Memórias do mundo dos toiros
Em Almeirim esconde-se o museu mais importante dedicado à tauromaquia
Num terceiro andar de um prédio de Almeirim, situa-se um importante museu dedicado à tauromaquia. O acervo, acumulado ao longo de anos pelo ex-forcado João Simões, permanece longe dos olhares do grande público.
Nas escadas de acesso ao terceiro andar do prédio do forcado João Simões, estão pendurados alguns quadros com motivos taurinos. É o primeiro sinal de aviso para o mundo de preciosidades protegido por uma porta de madeira, que esconde o mais importante museu particular de Almeirim e o maior do país deadicado à tauromaquia. Um refúgio onde o homem que andou a pegar toiros durante 23 anos se esquece das preocupações. Um cenário de deslumbramento para um leigo. Quando a porta de linhas rudes se abre dá-se de caras com a miniatura da praça de toiros da Moita, abrigada dos dedos curiosos por uma redoma de vidro. A peça foi comprada há quatro anos numa exposição, naquela vila ribatejana. Não é por acaso que é ela a dar as boas vindas. João Simões foi o cabo dos forcados da Moita, durante dez anos, até se despedir das arenas no ano de 2000. João Simões movimenta-se pelos cem metros quadrados do espaço como se o conhecesse de olhos fechados. Detém-se num armário onde está o capote e as sapatilhas usadas pelo espanhol Manolete (Manuel Rodriguez Sanchez). O toureiro que morreu em 29 de Agosto de 1947, na sequência de uma colhida no dia anterior na arena de Linares (Jaén). “Já me quiseram dar um cheque em branco para eu colocar o valor que quisesse para vender estas peças que tinham como destino os Estados Unidos da América”, vai dizendo. No reduto das vestes, ao meio da sala forrada a madeira escura e chão de mosaicos cor de mel, mostra ainda um traje de luzes usado por Vítor Mendes. O matador de toiros português ofereceu-o ao forcado no dia em que deixou as pegas, há 3 anos, numa corrida na Moita. Ali por perto, está também o estoque afiado, de lâmina reluzente, usado por Rodolfo Gaona, grande figura das praças mexicanas e espanholas da década de 20. Cada objecto, de entre os milhares de fotografias, cartazes, recortes de jornais, livros, revistas, e fatos, contam pedaços da história da tauromaquia. Como é o caso dos velhinhos retratos do falecido Pedro Louceiro, um toureiro de Sousel (Alentejo) que se radicou no México. “Ele tinha um toiro bravo amestrado”, explica João Simões, apontando para uma foto onde se vê o toiro a sair de dentro de um Volkswagen “carocha”. Há outra onde o toureiro é fotografado a dar um beijo na cara do animal. Referências ao futebol também marcam presença. “Não é por ser benfiquista, mas porque tem a ver com a tauromaquia”, adverte mostrando um cartaz de forma triangular. Trata-se do anúncio a uma corrida de toiros para angariação de fundos para a construção do estádio da Luz. Vivia-se o ano de 1952 e um dos artistas do cartel era o cavaleiro de Almeirim Francisco Mascarenhas. Mas a menina dos olhos de água do forcado é uma réplica da praça de toiros do Campo Pequeno feita em cortiça. “Comprei-a há 11 anos por mil contos (5.000 euros) por telefone. O autor (Francisco da Graça Martins) ligou-me e fizemos logo o negócio. Quando a fui buscar levei o carro, mas tive que voltar no dia seguinte com uma camioneta porque ela não cabia no automóvel. Para a colocar no terceiro andar foi preciso uma grua de nove metros de altura”, lembra. Já lhe quiseram oferecer 25 mil euros pela praça, que apresenta o mais pequeno pormenor da real e é iluminada por dentro, mas João Simões respondeu com um redondo não. Também já a quiseram levar para uma exposição, mas o lema do dono do museu é “o que entra não sai”. “São objectos únicos e apesar de ter seguro tenho sempre receio que desapareçam”, sublinha num dos cantos da sala, onde por cima da cabeça repousa o mais antigo cartaz do seu espólio. É feito em seda, data de 1886 e refere-se a uma tourada no antigo Campo de Santana, actual Campo Pequeno. Para além das peças de museu, a sala comporta ainda um bar com um balcão, mesas de madeira, onde João Simões se reúne com os amigos nos petiscos. Há ainda um espaço com sofás frente a uma televisão encaixada num armário repleto de vídeos com corridas de toiros. “É aqui que me sinto bem. Nem se ouvem os carros na rua. Muitas vezes venho para aqui fazer as contas do dia”, refere o forcado que é também dono do restaurante “O Toucinho”, que foi o pioneiro da sopa de pedra. António Palmeiro
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