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O inferno ao pé da porta

OPINIÃO

Ou combatemos o processo estrutural de abandono e desertificação do interior ou, numa atitude de novo-riquismo, introduzimos o TGV, que a única coisa que acresce à qualidade de vida dos portugueses é encurtar o tempo de percurso aos poucos que viajam regularmente para a Europa!

Num planeta em processo gradual e global de aquecimento (lento poder-se-á dizer, mas inexorável), num país detentor da floresta mais facilmente consumível de toda a Europa, numa zona do Mediterrâneo em que se atingem, no verão, os níveis médios de temperatura mais elevados, estão assim criadas as condições estruturais para que o flagelo dos incêndios seja, como é, um cataclismo cíclico que todos os anos alimenta um defeso mediático com histórias de horror e arrepio, devora milhares de hectares de floresta e permite aos nossos dirigentes discursos de circunstância sobre as circunstâncias da catástrofe.E a zona mártir é, por excelência, a assim chamada “zona do pinhal”, uma das mais pobres do país, que abrange ainda áreas limítrofes do Distrito de Santarém (concelhos do Sardoal, Mação e parte de Abrantes, principalmente), em que os pinheiros constituem hoje uma das poucas possibilidades de tirar da terra algum rendimento significativo. Rendimento a longo prazo, com certeza, mas importante se não implicar como não implica, investimento significativo de trabalho ou capital. Corresponde, assim, a uma das escassas formas de riqueza que tem impedido uma desertificação populacional ainda mais elevada do que já é!É, aliás, este cenário de despovoamento e envelhecimento demográfico que é responsável não só pelo crescimento exponencial da área florestal (crescimento espontâneo por abandono de outras utilizações do solo), como pela diminuição drástica dos processos de limpeza.A inexistência da limpeza das áreas florestais é, de facto, situação que concorre para o agravamento deste problema. Mas é, admitamo-lo, um problema em grande parte insolúvel (ou quase), pelo menos em muitas zonas, esvaziadas hoje, quase totalmente, de população.A limpeza das matas correspondia em tempos idos (quando os viveres eram tradicionais e as populações locais numerosas) a uma funcionalidade quotidiana que o estilo de vida, naturalmente, acarretava. Limpava-se a mata (ou melhor, limpava-se alguma mata) porque se ia “buscar o mato” de múltiplas utilizações. Para “fazer a cama ao gado”, para revestir ruas ou palheiros, quantas vezes para servir de alimento.A desertificação e a mudança de vida tornaram tal hábito (até pela sua dureza), esporádico. O envelhecimento da população transformou-o, em grande parte, numa impossibilidade.Terá portanto que ser o Estado, responsável último por este estado de degradação demográfica, a criar condições para resolver, ou pelo menos atenuar o problema.É ele que deve impor regras (duras se preciso for) de forma a disciplinar e adequar, aos novos tempos climatéricos, os regimes de florestação. Entre outras coisas, variando as espécies a introduzir. Deve intervir, em conjunto com as autarquias, nos acessos às zonas mais remotas e na manutenção dos mesmos, melhorando e abrindo novas vias e adequando-as ao material de combate aos fogos e vice-versa. Estabelecendo zonas de corta fogo e fazendo da vigilância florestal, de uma vez por todas, um verdadeiro mecanismo de profilaxia dos incêndios. Deve intervir, especialmente, de forma a controlar o comércio de madeira ardida; maná de alguns, desgraça de muitos!Deve, finalmente, melhorar a formação técnica dos bombeiros e adquirir mais e melhor material de combate aos fogos florestais. Terrestre e, principalmente, aéreo!É claro que todas estas acções exigem investimento; de tempo e dinheiro. Exigem, desde já, que se pense nelas como algo essencial e não acessório!É uma questão de opção: ou se investe no combate ao fogo, incrementador de miséria e desespero, ou se investe em material bélico (sofisticado para nós, obsoleto para outros) para assim, qual “mascote canina”, podermos estar presentes em conflitos externos, que outros criam segundo os seus interesses e dos quais tiram, naturalmente, partido político e económico.Ou se defende a riqueza que a floresta constitui, ou se investem centenas de milhões de Euros em novos estádios (que todos iremos gostar de ver, com certeza) mas que, não o esqueçamos, substituem anteriores perfeitamente funcionais!Ou combatemos o processo estrutural de abandono e desertificação do interior ou, numa atitude de novo-riquismo, introduzimos o TGV, que a única coisa que acresce à qualidade de vida dos portugueses é encurtar o tempo de percurso aos poucos que viajam regularmente para a Europa!Numa época de crise, provavelmente o dinheiro não chega para tudo! É, portanto, uma questão de prioridades!

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