Sentimo-nos impotentes
Governador-Civil, Mário Albuquerque, faz avaliação dos dias de inferno
Já foi presidente da Câmara de Ourém e estava habituado ao inferno dos fogos florestais, mas o que viu nos últimos dez dias ultrapassou tudo o que já tinha visto. Mário Albuquerque, Governador Civil de Santarém diz que se chegou a sentir impotente perante a tragédia que se abateu sobre a maior parte dos concelhos. Com humildade, admite que houve falhas no combate às chamas e no apoio às populações mas garante que “nem o mais pintado” seria capaz de responder com mais eficácia numa situação assim. E deixa uma palavra de esperança: “O distrito há-de saber reagir”.
P. No fim de semana dos grandes incêndios na Chamusca e Mação chegou a acusar as empresas de falta de colaboração na cedência de máquinas para o combate às chamas. O que se passou afinal?R. Fiz essas declarações com base nas informações que me foram dadas na altura. Tinha sido activado o Plano de Emergência Distrital e quando assim é podem ser mobilizados os meios considerados necessários para acudir às populações. Muitas empresas foram contactadas e na realidade não houve resposta. Posteriormente vim a saber que tal se deveu ao facto de ser domingo e não haver ninguém que nos atendesse. Ou quem nos atendia não tinha capacidade de decisão. P. A situação foi ultrapassada?R. As minhas declarações não reflectiam a realidade mas tiveram o condão de alertar os responsáveis pelas empresas para a necessidade da sua colaboração e, posteriormente tivemos uma adesão muito grande. Foram de uma enorme generosidade. Tiveram sensibilidade e compreensão para o que se estava a passar. E nós ficamos alertados para o facto de ser necessário termos em nosso poder os contactos dos proprietários ou dos gerentes dessas empresas para eventualidades destas.P. Estavam alertados para a possibilidade de uma situação como a que se verificou?R. Não tínhamos qualquer informação concreta sobre a possibilidade de ocorrer uma tragédia assim. Foi uma situação completamente anormal. Houve uma conjugação de vários factores que ninguém poderia prever. Agora pode dizer-se tudo mas quem é que poderia prever uma catástrofe como aquela que ocorreu? Houve factores climatéricos e humanos. P. Quando fala em factores humanos fala em incendiários?R. Não tenho dúvidas face àquilo que vi, nomeadamente em Mação, que houve fogos ateados de forma cirúrgica. As chamas rodeavam completamente Mação. Ali houve mão criminosa. Na Chamusca posso admitir, e o próprio presidente da câmara admite, que a trovoada que caiu pode ter estado na origem dos fogos, mas em Mação não foi isso que aconteceu.P. Tem acompanhado o trabalho da Judiciária? R. Sei que está a actuar fortemente no distrito mas não sei mais nada. Trata-se de matéria da competência dos tribunais e acredito que vai ser feita justiça.P. Ouviram-se muitas declarações relativas a uma eventual falta de meios para combater os incêndios. São observações com fundamento?R. Como se costuma dizer os meios nunca são suficientes, mas é necessário termos consciência que se tratou de uma situação excepcional. Numa situação como as que têm ocorrido em anos anteriores os meios eram suficientes. Já convivo há muitos anos com este problema dos incêndios. Fui presidente de uma câmara (Ourém), onde há uma mancha imensa floresta e muitas vezes fui confrontado com incêndios, mas nunca vivi uma situação tão grave e tão dramática. Sentimo-nos impotentes perante os apelos que nos chegavam de todo o lado.P. Foi solicitada a ajuda dos militares?R. Os militares foram requisitados e estiveram no terreno. Nós sabemos que os quartéis também têm um mínimo de pessoal ao fim de semana, mas estiveram no terrenos com máquinas. Não é fácil accionar tudo de um momento para o outro. O coordenador distrital da protecção civil e bombeiros, inspector Chambel fez inúmeros contactos. Não temos razão de queixa.P. Houve falhas na coordenação de meios? R. Nunca é possível prever tudo. Somos humanos. Houve coisa que falharam. É inevitável. Havia cinco concelhos envoltos em chamas e toda a gente a gritar por ajuda. Não é fácil decidir em situações assim. Cada pedido era mais dramático que o anterior. Havia populações em perigo. É fácil criticar à distância, mas eu desafio o mais pintado, como diz o povo, a numa situação daquelas sincronizar tudo rigorosamente. É impossível.P. Esteve no terreno.R. Estive na Chamusca, em Mação, no Sardoal, em Abrantes. E estive, principalmente, no CCO de Tomar, no trabalho de coordenação. Às vezes estar no terreno e a participar na coordenação são coisas incompatíveis. A vontade é ir para o terreno, para acompanhar as pessoas, dar-lhes apoio, mas na coordenação é necessário haver pessoas com cabeça fria e capacidade de decidir o melhor a cada momento. Senão é anarquia.P. O Plano de Emergência Distrital mostrou muitas falhas?R. Iremos fazer uma avaliação muito séria para tirar ilações. É sempre possível melhorar; aperfeiçoar. Não há memória de uma situação destas. Há factores novos. Foi um cenário dantesco. Mas isto não é situação arrumada. Ainda estamos a meio de Agosto, muita coisa pode acontecer até porque o calor vai continuar. P. As ajudas vão chegar com a rapidez desejada ou, como costuma ser hábito, só daqui a muitos meses?R. Estamos a fazer levantamento dos prejuízos. Há trabalho que tem que ser feito com rigor. Trabalho que envolve técnicos das câmaras municipais, da agricultura, da segurança social. Há um conjunto de situações que têm que ser tratadas urgentemente mas a vários níveis. No entanto há uma disponibilização no sentido de resolver pontualmente os problemas mais graves e prementes.O nosso distrito há-de saber reagir. Há-de resolver os seu problemas e as populações acabarão por ser ressarcidas. Embora no aspecto moral e sentimental não o consigamos fazer, mas pelo menos sob o ponto de vista económico. Para que as pessoas retomem a sua actividade normal. Para que voltem a viver e a trabalhar com tranquilidade.
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