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Abandonada e vandalizada

A triste história da Fábrica de Papel de Porto de Cavaleiros, em Tomar

Ao chegar hoje à fábrica de Papel de Porto de Cavaleiros, a meia dúzia de quilómetros de Tomar, é difícil imaginar que em tempos foi uma das principais impulsionadoras da economia do concelho de Tomar. O que outrora foi considerado um exemplo de dinamismo empresarial é agora uma aglomerado de casas e pavilhões degradados e votados ao abandono. A erva cresce por todo o lado, os fios eléctricos foram arrancados das paredes e a maioria dos equipamentos desapareceram. A maioria dos cerca de 200 ex-trabalhadores já arranjaram novos empregos mas poucos têm esperança de reaver os vencimentos em atraso.

Fechada desde 2000 e à espera que o tribunal decrete a sua falência a Fábrica de Papel de Porto de Cavaleiros, localizada às portas de Tomar, tem sido alvo de constante vandalismo. Tudo foi levado, ou quase tudo. Na área da produção ainda restam algumas máquinas mais pesadas, de difícil remoção. Quando chegar a hora de vender o que resta os trabalhadores, credores preferenciais, pouco terão a receber.Fernando foi funcionário da Porto de Cavaleiros apenas um ano. Chegou à fábrica quando as coisas já não estavam boas e viu a unidade definhar-se a pouco e pouco. O que trouxe, quando saiu, foi um mês de ordenado em atraso. Mas a maioria dos cerca de 200 trabalhadores, que entretanto foram arranjando outros empregos, tem muito mais a receber.Fernando não é do tempo em que ainda não se utilizava a pasta de celulose e era com trapos que se fazia o papel. Mas os trabalhadores mais antigos, como o pai da sua sogra, chegou a queimar muito trapo nos cilindros para se fazer a folha de papel. Depois da chegada da pasta, vinda das fábricas de celulose, deixava-se o papel a secar, empalhado. Os barracões ficavam cheios até cima, de um papel especial utilizado em passaportes, outro tipo de documentos e até na impressão de notas.Quando as máquinas de vapor chegaram à Porto de Cavaleiros o rendimento aumentou substancialmente. Mário Oliveira, o primeiro proprietário da fábrica, era considerado pelos funcionários como um homem de grande visão. “A esta hora deve dar voltas no túmulo”, refere um antigo trabalhador, sem querer dar a cara. “Tenho visto muitos camiões a carregarem coisas de lá e não quero problemas para o meu lado, que já estou velho”, diz, à laia de justificação.No tempo de Mário Oliveira o movimento diário era grande. Havia sempre camiões a sair carregados da fábrica, os vencimentos era pagos a tempo e horas e até havia prendas para os filhos dos funcionários, nas festas de Natal.“Os problemas começaram quando o dono morreu e os herdeiros pegaram naquilo. Começaram a gastar dinheiro em engenheiros disto e daquilo, investiram numa fábrica nova, entraram novos sócios”, refere o ex-empregado, que durante os cerca de dez anos que ali trabalhou teve várias funções.Quando as vendas começaram a baixar e as dificuldades a aparecer – numa altura em que outra fábrica do concelho, a Matrena, também estava a atravessar um mau momento – decidiu-se juntar as duas unidades e criar a IPT – Indústria de Papel de Tomar.A emenda foi pior que o soneto. Se cada uma tinha as suas dificuldades, as duas juntas não aguentaram. A Matrena decretou falência, a Porto de Cavaleiros foi vendida a um fornecedor libanês. Durante uns tempos tudo parecia correr bem. Aparentemente. Os camiões voltaram a entrar e a sair carregados, fazia-se mais papel. Ao fim de três anos o empresário libanês simplesmente desapareceu e até hoje nenhum trabalhador sabe o que lhe aconteceu. “Há até quem diga que já morreu”. Para trás deixou um rol imenso de dívidas a fornecedores, a clientes e até às finanças. O tribunal acabou por nomear um administrador judicial e brevemente a falência deverá ser decretada.VANDALISMO OU NEGÓCIO?O cadeado existente no portão da entrada principal é novo em folha, indicando que deve ter sido ali colocado recentemente. Mas, mais dia menos dia, deve ter o mesmo fim dos anteriores, que foram simplesmente rebentados.O administrador judicial chegou a contratar um segurança para guardar as instalações - localizadas num local ermo, sem aglomerados urbanos por perto - depois de se terem verificado os primeiros roubo. Mas no dia em que a nossa reportagem se deslocou à fábrica não viu vivalma. Alguns ex-trabalhadores confirmam que há muito tempo que a fábrica está sem qualquer segurança.Garantem também já ter visto de lá sair camiões carregados de material e máquinas. “Há quem diga que andam a levar as coisas para vender em Espanha mas ninguém sabe quem são, pelo menos a maioria dos trabalhadores não sabe”. A própria capela existente no complexo foi assaltada e roubado todo o seu recheio. A mesma capela onde, no dia de aniversário do primeiro proprietário, era celebrada uma missa com a presença dos trabalhadores e das respectivas famílias.Aos 41 anos, Fernando arranjou emprego rapidamente, trabalhando agora numa fábrica de aglomerados de madeira. Mas não espera receber o mês de atraso que a Porto de Cavaleiros lhe deve. Já se acostumou à morosidade dos processos judiciais. Ele e a esposa, Paula, trabalharam durante anos a fio na Matrena e ainda hoje estão à espera de receber cerca de dois mil contos de vencimentos em atraso. “Eles garantem que vão pagar, não sabemos é quando”, dizem, conformados.Margarida CabeleiraDeputada do PCP pede explicações ao GovernoNo dia 12 deste mês as instalações da Companhia de Papel de Porto de Cavaleiros receberam mais uma visita, desta vez não de larápios mas da deputada comunista Luísa Mesquita, que se fez acompanhar pelo gestor judicial da empresa, pelo representante do Sindicato das Indústrias de Celulose, Papel e Artes Gráficas e ainda por vários membros da comissão concelhia do PCP de Tomar.Luísa Mesquita pode assim inteirar-se da degradação da unidade fabril de Tomar e da delapidação do património das instalações, que se encontram completamente ao abandono.Um dado bem elucidativo do que se passa nas instalações é que apesar do administrador judicial ter levado um molho de chaves para abrir portas e portões a verdade é que ele nunca chegou a servir, já que as portas estavam abertas e o portão arrombado.Perante a situação patrimonial da fábrica e as dívidas, superiores a cem mil contos, aos trabalhadores, a deputada eleita pelo círculo eleitoral de Santarém irá apresentar na Assembleia da República um requerimento ao Governo sobre o andamento do processo de encerramento da empresa e do cumprimento dos direitos e créditos devidos aos trabalhadores.

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