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Tirar o sal da terra

Tirar o sal da terra

Casimiro Ferreira trabalha há 60 anos nas marinhas de sal de Rio Maior

Com a chegada dos dias mais quentes os compartimentos de cimento das salinas de Rio Maior enchem-se de água clara e pequenas partículas de sal começam a dançar à superfície. Para Casimiro Fróis Ferreira, salineiro há mais de 60 anos, este é o mais perfeito de todo os bordados. O salineiro trabalha há seis décadas na safra do sal, mas continua apaixonado pela profissão. Aguarda sempre com o entusiasmo o aparecimento das primeiras pirâmides de sal que quebram a monotonia do “deserto” que são as salinas no Inverno.

As pirâmides de sal, cor da neve, já salpicam aqui e ali as eiras das seculares salinas de Rio Maior. Os pequenos montes de um branco imaculado contrastam com o cenário bucólico da Serra de D’Aire e Candeeiros, na aldeia de Marinhas do Sal, a três quilómetros de Rio Maior.Estamos em Maio. Mês em que começa “a safra do sal”, como lhe chama sabiamente Casimiro Ferreira, 75 anos, salineiro há mais de 60 anos.Depois de uma vida inteira nas salinas continua apaixonado pelo seu trabalho. Aguarda sempre com entusiasmo o aparecimento dos primeiros montes de sal que quebram a monotonia do “deserto” que são as salinas no Inverno.A campanha do sal inicia-se no início de Maio com a limpeza do lodo nos 400 talhos - compartimentos feitos de pedra para onde é conduzida a água salgada. Os talhos estão ligados por “baratas”, caminhos estreitos por onde passa de botins o salineiro. “A limpeza é um dos trabalhos mais duros da profissão”, confidencia.Quando os talhos se enchem de água clara sob o calor do sol começam a juntar-se as partículas do sal, formando pequenas manchas brancas que dançam na superfície da água. “Não há bordadeira que faça um bordado tão bonito como este”, confidencia o salineiro com paixão.Hoje utiliza-se um motor para elevar a água salgada e distribui-la pelos talhos. Antigamente era utilizada a picota, um engenho manual, para retirar a água salgada do poço a 60 metros de profundidade. É ai que está localizada a mina de sal-gema, que é a fonte do sal. A picota ainda se encontra colocada simbolicamente sobre o poço, situado no centro das salinas.A corrente de água que passa a muitos metros de profundidade arrasta a água sete vezes mais salgada que a do mar. Há mais de 200 milhões de anos o sopé da serra foi mar. “O mar recuou e ficou o sal”, explica o salineiro. São precisos cinco dias com temperaturas entre os 25 e 30 graus para que a água evapore deixando à vista o sal, que depois o salineiro raspa, lava e amontoa em pirâmides sobre as eiras. Cada litro de água rende 220 gramas de sal. O sal segue depois para o armazém de venda onde é pesado e embalado. É distribuído em todo o país e exportado para a Alemanha com a chancela de “Sal dos Templários”. Reza a história que em 1177 foi vendida uma quinta parte do poço e salinas à Ordem dos Templários.O sal já não é transportado às costas como antigamente, mas em pequenas máquinas de transporte.A campanha do sal prolonga-se até Setembro, altura em que a humidade começa a não permitir a evaporação da água. “No Inverno não se trabalho no sal, comercializa-se”, explica. Tal como antigamente mantêm-se as casinhas de madeira, com fechaduras das portas características da aldeia típica das salinas, onde era armazenado o sal. Hoje são alugadas para turismo.Casimiro Ferreira reside na Fonte da Buca, de onde consegue avistar as salinas. Nas marinhas de sal trabalha das 8h00 às 18h30. No dia a dia utiliza um rodo de madeira, um pá para juntar e sal e o cabaço para retirar a água.Os mais sábios na actividade, como é o caso de Casimiro Ferreira, funcionam como mestres para quem está a aprender. “É uma profissão que leva 20 anos a aprender porque são mais de 400 talhos e 80 proprietários”, avalia. A profissão não é rentável. Trabalha-se nas salinas quase por amor à camisola. “O sal é um produto pobre. Quando se vai às compras quase nem se nota o peso do sal na conta”, salienta.Casimiro Fróis Ferreira tinha 10 anos quando pela primeira vez mergulhou os pés descalços nos talhos. Na altura era moço de recados dos trabalhadores das marinhas do sal.O processo de extracção do sal era ainda mais artesanal e o jovem ajudava o pai que trabalhava como salineiro. Aos 14 anos foi explorar a propriedade do pai. Hoje é proprietário e também presidente da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior. Em 1979 foi criada uma cooperativa para gerir as salinas com 27 mil metros quadrados e 80 proprietários diferentes, já que isolados os trabalhadores não conseguiram colocar o sal no mercado.O salineiro chegou também a trabalhar no campo, mas assim que experimentou o trabalho nas salinas nunca mais o largou. “Apaixonamo-nos por isto e deixamo-nos estar até ao fim”.Ana Santiago
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