uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Joaquim do Vale, é bombeiro e mecânico, raramente pode ausentar-se do trabalho

Os bombeiros que não podem apagar fogos

Empresários resistem a dispensar trabalhadores
Joaquim Ribeiro do Vale é bombeiro voluntário há três anos. Durante este tempo, contam-se pelos dedos das mãos as vezes que o patrão o deixou sair na hora de trabalho para combater um incêndio. Este mecânico de profissão fica angustiado quando sabe que é preciso para combater as chamas e tem que ficar refém da empresa onde trabalha. Uma situação que por vezes origina conflitos com a entidade patronal. Joaquim Ribeiro do Vale receia que um dia se veja obrigado a deixar os bombeiros de Torres Novas. “O meu patrão já me disse para pensar bem o que quero fazer. Ou opto pelo trabalho, ou pelos bombeiros”, reforça. Joaquim do Vale sabe que é necessário nos dois lados e, por isso, sente-se dividido. Na empresa de automóveis onde trabalha, no Entroncamento, é o único mecânico. Nos bombeiros, é um dos poucos que tem carta de pesados e, por isso, a sua presença é quase sempre imprescindível.Nas vezes que consegue dispensa, o bombeiro sabe que as horas de ausência lhe vão ser descontadas no ordenado, ou têm que ser compensadas através de trabalho extraordinário. É por isso que evita andar num incêndio mais que um dia. “Tem que haver compreensão por parte das empresas, porque hoje são os outros que precisam, mas amanhã podem ser elas”, desabafa, apesar de reconhecer que as empresas não podem ser penalizadas.A situação deste bombeiro de Torres Novas não é única no distrito. Que o diga o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pernes (Santarém). José Viegas já foi obrigado, algumas vezes, a pedir por favor a alguns empresários da vila para dispensarem os seus “empregados-bombeiros”. Mas mesmo assim muitos mostram-se irredutíveis. “A grande maioria não dispensa os seus funcionários mesmo em situações de grande gravidade”, afirma. Por causa disso, nos grandes incêndios dos últimos dias, houve bombeiros que atacavam as chamas em regime de “part-time”. “Tivemos elementos que saíam do emprego às cinco da tarde e iam para os fogos só até à meia-noite, porque no dia seguinte tinham que ir trabalhar”, conta José Viegas. Para evitar a ruptura, muitas corporações socorrem-se dos estudantes e dos funcionários das câmaras municipais. É o que acontece nos Voluntários do Entroncamento, onde metade dos 89 operacionais estão nessa situação. “Até agora tenho tido sorte e não tem havido grandes carências de pessoal”, justifica o comandante Vítor Bretelo. Outras corporações pedem aos seus elementos para sacrificarem uns dias de férias de modo a estarem disponíveis nas situações de maior aflição, como acontece em Torres Novas. O problema reside sobretudo nas pequenas e médias empresas. O presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários de Almeirim conhece bem a situação, até porque é dono de uma empresa de equipamentos de segurança e tem ao serviço um bombeiro. Firmino Apolónia reconhece que nem sempre é possível dispensar o funcionário, devido aos compromissos assumidos pela empresa. “A saída de um empregado, durante um dia complica o funcionamento da empresa, porque há horários programados para fazer a montagem dos equipamentos. Os clientes não compreendem se, por acaso, o serviço não se fizer na hora combinada, mesmo que lhes expliquemos que o trabalhador teve que ir apagar um fogo”, justifica-se Firmino Apolónia.Embora haja algumas empresas que fogem a esta regra, como a J.J. Louro, a EMEF no Entroncamento ou a Ipiac Nery em Torres Novas, alguns comandantes defendem a criação de um regime de apoio aos empresários que colaborem com os bombeiros. Até porque a actual legislação, que permite a um bombeiro faltar ao trabalho durante três dias por mês para serviços de socorro, está a revelar-se insuficiente. Alguns empresários nem esses dias disponibilizam. “Devia haver uma forma de obrigar as empresas a ceder os funcionários, comprometendo-se o Estado a dar contrapartidas financeiras, ou benefícios fiscais às pessoas que empregam bombeiros”, sugere José Viegas. Mas enquanto isso não acontece, os comandantes das corporações não têm outra alternativa senão sacrificar aqueles que estão mais disponíveis.António José da Costa, empresário e bombeiro em AlmeirimPrimeiro a empresa, depois os bombeiros António José da Costa é dono de uma empresa de transportes, em Almeirim, há seis anos e bombeiro, na corporação local, há catorze. Este ano, ainda só participou num incêndio e por poucas horas. O empresário reconhece que os bombeiros precisam de ajuda, mas justifica que não pode abandonar a empresa para combater fogos em troca de nada. Ao serviço da TransAlmeirim já estiveram cinco bombeiros de um total de 17 trabalhadores. “Quando tocava a sirene, geralmente , não ia ninguém. Não podemos abandonar os camiões, até porque temos horas específicas para fazer as cargas e descargas. E, se não cumprirmos os horários, podemos perder os serviços”, explica, acrescentando que os bombeiros, normalmente, ficam em segundo plano. Caso contrário, a empresa pode entrar em situação difícil num sector onde a concorrência é muito grande. “Uma vez um dos funcionários foi para um fogo em Vila Velha de Ródão, só soubemos que ele estava nos bombeiros ao fim de dois dias quando fomos ao quartel perguntar por ele. Há quatro anos, ia para um fogo no Cartaxo e a meio do caminho tive que voltar para Almeirim, porque surgiu uma situação de urgência na empresa”, lembra o empresário. Segundo António José da Costa, “muitas vezes os bombeiros pressionam um bocado, porque têm dificuldade em arranjar pessoal, sobretudo motoristas de pesados. Mas só vou quando sei que não prejudico a empresa”, refere, ressalvando que “não podem ser as empresas a ter prejuízos e a custear um serviço de socorro que devia ser assegurado pelo Estado”. Mesmo que venham a existir benefícios para as empresas, António José da Costa diz que não muda de posição. “Não se trata de uma questão de pagar menos impostos, ou de receber apoios financeiros, mas de uma questão de operacionalidade da empresa”, conclui. Nersant nunca recebeu queixasA Associação Empresarial da Região de Santarém, Nersant, garante que nunca fez nenhuma acção de sensibilização aos empresários no sentido de dispensarem os trabalhadores para os bombeiros. O director-geral da associação, Filipe Martins, justifica que isso se deve ao facto da questão nunca ter sido levantada nem pelas empresas, nem pelos bombeiros. No entanto, Filipe Martins reconhece que em algumas empresas a saída de um ou dois funcionários permanentemente, pode causar problemas em termos de produtividade. “Numa empresa que tenha 30 trabalhadores, número que desce no Verão devido ao período de férias, se faltarem por longas horas pelo menos 3 funcionários, podem surgir dificuldades”, explica.
Joaquim do Vale, é bombeiro e mecânico, raramente pode ausentar-se do trabalho

Mais Notícias

    A carregar...