flores partem quando nos dói perdê-las e a erva daninha [da dor e da saudade] chega quando nos dói vê-la crescer”.Manuel Bernardo das Neves leccionou em Tomar, em Santarém e no Cartaxo. Foi um “arquitecto” que se dedicou aos edifícios do carácter e um “agricultor” permanentemente preocupado com as sementeiras da ética. Soube distinguir a profissão de docente e a missão de professor. Provou que não ensina quem quer, mas quem sente!A sua excelsa memória será abençoada, para todo o sempre, com a gratidão das “plantas” que, durante décadas, cultivou no seu “jardim do ensino e da moralidade”. NumismáticaO Externato Braamcamp Freire vai promover, nos próximos meses, um curso livre de Numismática, vinte anos depois de uma idêntica iniciativa ter surgido sob a égide do Instituto Politécnico de Santarém.Estando ligado à respectiva organização, enquanto coordenador do curso, seria desarrazoado sublinhá-lo neste post scriptum, em virtude de ferir as mais elementares regras da imparcialidade.Sucede, porém, que as receitas geradas com estas lições de Numismática destinar-se-ão às obras do Mosteiro das Clarissas, em Santarém. Na verdade, trata-se de um gesto louvável da direcção do Externato Braamcamp Freire e foi este o motivo que me fez aceitar a estimulante tarefa da regência do curso “Santarém e a Numismática em Portugal”.Santarém, 27 de Março de 2003:- aniversário da célebre “procissão das chuvas de Santarém” (27 de Março de 1800), implorando o fim do cataclismo que, nesse ano, devastou (parcialmente) a Álcaçova, incluindo a calçada de Santiago;- subida ao trono de D. Afonso II (em 1211) que, por diversas vezes, fixou a corte em Santarém.

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