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Do lado esquerdo da vida

Jorge Rivotti, um brasileiro que nasceu para a música em Tomar

Jorge Rivotti nasceu no Brasil, tem uma costela italiana mas alma de português sofredor com as agressões do quotidiano. Assume-se como um homem de esquerda que utiliza as suas canções como arma de arremesso contra o mundo louco em que vivemos. O músico ainda não encontrou o caminho do seu “eu” e confessa que só encontrará paz de espírito quando tiver uma casa no lago. Até lá escreve palavras de intervenção e canções infantis. Um paradoxo para um homem que tem o dilema da indecisão.

Nasceu há 41 anos no Brasil, numa cidade – Marimbá – curiosamente geminada com Leiria. Apesar de ter lá vivido apenas dois anos, o músico Jorge Rivotti viveu com o estigma do Brasil até há muito pouco tempo, quando finalmente se naturalizou português, cortando o cordão umbilical que o ligava ao outro lado do Atlântico.Desde muito cedo conviveu com a música. O pai cantava e tocava acordeão, embora de forma amadora. E a família da mãe sempre foi muito “cantadeira”, principalmente no que respeita à música tradicional portuguesa. É daí que vem efectivamente a raiz da sua música, embora com algumas variantes em termos de sonoridade. “E só descobri isso muito recentemente”, confessa.O percurso académico de Jorge Rivotti foi feito em Tomar, terra da mãe e de antepassados paternos. E foi na cidade dos templários que foi surgindo a sua aptidão para as cantigas. Juntavam-se em pequenos grupos pelas ruas da cidade, a tocar e a cantar. Exactamente na época em que Tomar “pariu” uma quantidade considerável de músicos.Foi um aluno médio porque nunca fez questão de se aplicar. Sabia que quando queria conseguia tirar excelentes notas, mas nunca gostou muito de se aplicar. “Foi uma chatice para acabar o secundário”Também não perdia muito tempo no estudo da música. “Um dos meus grandes defeitos é exactamente a preguiça”. Em contrapartida, a sua maior virtude é ser teimoso. Uma dicotomia, um dilema ainda hoje está por resolver – quem vence, a preguiça ou a teimosia.Tal como outros consagrados músicos tomarenses, Jorge Rivotti passou pelo Conservatório de Tomar e pela Associação Canto Firme, que considera pilar fundamental da tradição musical do conselho. Fez parte do coro e do grupo de música tradicional, onde foi colega de carteira de Carlos Moisés, vocalista dos Quinta do Bill. E, tal como este, também deu aulas para sobreviver no mundo artístico.Sempre gostou da música de intervenção, aquela que através das palavras cantadas tentava passar uma mensagem aos ouvintes. Na altura do 25 de Abril fez parte de um grupo de música tradicional denominado Jornada, nome retirado de uma canção do tomarense Fernando Lopes Graça, uma referência musical na cidade.Foi durante os inúmeros concertos que o Jornada fazia que Jorge Rivotti descobriu a sua inclinação para a composição, para fazer letras e sobretudo canções. Apesar de ter estado integrado em diversos grupos, sempre teve uma carreira paralela de solista. Subia ao palco e tocava canções inéditas.Foi como solista que venceu dois anos consecutivos o concurso nacional da festa do Avante, no final da década de 80. Em 1986 participou também no Festival de Música de Kiev, com músicos do mundo inteiro. “Lembro-me que levei uma composição minha com arranjos para uma orquestra de cem pessoas, uma experiência muito marcante na minha carreira”.Tal como na sua primeira experiência de estúdio, estava ainda na Canto Firme. “Fizemos a banda sonora de uma peça de teatro – a Crónica dos Bons Malandros – executada pelo grupo Fatias de Cá”. Sem esquecer uma experiência fora de comum que pensa voltar a repetir: a gravação de um disco de música infantil, o “Contar, cantando”, com a participação de uma escola de segundo ciclo do Entroncamento. “Foi um disco diferente, feito por crianças e para crianças”.A partir daí nunca mais deixou de fazer as suas próprias composições. Em 1997 surge o seu primeiro disco a solo. Teoria Geral dos Caminhos foi feito depois de vários caminhos percorridos e com outros tantos para percorrer. Mais um dos dilemas do músico que não consegue definir a sua música. “Acho que me situo um bocado dentro da música com influência melódica tradicional, com uma carga rítmica, e como um escritor de canções no que respeita ao aspecto harmónico e estético”. Em suma, é um cantor de canções que não se preocupa em definir o seu próprio estilo. Uma coisa Jorge Rivotti tem a certeza – a sua música não chega a toda a gente.Da indefinição do caminho a seguir passa à fase da crítica social pura e dura no seu segundo disco, editado em 2001. “Dias da Publicidade” é um álbum onde não existem palavras de amor mas de intervenção, ou melhor, de chamadas de atenção.Jorge Rivotti é por natureza um crítico da sociedade, uma pessoa que tem sempre o pé atrás e cheio de preocupações humanísticas. Não fosse a sua formação partidária de esquerda, ex-militante do Partido Comunista Português. “Sou uma pessoa e um músico do lado esquerdo da vida”.“As minhas músicas reflectem questões da vida actual, são como que uma tomada de consciência para os problemas existentes no mundo de hoje”. Canções sem públicos definidos. Os seus alunos, por exemplo, gostaram imenso das músicas que lhes deu a conhecer antes ainda da saída do disco. “Foi mais uma experiência que fiz e funcionou muito bem para o meu ego porque as crianças gostaram genuinamente das músicas”.Tal como na música, Jorge Rivotti é um homem que não sabe bem para onde quer ir. “A indecisão é o meu dilema com ‘dê’ grande”. Uma postura perante a vida contrária à da sua mulher. É esse o segredo de um casamento que celebra duas décadas no próximo ano. O amor é eterno enquanto dura.A desilusão com o mercado discográfico nacional levou-o a enveredar novamente por trilhos desconhecidos. O músico aceitou o desafio de compor uma ópera infantil sobre um texto do escritor irlandês Oscar Wilde, no âmbito das comemorações dos cem anos do seu nascimento, em 2004.Em relação ao projecto mais íntimo e pessoal é que ainda não encontrou o caminho certo para a sua concretização. “Só encontrarei a minha paz de espírito com uma casa no lago”.Margarida Cabeleira

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