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O professor “eleito” pelos alunos

O professor “eleito” pelos alunos

Fernando Moleirinho, presidente da Câmara do Sardoal, autarca discreto

Fernando Moleirinho é um autarca discreto. Aprecia uma boa conversa, mas dispensa o protagonismo. Se pudesse teria ao seu lado um presidente só para os discursos e cerimónias. Foi um professor dedicado durante 30 anos. Há três mandatos transferiu essa paixão para a política. Nunca quis ser autarca, mas gostou do desafio. O cargo de presidente da Câmara do Sardoal tirou-lhe tempo para as viagens de roulotte pela Europa, que costumava fazer, mas deu-lhe a oportunidade de correr mundo com os estudantes do concelho. Os mesmos alunos que em 1993 fizeram “campanha” junto das suas famílias para que o seu professor fosse eleito.

Foi no Sardoal, um dos concelhos mais no interior do distrito de Santarém, que nasceu e cresceu Fernando Moleirinho. Actualmente com 59 anos de idade, só deixou a terra natal para frequentar o curso do magistério primário, em Castelo Branco, em 1964.A ideia inicial era que o futuro presidente da Câmara do Sardoal concluísse o sexto ano para ingressar na CP, mas o autarca e o irmão revelaram-se estudantes interessados e o pai fez questão de os mandar estudar. Depois de concluir o curso foi dar aulas para Lisboa durante oito meses. Trabalhar na grande cidade poderia ter sido uma experiência aliciante, mas o jovem professor não se deixou apaixonar pela capital. “Sempre me interessei muito pelos problemas e associações da terra. Talvez por isso tenha feito essa opção de vida. Lisboa tinha pouco a ver comigo”.Durante os meses em que esteve na capital matriculou-se em direito. Mas a entrada na faculdade de Lisboa coincidiu com o período pós 25 de Abril. Acabou por não concluir o curso. “Cheguei a ir a Lisboa várias vezes. Chegava lá havia assembleias gerais de alunos e não havia outra coisa que não isso”. A distância e a auto-estrada, que na altura só existia “aos bocados”, fizeram-no desistir.Regressou ao Sardoal depois de cumprir o serviço militar como voluntário da Força Aérea na Base Aérea de Tancos. Tirou o curso de controlador aéreo. Não sabe explicar porque não seguiu a carreira militar. “Hoje questiono-me sobre as razões por que não gostava da tropa? Só me lembro das coisas boas...”.Em Tancos conheceu D. Duarte, na altura piloto de helicópteros. “Era uma pessoa com muito nível e com uma educação acima da média”. Depois disso o duque de Bragança já visitou o concelho do Sardoal a convite do autarca. Foi controlador aéreo durante quatro anos e gostou. Mas adorou ser professor. “Por vocação e devoção”. Exerceu a profissão durante 30 anos.Quando regressou ao concelho que hoje lidera começou por ocupar a vaga de professor em Santa Clara, Alcaravela. Depois disso não voltou a sair da terra.Casou em 1970. A fábrica do sogro, que deixou de laborar, foi transformada na sua residência, no centro da vila, de onde é natural o seu pai, sapateiro, que tal como a sua mãe, oriunda da Beira Baixa, tem hoje 88 anos. A profissão e o associativismo começaram desde cedo a absorvê-lo. Foi vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia do Sardoal, dirigente da Casa do Povo, integrou o grupo dinamizador para a cultura e desporto no Sardoal e foi presidente do grupo desportivo “Os Lagartos”.Mais tarde frequentou o Curso de Estudos Superiores Especializados de Arte na Escola Superior de Tecnologia de Tomar. Foi delegado escolar e coordenador em Mação.Em 1993 resolveu candidatar-se à presidência da câmara municipal e ganhou. Actualmente cumpre o terceiro mandato autárquico. A “campanha” feita pelo alunos foi decisiva para que conseguisse destronar uma câmara socialista há 17 anos. Assim que a caravana passava na rua diziam aos pais: “Vais votar no meu professor!”