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O fadista que foi menino de coro

João Chora toca de ouvido e não sabe ler uma pauta

Há gente assim, que percebe o seu destino e não hesita em o abraçar. João Chora nasceu para a música, mas nunca soube ler uma pauta. Isso não o impediu de cantar no coro, de tocar piano e guitarra e de integrar conjuntos de baile até se tornar num dos fadistas mais conhecidos e requisitados da região. É um artista sem manias, que faz questão de cantar o que gosta.

João Chora tem 44 anos, feitos em 26 de Março. Já lá vai muito tempo desde que o fadista da Chamusca começou a cantar no coro da igreja e descobriu o fado nas tertúlias em brincadeiras com os amigos. As notas estiveram desde cedo no seu caminho, primeiro as musicais e há uns anos também as de papel, com que lida diariamente no banco onde trabalha.A oportunidade de integrar o coro apareceu aos dez anos, quando a directora do grupo, Nazaré Santos, percebeu que ele tinha ouvido para a música. Passado pouco tempo começa a aventurar-se no piano, chegando a acompanhar algumas missas. Tocava apenas de ouvido e ainda hoje não consegue ler uma pauta. “Ao princípio punham-me a pauta à frente, olhava para lá não para me orientar, mas para disfarçar”, confessa João Chora por entre um sorriso. Do piano passa à viola, adaptando algumas das coisas que tinha aprendido. Torna-se mais tarde um mestre no dedilhar das cordas com a ajuda de um caderno com desenhos do braço da guitarra e onde se indicavam as posições dos dedos para fazer determinado tom. Em 1977 é convidado para ingressar num grupo de baile da Chamusca que se chamava Sadeom, o nome do director da formação (Moedas) escrito de trás para a frente. Andou nestas andanças, tocando viola eléctrica e cantando, cerca de quatro anos. O repertório era retirado do programa radiofónico “Quando o telefone toca”. “Ouvíamos a rádio para saber quais eram as canções mais pedidas e para retirar as letras. Sempre gostei de cantar bem, mas às vezes era difícil gravar as músicas e até escrevíamos as letras conforme as ouvíamos. Por exemplo escrevíamos “i-s” em vez de yes”, lembra João Chora. O primeiro trabalho que teve foi num escritório de contabilidade na Chamusca, após ter feito o 12º ano de escolaridade. Ao mesmo tempo ingressa num grupo de música popular chamado “Gente”, que fez recolhas de cantares da região. A descoberta do fado surge aos 23 anos, quando começa a frequentar as tertúlias da Chamusca. O salto para fora da terra dá-se a partir da década de 80, acompanhando outros fadistas como executante de viola. Nessa altura havia um bar no Entroncamento, o Jockey, onde se reuniam os fadistas da zona. Numa noite apareceu pouca gente. Pediram a João Chora para cantar um fadinho e ele acabou por cantar “o que sabia e o que não sabia”. Valeu-lhe o guitarrista Custódio Castelo, que servia de ponto, ditando-lhe as letras. A partir daí nunca mais parou, gravando o primeiro disco em 1995 intitulado “Fados e Baladas”. Depois apareceram mais dois trabalhos. Para este ano pretende gravar um novo disco, para o qual já tem um esboço. No palco e fora dele, João Chora tem uma pose altiva e séria. Gosta de fazer as coisas bem feitas e apesar de não viver directamente da música garante que faz os espectáculos sempre com profissionalismo. Não tem manias de artista e a única coisa que impõe, a si próprio, é cantar aquilo que gosta. João Chora tem facilidade em fazer amizades e garante que já fez muitas, tanto no mundo artístico como no desempenho das suas tarefas profissionais. Para além do fado é um apaixonado pelos cavalos. Só tem pena de não ter tempo para irromper pelos campos ao ritmo do trote. O gosto por montar vem dos tempos de juventude. Nunca teve nenhum cavalo, mas chegou a ser conhecido na Chamusca como o João “cavaleiro”. “O mestre José Maria Pedroso costumava passar a cavalo na zona onde morava, nos Carrapiteiros. Um dia enchi-me de coragem e disse-lhe que gostava de aprender a montar. Ele mandou-me aparecer na praça de toiros da Chamusca e assim comecei”, conta o fadista que na altura tinha 12 anos. E acrescenta que chegou a entrar por brincadeira em vacadas toureando a cavalo. Considera-se uma pessoa tímida, apesar de disfarçar muito bem. A sua humildade por vezes acaba por o prejudicar. Como não tem feitio para pedir, tem consciência que isso faz com que não apareça muitas vezes na televisão ou não seja ouvido na rádio. Mas também não se queixa, até porque garante que convites para espectáculos não faltam. A vida profissional e artística não lhe deixa muito tempo para gozar de alguns prazeres. No entanto sempre que pode gosta de ler um livro de poesia e algumas vezes até tenta adaptar alguns poemas a canção. Preza uma boa conversa com os amigos, já que também é um bom conversador. João Chora não se sente um artista, mas já teve experiências que o fizeram sentir como um rei. Foi o ano passado quando fez sete concertos na Holanda para assistências compostas essencialmente por holandeses. “Até me senti artista com as condições de trabalho e com a entrega do público”, lembra. António Palmeiro

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