Com os “Quinta do Bill” sempre a abrir
O MIRANTE na estrada com a música portuguesa
Quem diz que a música portuguesa não tem adeptos não sabe do que está a falar. Apesar do bloqueio das rádios e das televisões, os artistas nacionais enchem espectáculos e animam a malta. O MIRANTE foi ver os Quinta do Bill ao vivo e assistiu a uma grande festa colectiva. Alegria e entusiasmo foi coisa que não faltou. Vinte e quatro músicas. Uma hora e meia de entusiasmo. Sempre a abrir.
Uma toalha voa do palco em direcção ao público atirada por Carlos Moisés, vocalista dos Quinta do Bill. É sábado. Já passa da uma e meia da manhã. No largo da igreja de Santa Eufémia, Leiria, os fãs do grupo de Tomar pulam e acotovelam-se para conseguirem ficar com uma recordação do artista, que abandona o palco entre gritos, palmas e pedidos de “mais uma... mais uma!”.Durante uma hora e meia foi sempre a abrir. Vinte e quatro canções sem respirar. No fim de muitos pulos, de corridas de um lado ao outro do palco, Moisés acaba o espectáculo em grande estilo. Canta os “Trilhos do Sol” e na frente do palco dois lança-chamas projectavam no ar labaredas amarelas. O público delira.Os efeitos especiais são uma constante ao longo do concerto. Logo na primeira canção, mal o grupo põe os pés no estrado, rebentam foguetes no palco que iluminam as caras dos músicos. O fumo cria um ambiente irreal. A bateria marca o ritmo. Ouvem-se os primeiros acordes e a função abre com “Um dia em que nada se faz”. O alinhamento do concerto está colado junto a cada instrumento e no chão, ao pé dos microfones. Num papel tamanho A4 os nomes das músicas são garrafais e seguem por ordem. “Assim não Queres”, “Gualdim Pais”, “Mil e Uma Lendas”, “Voa Voa”, “Parar o Tempo” e por aí fora passando por outros sucessos do grupo como “Se te Amo”, “Senhora Maria do Olival” e o “Menino”. O grande êxito que projectou os Quinta do Bill para as luzes da ribalta, “Os Filhos da Nação”, está guardado para penúltimo lugar. No largo não há espaço livre. São novos e velhos. Casais que acompanham os filhos. Junto às grades de ferro que protegem o palco, arruma-se a malta mais nova. Rapazes e raparigas que balançam os braços numa dança coordenada. A simbiose entre artistas e público é perfeita. Moisés salta energicamente. Por vezes puxa pelas pessoas: “Vocês não fazem barulho nenhum”. Elas respondem com gritos e assobios. Paulo Bizarro saltita enquanto desfere golpes nas cordas do baixo. Carlos Calado, nome artístico “Cató”, é que não está nas suas noites. Habituado a vibrar com a música no canto esquerdo do palco, está quieto demais. Há um mês que Cató anda apoiado numa muleta (que ficou no camarim) por causa de uma entorse. “Foi num ensaio. Estava a fazer umas danças e coloquei mal o pé. Ainda tenho aqui trabalho para mais algum tempo. É muito chato porque não gosto de estar quieto nos espectáculos”, confessa antes de entrar em cena. Apesar do comportamento irreverente em cima do palco, os Quinta do Bill não têm manias de "primas donas". Os seis elementos que constituem o grupo são calmos. Nas horas que antecedem os espectáculos passeiam pela localidade. Moisés compra pipocas para enganar a fome. Não têm posturas extravagantes e passam quase despercebidos.Não são exigentes com a comida. Em Leiria jantaram no salão da igreja, sentados em bancos de madeira. “Costumamos pedir para jantar em restaurantes, mas compreendemos que nestas aldeias as comissões de festas fazem um grande esforço para contratar os artistas. Não nos importamos de comer com a organização”, argumenta Carlos Moisés no fim de saborear três pedaços de entrecosto grelhado. A comida não é requintada e a cerveja está mole. Mas não se ouvem queixas. Durante o jantar conversa-se de pesca submarina, da ilha dos Açores, onde o grupo já actuou, e de preferências musicais. Moisés diz que gostava de ver o concerto de Peter Gabriel. Por seu turno Bizarro confessa-se fã dos U2. Na sua loja de roupas em Tomar tem o carro que fez parte do cenário do grupo irlandês na sua actuação em Portugal. Bebedeiras em cima do palco também não pegam no grupo de Tomar. “É uma hora e meia muito intensa. Se não estivermos sóbrios e com energia não aguentamos. Aquela mística de que o pessoal vai bêbedo é errada”, explica Cató, interrompido por Miguel Urbano: “Antes dos concertos não costumo fazer noitadas nem ando nos copos, porque depois o corpo ressente-se e o público merece que estejamos em forma”, reforçou o teclista que está no grupo há seis anos. O grande momento do espectáculo aconteceu já depois da uma da manhã. Depois da vigésima música, “Menino”, Moisés despede-se do público. Está