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Ambrósio Santos é proprietário, director e guarda do museu

O museu do senhor Ambrósio

Uma réplica da festa dos tabuleiros às portas de Tomar

Os escuteiros vão à frente. Logo atrás um primeiro grupo de músicos onde não faltam os tambores e a gaita de foles. É o Cortejo das Coroas e dos Pendões da Festa dos Tabuleiros. As moças vão de vestido rendado branco, traçado a faixa vermelha. Os rapazes, de calça escura, camisa branca e gravata vermelha, caminham a seu lado. A banda filarmónica fecha o cortejo. Não, a famosa Festa dos Tabuleiros, ex-libris da cidade de Tomar, ainda não aconteceu. Mas se quiser ter uma antevisão do acontecimento, basta visitar o denominado Museu Etnológico do Caniçal, do senhor Ambrósio Santos. É ali que se encontra, entre outros objectos, uma réplica em miniatura da grande festa.

Às portas da cidade de Tomar, na localidade do Caniçal, nasceu há três anos um pequeno museu etnológico privado, onde convivem lado a lado inúmeros objectos agrícolas e a festa rainha da cidade, a Festa dos Tabuleiros. Uma réplica do cortejo que irá mostrar-se a milhares de pessoas no próximo dia 6 de Junho espalha-se pela longa mesa, que ocupa todo o centro do espaço. Do lado esquerdo da entrada, repousa outro cortejo, desta vez dedicado ao mordomo da festa.As paredes estão forradas com mil e um apetrechos agrícolas. Há faias, cangas, selas e cabrestos. Na tampa de um tonel a inscrição “12,3 graus, 9,8 de acidez”. Em terras ribatejanas, era imperdoável não haver uma alusão ao néctar dos Deuses. Cá fora, sob a calçada, outros artefactos mostram-se aos visitantes – cerca de mil por ano pelas contas do proprietário – como uma carroça, um arado ou uma mó de um lagar de azeite.Foi o destino que quis que Ambrósio Santos construísse na sua propriedade um museu etnológico. Naquele terreno, junto à estrada, era para estar agora edificada uma vivenda mas quando o proprietário pensou em construí-la teve um grande acidente viário. Depois desse percalço teve receio de pedir empréstimo ao banco – “não sabia se ficava bom para trabalhar”. O terreno acabou por ficar abandonado e a planta da casa na gaveta. Anos mais tarde, ainda Ambrósio Santos não pensava no museu, a EDP pretendeu colocar um poste de alta tensão no seu terreno e nessa altura uma advogada amiga disse-lhe que a única solução para fazer frente à colocação do dito era cobrir o espaço, ou com uma casa, ou simplesmente pondo calçada. Sem dinheiro, Ambrósio foi pelo caminho menos dispendioso e mandou colocar a pedra tradicional portuguesa.Começou as obras ao contrário, primeiro pôs a calçada, depois levantou o muro que serve de parede do museu e só mais tarde edificou as restantes paredes e fechou a casa, de interior amplo. Quando foi reformado por invalidez – devido aos 40 parafusos que lhe seguram uma das pernas – o senhor Santos pensou dar utilidade à construção.“Pensei em fazer uma casa de comes e bebes, tipo adega, mas quando comecei a decorar as paredes a ideia do museu surgiu”. Vinte anos depois da primeira contrariedade que lhe apareceu na vida. “Eu acredito no destino”, diz à laia de justificação. Talvez por isso, não se esqueceu de colocar em frente do portão da entrada, um painel de azulejo com um verso de agradecimento – “Seja louvado o Senhor/que tanto me sacrificou/deixou-me só o terreno/o resto o destino mostrou”.“Pena é que a Câmara de Tomar não me ajude a divulgar o museu e levar este projecto mais longe”, queixa-se o proprietário do espaço, adiantando que as coisas que ali tem não se encontram em qualquer lado.Só no ano de arranque do museu é que a autarquia contribuiu, mandando fazer um pequeno folheto informativo (com tradução em francês, inglês, italiano e alemão) e colocando-o no posto de turismo. “E isso só depois de alguém da autarquia me pedir primeiro para oferecer o espólio à câmara e mais tarde para levar isto para a cidade, onde seria mais visto, mas eu recusei ambas as coisas. Foi aqui que construi tudo o que tenho e daqui não saio”.Ambrósio Santos fez praticamente tudo sozinho, apenas teve a ajuda de alguns familiares, como uma tia, responsável pela confecção de toda a roupa em miniatura que veste os bonecos dos cortejos. A mulher e a filha dão uma ajuda quando é preciso, “mas não ligam nada a isto”, queixa-se com um sorriso.“Chamam-me velho antiquado mas eu não me importo, este é o meu sonho”, diz quem só há pouco tempo passou a barreira dos 50 anos. Todos os dias tem coisas para fazer, dentro ou fora do museu. O próximo projecto é construir um pequeno bar no local onde antes, nos tempos livres, consertava as motos “vespas” de vizinhos e conhecidos.“Aparecem aí turistas que acabam por ficar aqui fora sentados uma tarde inteira, à sombra, e se tivesse um bar de apoio sempre dava para fazer mais algum dinheiro”, diz, adiantando que é a sua parca reforma de 325 euros (65 contos) que anda sempre à frente. “É preciso fazer uma grande ginástica todos os meses”. Mas são acrobacias feitas sempre com gosto...Margarida CabeleiraSem critériosO denominado Museu Etnológico do Caniçal não cumpre minimamente os critérios recomendados a nível nacional e internacional para o reconhecimento de um museu. Não tem um conservador ou um técnico superior, um serviço educativo, orçamento próprio, programas orientados para os visitantes ou recursos informáticos.Apesar de Ambrósio Santos participar em inúmeros encontros e eventos sobre museus, e do seu museu ser reconhecido pelo Instituto Português dos Museus e pela grande maioria dos responsáveis dos museus nacionais, não há qualquer participação do Museu Etnológico do Caniçal no sistema internacional de circulação de peças. Quanto à segurança do espaço a nossa reportagem não detectou qualquer sistema anti-fogo e o único alarme existente foi feito de forma artesanal, pelo próprio proprietário. “Tem um segredo que só eu sei como funciona”, confidenciou-nos o proprietário.
Ambrósio Santos é proprietário, director e guarda do museu

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