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Contra mentes fechadas e horizontes limitados

José Veiga Maltez, natural de Lisboa, ilustre goleganense

É altivo sem ser arrogante. Bairrista sem ser tacanho. Vaidoso sem ser pedante. José Veiga Maltez, médico, presidente da Câmara Municipal da Golegã, elevou a vila a Capital do Cavalo e ressuscitou a auto-estima das gentes. Está a escrever uma auto-biografia, sonha com o dia em que poderá voltar à estrada na sua Yamaha 600 Diversion e ergue-se todos os dias numa guerra sem trégua contra mentes fechadas e horizontes limitados.

Tem quarenta e seis anos de idade e está a escrever uma auto-biografia. “A razão de ser”. Já lá vão cinquenta páginas e muitas mais estão para nascer no fundo branco do ecrã do computador. José Veiga Maltez, médico, presidente da Câmara da Golegã desde Dezembro de 1997, reeleito em 2001, como gosta de dizer, “com a maior maioria autárquica de Portugal Continental”.Aos que lhe chamam vaidoso responde com noções de brio e dignidade que lhe foram inculcadas desde o berço. É de sangue azul mas não é monárquico. Considera-se bairrista mas detesta horizontes limitados. Irrita-se com o complexo de inferioridade nacional e a subserviência dos portugueses em relação a qualquer estrangeiro, “mesmo em relação a um qualquer espanhol de Badajoz”, mas apesar disso aceita a ideia de uma Ibéria unida. Uma personalidade complexa, aparentemente contraditória, fruto da carga cromossómica e de uma educação dicotómica.“Para o nosso pai a vida era coisa séria e era pelo esforço e sacrifício que se obtinham as vitórias.”. O discurso é vivo. Falar dos seus antepassados dá-lhe imenso prazer. A vertente estóica do pai, cardiologista, docente da Faculdade de Medicina e um dos barões da medicina do seu tempo. A sensibilidade da mãe, o seu gosto pela arte, pela música, pela leitura. As raízes familiares que exalta. “Tudo começa com a fixação no Ribatejo, concretamente na Golegã, do beirão albicastrense Rafael José da Cunha, em 1817, meu tio quinto avô, referência da agricultura nacional”.Natural de Lisboa, José Veiga Maltez considera-se um goleganense de gema. Quando era jovem vivia a semana na capital ansiando pelo fim de semana na Golegã. Quando terminou o curso de medicina, concorreu para o centro de saúde de Torres Novas e regressou às origens. Em Novembro, na Feira de S. Martinho, enverga um traje típico de lavrador. Com orgulho. Com altivez. Numa época de globalização considera a preservação dos valores como a única forma de afirmação das comunidades. “Comecei a usar o traje de lavrador quando tinha 3 ou 4 anos. Continuo a usá-lo porque me dá grande prazer”.Com a sua chegada ao poder a Golegã ganhou a designação de “Capital do Cavalo”e as gentes readquiriram o gosto pela terra e pelas coisas da terra. Reencontraram uma auto-estima que andava pouco estimada. Veiga Maltez faz muito mais do que colocar nas ruas sinalética relacionada com a designação adoptada para a vila. Os alunos das escolas têm como componente extra-curricular, aulas de equitação. Era impensável ser de outra forma. Como médico, Veiga Maltez estava em dedicação exclusiva. Agora diz que, para além da dedicação exclusiva, assumiu uma disponibilidade permanente. Não tem dias de atendimento aos munícipes porque está sempre disponível para os atender. O telemóvel só pára quando a bateria chega ao fim. “Trabalho 12 horas por dia”, diz sem qualquer ponta de arrependimento ou cansaço. Está radiante com o que faz. É hiper-activo. Um autêntico tornado quando decide meter mãos à obra. Eléctrico. Electrizante.E a família como reage a tanta dedicação à causa pública? O autarca diz que nunca ouviu muitas queixas. “Eles já estavam habituados porque um médico é mais dos outros do que da família. Mas eu também faço os possíveis e impossíveis para cumprir, minimamente, as minhas obrigações familiares”.José Veiga Maltez tem uma irmã licenciada em direito e um irmão licenciado em engenharia mecânica que é o gestor da casa agrícola da família. Ele seguiu as pisadas do