Guardador de rebanhos
António Granata cuida de ovelhas desde os cinco anos
António da Conceição Granata tem a pele da face curtida por muitos anos de vida ao ar livre. Desde os cinco anos de idade que o seu trabalho é o mesmo – pastorear ovelhas no concelho de Torres Novas, primeiro nas Lapas, depois nos Riachos. Já teve anos a fio sem nunca ter saboreado umas férias ou mesmo um dia de folga. Dormia na carreta, uma espécie de carrinho de atrelado, junto às ovelhas, para que nenhuma escapasse. Em mais de 70 anos de profissão só uma ovelha lhe foi roubada. Foi numa noite em que decidiu tirar a desforra e ir a um bailarico.
Nasceu em Alcorochel, criado junto ao rio, já lá vão 76 anos. Terceiro filho varão de um pastor foi o único que seguiu aos peugadas do pai. António da Conceição Granata nunca foi à escola, a sua escola era levantar-se de madrugada para acompanhar o pai na pastorícia. “Estudei a guardar ovelhas”, diz, adiantando que sempre o fez por gosto. Chegou a acompanhar rebanhos com mais de meio milhar de ovelhas, hoje leva para o campo apenas uma dúzia do genro “e uma minha”.Era uma vida difícil mas o pai pastor tentava sempre poupar António. “No Verão fazíamos serão mas o meu pai mandava-me deitar e descansar debaixo de uma oliveira. Às vezes ficava ele com frio e dava-me o casaquito para eu me embrulhar”. Foi assim até aos 14 anos, altura em que António Granata saiu debaixo da “alçada” do pai e começou sozinho por conta de outros patrões.“Isto da pastorícia não tem horários, não é das 9h às cinco da tarde, às horas que forem precisas é que temos de alinhar”, diz o pastor. Na última casa que teve, já lá vão quatro anos – “foi antes de me ter dado uma trombose que me levou muito abaixo” – António Granata trabalhou sete anos seguidos sem nunca faltar um dia. “Nunca tive férias ou dias de folga”, diz, adiantando que era bom para o patrão e para ele, que ganhava mais umas massas.“Foi num monte ali na zona das Lapas. Durante mais de sete anos tive sempre ao serviço, de dia e de noite”, afirma. Nessa altura o pastor via apenas a sua família, que morava à entrada da vila de Riachos, à hora de almoço – “vinha todos os dias ao almoço, levava o jantar para a noite e uma bucha para a manhã do outro dia”.Foi naquele monte que roubaram a primeira e única ovelha a António Granada. “Sei quem foi, não porque vi mas porque o rodado do carro era o mesmo”, diz, contando a história de um ex-trabalhador do mesmo monte que dias antes do roubo o visitou durante a noite “a perguntar se não tinha uma cadela para lhe dar”.António Granata dormia na altura numa carreta – uma carrinho tapado por cima e fechado a cadeado – estacionada ao pé do gado. “Todas as noites durante sete anos ali fiquei a dormir”. Todas menos uma, aquela em que o larápio aproveitou para lhe roubar a ovelha e um filhote que tinha tido há pouco tempo.“Eu sou muito dançarino, sempre fui de bailaricos”, diz o pastor, adiantando que dias antes lhe tinha chegado aos ouvidos que nessa noite iria haver um baile nos Riachos. “Disse cá para mim que havia de ir ao bailarico e pensei – mal seja que aconteça alguma coisa”.António foi ter com a mulher aos Riachos, vestiu-se a preceito e rumou ao salão de festas. Durante o baile encontrou o tal ex-trabalhador e teve à conversa com ele um bocado mas depois deixou de o ver. “Estava longe de imaginar que tivesse saído para me roubar a ovelha”, diz desconsolado.Na hora de fazer queixa ao patrão, o pastor ainda pensou dizer que a ovelha tinha sido roubada à hora de almoço, quando vinha a Riachos. Mas depois decidiu que contava a verdade. E se ele lhe perguntasse porque é que não estava lá nessa noite já levava a resposta na língua – “Há alguma lei que obrigue um homem estar todos os dias, de dia e de noite, ao serviço?”.Faz quatro anos a 29 de Maio que António Granata apanhou um grande susto – teve uma trombose que o deixou bastante debilitado. “ainda hoje sinto que não estou bem”. Por isso a pastorícia agora é apenas um entretém, guardando meia dúzia de ovelhas do genro “e uma minha também”.Não lhes pôs nenhum nome especial. “Bem eu dizendo toma, vêm todas”, diz, enquanto põe a mão ao bolso e a tira com o segredo – “trago sempre uma mão cheia de milho para lhes dar, que não posso correr atrás delas”.Agora a vida de António Granata é bem mais descansada, dorme numa cama a sério, toma todas as refeições em casa e ainda se dá ao luxo de ver televisão. “Há muita gente que vê um pastor sentado ou deitado junto às ovelhas e diz logo que é uma rica vida. O que se esquecem é que ele tem de se levantar às quatro da manhã para as ordenhar, tem de limpar o curral e arranjar palha para as manjedouras. Antes de se sair para o campo já há muito trabalho feito”, diz António Granata, enquanto se vai apoiando no seu velho cajado.E aprendeu também a arte das tosquia, embora nunca tenha tosquiado as ovelhas dos patrões. “tosquiava por aí, de porta em porta”, diz, acrescentando que houve uma altura que em apenas quatro meses chegou a tosquiar mais de 500 ovelhas. “À tesoura, que a máquina de tosquiar só apareceu depois”.A pelica alentejana – que há muitos anos lhe custou sete contos – e o barrete são ferramentas fundamentais para a profissão de pastor. “Não há dinheiro que pague isto”, diz, adiantando que quando chega a hora de dormir, o barrete é uma verdadeira almofada e a pelica um autêntico colchão. “Puxa-se para debaixo do rabo e não há humidade que ali entre”.Margarida Cabeleira
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