tudo preparado. Se o público quiser há quatro músicas preparadas para os encores. O grupo sai e os espectadores não arredam pé. Pedem mais, aplaudem. Espontaneamente começam a cantar “Os Filhos na Nação”. É o sinal. A banda regressa e há uma explosão de alegria. Depois daquela demonstração de carinho, ninguém tem dúvidas: Ainda vale a pena cantar em português.António PalmeiroOs que trabalham na sombraQuando os músicos dos Quinta do Bill chegam ao local das festas de Santa Eufémia, Leiria, no sábado à tarde, os técnicos acabam de fazer os últimos testes de som. São seis da tarde e está tudo pronto para fazer os ensaios antes do espectáculo, marcado para a meia-noite. Para que tudo corra bem há um longo e atarefado trabalho de bastidores, que normalmente passa despercebido aos olhos do público. Pedro Carvalho sente o peso da responsabilidade na montagem de um espectáculo. É ele que orienta a colocação dos instrumentos no palco, que faz as ligações e que procede às primeiras afinações do som. Os conhecimentos de música e uma experiência de 15 anos na montagem de estruturas de palco dão-lhe alguma à-vontade no trabalho. Nada é feito por acaso, conta o assistente, que toca também na banda My Tie. No canto direito do palco estão os instrumentos que cada músico toca e um papel que indica quando devem ser substituídos, uma vez que cada elemento da banda toca mais que um instrumento. A troca é feita rapidamente. No mesmo sítio há uma autêntica farmácia da música. Uma caixa cheia de peças sobressalentes, fios, ferros de soldar e cordas de guitarra, para o caso de alguma se partir. O trabalho começa nove horas antes do espectáculo. O pessoal encarregue pela montagem dos instrumentos chega por volta da hora do almoço. No espectáculo de sábado os músicos começaram a testar os equipamentos às seis da tarde. Estava tudo em ordem e apenas foi necessária meia hora para alguns retoques de última hora. “Hoje até foi rápido. Às vezes demoram duas horas a fazer as afinações”, explica Pedro Carvalho, de Tomar. Para além de Pedro Carvalho, outro jovem do Entroncamento ajuda na preparação do espectáculo. Luís Almeida monta seis parabólicas no fundo do palco, nas quais são projectadas imagens e luzes. A experiência de cinco anos a trabalhar com o grupo dá-lhe traquejo suficiente para despachar tudo em hora e meia. As luzes, as colunas de som e as mesas de mistura são montadas por uma empresa contratada para o efeito, a Auditório, de Tomar, que habitualmente trabalha para os Quinta do Bill. Os instrumentos são transportados pela equipa técnica numa carrinha conduzida por Luís Almeida. “Normalmente somos nós que vamos buscar os equipamentos à sala de ensaios e que os trazemos para os espectáculos. Somos também nós que fazemos a sua manutenção. Quando estamos em tournée essa manutenção é feita na estrada entre os espectáculos”, conta. O agente do grupo, Paulo Marques, trata das burocracias. É ele que distribui o alinhamento do espectáculo, que acompanha as montagens do cenário e que trata do jantar, apontando numa folha os pratos escolhidos por cada elemento. Ao mesmo tempo faz de segurança durante o espectáculo, vigiando os camarins. No final do concerto é hora de desmontar tudo, enquanto os músicos recuperam forças nos camarins, comendo algumas peças de fruta. O trabalho demora cerca de meia hora, no máximo uma hora. O tempo que é usado pelos elementos do grupo para conversar com alguns fãs e distribuir autógrafos, junto aos camarins.João Portela, autor das letras do grupoHá um ano que João Portela não via um concerto dos Quinta do Bill. O autor das letras das canções do grupo aproveitou o fim-de-semana prolongado para se encontrar com os elementos da banda, que conhece desde a infância. Portela é de Tomar, acompanhou a formação do grupo e até agora garante que tem havido sempre uma boa relação entre todos. um factor que é aliás a chave do sucesso dos Quinta do Bill. João Portela apenas escreve para o grupo. Começou por acaso. Na altura escrevia para o jornal A Capital sobre música. Experimentou e as coisas resultaram. “Continuo a escrever, como passatempo, apenas para os Quinta do Bill porque existe uma boa relação e porque vou conseguindo captar o sentimento do grupo”, salienta. Sobre os temas cantados, diz que “se tenta falar de coisas sérias em ambiente de festa”. Normalmente é o vocalista do grupo, Moisés, que desenvolve uma série de músicas juntamente com os restantes elementos. Depois convida João Portela a escrever as letras. “Normalmente discutimos ideias e temas e as coisas acabam por resultar”, concluiu.
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