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Partir pedra

Ilda Maria do Carmo trabalha há 12 anos como cabouqueira

Ilda do Carmo, caboqueira numa pedreira da Serra de Aire e Candeeiros, transforma diariamente um amontoado de pedras disformes em cubos geometricamente perfeitos. A mestria e rapidez com que executa o trabalho não deixam adivinhar a dureza da tarefa. Só as mãos denunciam as marcas que o duro trabalho de partir pedra vai deixando ao longo dos anos. E já lá vão doze, desde que decidiu constituir uma pequena empresa de exploração de inertes. Nunca frequentou qualquer curso de formação profissional. Foi a experiência de muitas horas de trabalho e milhares de metros cúbicos de matéria prima fragmentada que a ensinaram a desenhar com as mãos as pedras da calçada.

É manhã de segunda-feira na Serra de Aire e Candeeiros. Para Ilda Maria do Carmo, 36 anos, é o começo de mais uma semana de trabalho a partir pedra na pequena exploração familiar no Cabeço da Ladeira, na localidade de Barreirinhas, Alcanede, concelho de Santarém. O nevoeiro ainda é serrado lá em cima, onde se concentra a maior parte das explorações de pedra que povoam a serra. Ilda do Carmo senta-se sobre duas almofadas, frente a um amontoado de pedras disformes e prepara-se para as transformar em pedras da calçada. Pedras que vão preencher os passeios de muitas ruas e jardins.Para encher a caixa de metal para onde vai atirando a matéria prima, já aos cubos, Ilda do Carmo arrasta com o martelo um calhau para trabalhar. Depois desfere três ou quatro golpes estratégicos, que só a experiência ensina, e quebra a pedra no sítio certo.A pedra que de início tinha uma forma irreconhecível multiplica-se e ganha contornos geométricos. Nascem as pedras da calçada, que ficam prontas para passar às mãos de um calceteiro.A mestria e rapidez com que a cabouqueira executa o trabalho não deixam adivinhar a dureza da tarefa. Quase parece fácil. Só as mãos da cabouqueira denunciam as marcas que o duro trabalho de partir pedra vai deixando ao longo dos anos.Ilda do Carmo já foi operada à mão direita e em breve terá que ser submetida a uma intervenção cirúrgica na mão esquerda. O peso da pedra e o impacto do martelo fizeram-na perder parte da sensibilidade em alguns dedos. “Comecei a reparar que alguma coisa não estava bem quando agarrava numa colher e a deixava cair”, explica. Os problemas na coluna também são frequentes. Mas as mazelas são ossos de um ofício duro.O frio que faz enregelar as mãos no Inverno dificulta o trabalho nos dias mais frios, mas o calor também não facilita muito a actividade nas pedreiras. As temperaturas atingem valores muito elevados no cimo da serra. Mesmo assim prefere o tempo mais quente. “O frio começa a atacar-me os ossos. Se tivesse o tempo bom não tinha dor nenhuma”, garante.Ilda do Carmo é a proprietária de uma pequena exploração, com o seu nome, que conta com quatro funcionários. Começou ainda jovem a ajudar o pai na pedreira. Depois de completar o quarto ano fez as campanhas agrícolas sazonais e trabalhou como empregada doméstica. Até que há 12 anos decidiu estabelecer-se na indústria com a ajuda do marido.Na altura em que começou o trabalho era ainda mais duro. Ilda tinha que trabalhar dobrada sobre a pedra, empunhando um martelo de dois quilos. Foi assim que partiu milhares de metros cúbicos de pedra. Quando a pedra ainda era transportada à mão ou à forquilha para as carrinhas. Agora já são utilizadas máquinas para carregar a matéria prima. O martelo pesa agora pouco mais que meio quilo e a posição é mais confortável.Todos os dias Ilda parte cerca de dois metros cúbicos de pedra vidraça. O calcário, que aparece de vez em quando, é mais difícil de fragmentar. O dia de trabalho na pedreira começa logo pelas 8h00 e prolonga-se até às 17h00. A hora do almoço é passada no Cortiçal, Abrã, Santarém, o local onde reside e que fica a 10 minutos do trabalho.Um cabouqueiro chega a ganhar 500 euros. Ilda do Carmo considera que a profissão chega para sobreviver, mas é fruto de um trabalho muito duro.A cabouqueira nunca frequentou qualquer curso de formação profissional. Aprendeu com a experiência e muitas horas a treinar a técnicas da fragmentação da pedra. “Aprender é muito difícil. As pedras começam por sair redondas. Há muita gente que não consegue”, atesta.Ilda do Carmo já tem uma seguidora para a profissão. A filha de 18 anos não vai seguir os estudos e quer começar a trabalhar na pedreira a partir das férias. Apesar de tudo Ilda do Carmo gosta daquilo que faz. Na terra também não há outra actividade onde se pudesse empregar e para muitas pessoas é o único meio de sobrevivência. “Este é um trabalho como outro qualquer. Aqui ao menos apanha-se ar puro. E temos sempre apetite”, assegura.Ana Santiago

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