.Fernando Moleirinho nunca quis ser presidente de câmara. Resistiu alguns anos até que não pôde mais dizer que não. Em 1989 ocupou o lugar de vereador da oposição pelo PSD. Nas eleições de 1993 o partido apresentou um candidato, que não foi bem aceite e Fernando Moleirinho foi levado a encabeçar a lista. Foi uma decisão difícil. “A pessoa que mais se opôs a que fosse candidato foi o meu pai. Hoje é uma pessoa que me apoia imenso”. Ainda não decidiu se irá ficar-se pelo terceiro mandato na autarquia. VOLTA AO MUNDO EM ROULOTTE O presidente adora viajar, mas o cargo tirou-lhe tempo para as longas jornadas de automóvel pela Europa. Uma das viagens começou no Sardoal e acabou em Dubrovnik, Croácia. Andou por lá 30 dias.Saía todos os anos com a esposa. Primeiro de automóvel e depois numa caravana, onde transportava os três sobrinhos que os acompanhavam quase sempre.Em 1994, ano que coincidiu com a exposição do quinto centenário do Tratado de Tortesilhas, decidiu levar os alunos à mostra. “Foi das coisas mais maravilhosas a que assisti”, confessa.O autocarro levou o presidente e 30 alunos que adoraram a exposição. Foi a primeira de muitas viagens que organizou com os alunos do ensino secundário desde que está na câmara. Este ano irá levá-los ao Parlamento Europeu. “Se os alunos perceberem que é fácil viajar começam a ter gosto por viajar. É fácil! É só pegar no carro com uma tenda de campismo. Não é preciso muito dinheiro, mas disposição”, explica com entusiasmo. Cá dentro prefere o Norte ao Algarve. Normalmente escolhe uma cidade entre Braga e Bragança onde descansa oito dias. Nas poucas horas livres aproveita para ouvir uma boa música – Madredeus ou Dulce Pontes, que Fernando Moleirinho considera senhora de uma voz maravilhosa. A melhor depois de Amália. “É pena que cante e edite pouco”, lamenta.Os jornais ocupam quase a totalidade do seu tempo de leitura. Quando tem disponibilidade para folhear uma obra escolhe normalmente os autores portugueses. Não perde os bons debates políticos da televisão e normalmente é um telespectador atento. Admira os comentadores Marcelo Rebelo de Sousa e Nuno Rogeiro.Sempre gostou de política, mas nunca pensou ser político. A oficina do seu pai era o centro cultural da altura. “Estudantes, médicos e professores passavam pela oficina do Tio António Moleirinho. O meu pai era uma pessoa que lia muito e que tinha paciência e à vontade para discutir qualquer assunto. Falava-se de tudo naquela casa e talvez tenha herdado isso”, conta. Preza muito os momentos de solidão e é amigo do seu amigo. Defende as suas convicções, mas sempre com flexibilidade até porque acredita que a razão não é absoluta.À cabeceira da cama tem a Bíblia, que folheia porque acha que é importante meditar em algumas coisas. É religioso praticante e vai à missa sempre que pode.Já foi um grande fumador. Ganhou o vício quando se tornou professor. Um aluno de Lisboa, cujo pai era embarcadiço, levava-lhe cigarros americanos e ajudou-o a alimentar o vício. Quando ia à caça e não levava cigarros não ficava bem. “Chegava a não caçar e ia à procura de um caçador que tivesse cigarros”, confidencia.É bom conversador, mas não gosta da exposição pública. Dispensa os discursos e procura fugir do protagonismo. “Se eu pudesse ter à minha beira um presidente para fazer os discursos, participar nas cerimónias e para receber as pessoas seria o ideal. O outro presidente para trabalhar seria eu”.Ana Santiago
O professor “eleito” pelos alunos

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