É sábado à tarde no auditório do Instituto Português da Juventude, em Santarém. Os seis actores do Teatro Fantasia da Appacdam (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental) do Vale de Santarém fazem os últimos ajustes antes do espectáculo da noite, integrado no Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude.Na peça “Tio Maravilhas”, de Orlando Neves, Ana Cristina Silva, 27 anos, veste a pele da princesa dos seus sonhos com tiara e um longo vestido vermelho paixão. “Adoro fazer de princesa porque é uma jovem filha de um rei e porque o papel diz comigo”, segreda Cristina com um sorriso aberto no intervalo do ensaio geral.A simpática “relações públicas” do Centro de Actividades Ocupacionais Aristides Graça, residente em Vilgateira (Santarém), é o único elemento feminino do elenco. Os seis actores desdobram-se em 14 papéis. “Faço de princesa, de D. Piedade e de velha ribatejana”, esclarece prontamente. A actriz, que representa há seis anos, já foi apresentadora do “Circo Fantasia” e ficou com o papel principal da peça “Na Loja do Mestre André”.O mais recente trabalho do grupo - “Tio Maravilhas” - conta a história de um grupo de saltimbancos que traz ao placo a lenda da sopa de pedra e de Frei João Sem Cuidados.Gonçalo Heitor, 19 anos, residente no Vale de Santarém, dá vida ao frade, autor de uma “sopa de pedra divinal”. Para pôr de pé a sua personagem estuda de dia e de noite. “Estar no palco é uma enorme alegria. Era um sonho antigo”, confidencia com a mão sobre o peito.Bruno Leitão, 23 anos, de Almeirim, é o escudeiro do rei. “Gosto de tentar matar o frade, mas ele é pouco malandro...”, ironiza. O jovem actor interessou-se pelo teatro depois de ver um espectáculo do grupo, quando frequentava o Centro de Recuperação Infantil de Almeirim. Luís Marques, 46 anos, actor há sete, é o segundo escudeiro do rei e o velho ribatejano da “Sopa de Pedra”.O Tio Maravilhas e o Rei são interpretados por Rogério Lopes, 36 anos, residente no Cartaxo e um dos pioneiros do grupo. Adora o teatro, gosta de todas as peças e decora os papéis com a ajuda da mãe. “Outras vezes vou para a varanda e ponho-me a estudar”.O conterrâneo Rui Gomes, 29 anos, estreou-se no teatro em Vila Franca de Xira e quando chegou à instituição foi convidado a fazer um papel de gigante. “Gosto de sentir o cheiro do palco”. Os três monitores da instituição seguem o ensaio geral de guião na mão para ajudar os actores que regressaram de umas curtas férias do teatro. “Isto está fora de texto e de contexto”, corrige a monitora Graciete Alves.Imaginação e capacidade de improvisação não faltam a alguns dos elementos do grupo. “Cada espectáculo é diferente porque alguns deles improvisam. Quando se enganam não ficam à espera que lhes digam. Às vezes temos que ralhar porque inventam demais”, revela a educadora Ana Cruz.Na noite de sábado, para assinalar o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, a organização do Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude, que decorreu em Santarém, homenageou o Teatro Fantasia e ofereceu-lhes o melhor presente que poderiam receber – um palco para representar.Quando se aproxima a hora do pano abrir os actores do Teatro Fantasia pulam no palco vestindo, orgulhosos, os fatos coloridos. Não existe o nervosismo que normalmente antecede um espectáculo. O humor e a alegria dominam, apesar de todos sentirem como profissionais a responsabilidade de enfrentar uma sala com lotação esgotada durante 45 minutos. É um dos espectáculos mais esperados. Diverte, enche o coração e faz sonhar. No final todos aplaudem de pé. Ana Santiago