pai empurrado pela matemática. “Quando cheguei ao antigo 5º ano saiu a reforma Veiga Simão. Eu hesitava entre medicina e arquitectura. Quem queria entrar para arquitectura tinha matemática. Quem queria seguir medicina podia optar entre matemática e português. Como eu detestava matemática pensei: não é tarde nem é cedo. Vou para medicina”.O destino acabou por pregar-lhe uma partida. Assim que entrou para a faculdade descobriu que tinha uma cadeira de matemática para fazer no primeiro ano. Foi a primeira alergia que teve que curar ainda antes de ser médico. O remédio foram horas e horas de explicações.E o nome Veiga Maltez vai continuar nos registos da Ordem dos Médicos, venha de lá a matemática que vier. O filho do médico, José Maria, agora com 18 anos, quer entrar para medicina. Quanto à filha Carlota, com 14 anos, logo se verá. Mas há tradições familiares que vão cair. O presidente da Câmara da Golegã teve que esperar pelos seus primeiros ordenados para comprar o carro que gostaria de ter tido aos 18 anos, um MGB, porque o pai achava que só devia ter carro quem tivesse dinheiro para o manter. O jovem José Maria vai ter carro próprio assim que se mudar da secundária para a universidade. “Os tempos são outros e eu prefiro que ele conduza o seu carro do que seja conduzido. Porque nele eu tenho confiança.”.Antes de ser presidente da câmara, Veiga Maltez arranjava tempo para os seus hobbies. Tratava dos seus quatro carros antigos, viajava, acelerava na sua Yamaha 600 Diversion, pelas estradas de Portugal e Espanha, com a esposa, Madalena Saldanha, como pendura. Agora, pendurou as botas, como se diz na gíria futebolística. Nem viagens, nem mota, nem carros antigos. “Desde que fui eleito fui uma vez a Itália, integrado numa comitiva da Associação de Municípios, para vermos uma região muito parecida com o Vale do Tejo. Quanto aos carros, não posso fazer como antes que levava um ou outro para o centro de saúde, de vez em quando”. O MG – B, o Mercedes 250 SE, o Citroen Boca de Sapo, vão ter que esperar.Católico meio-praticante, José Veiga Maltez gostava que a Igreja fosse mais ortodoxa. Que exigisse mais dos fiéis. Dele próprio também, presume-se. “É muito cómodo ser católico. A Igreja diz que não se pode fazer mas é da qualidade dos seres humanos inventar desculpas e justificações para não cumprir e ficar de bem com Deus. E faz-se. Eu penso que deveria haver regras mais rígidas. E menos desculpas”.A ideia da morte não o incomoda, mas confessa que não lida muito bem com a dor e o sofrimento próprios. “Tento racionalizar e manter a calma. Não vou logo a correr tomar medicamentos porque nós os médicos temos a ideia que os medicamentos são só para os outros, mas confesso que fico perturbado”. Quanto ao sofrimento dos outros, deixa cair a máscara de protecção que os médicos usam para confidenciar. “Nós também somos humanos. Afivelamos uma expressão de uma certa frieza para conseguirmos fazer o nosso trabalho mas não somos imunes”.Um homem que ocupa um cargo público tem muitas vezes a tentação de trabalhar para a posteridade e o presidente da Câmara da Golegã não foge à regra. Mas assume essa ambição com os pés bem assentes na terra. “Já me dava por feliz se me fizessem justiça, mas é muito pouco provável, num país como o nosso”. Após uma pausa, acrescenta: “Gostava que os meus descendentes se orgulhassem deste seu ascendente”.Um orgulho como o que ele sente pelos seus antepassados, que nunca irá deixar de exaltar. O tio avô, Rafael, que pediu licença ao rei D. Pedro V para recusar um título que este lhe queria dar “argumentando que não o trocaria pelo que já tinha de “Príncipe dos Lavradores de Portugal e virtuoso amigo dos pobres”. O bisavô Manuel Tavares Veiga que fez dos cavalos lusitanos Veiga “os mais procurados e mais cotados”. O quatrisavô António José Tavares, que foi presidente da Câmara da Covilhã. O tio Carlos Veiga, irmão da mãe, que ocupava o cargo que ele agora ocupa aquando da revolução de 25 de Abril. Alberto Bastos

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