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O último cordoeiro da Ribeira

O último cordoeiro da Ribeira

Joaquim Jacinto ainda entrelaça as cordas manualmente

Na oficina do cordoeiro Joaquim Jacinto, na Ribeira de Santarém, os métodos artesanais vão resistindo à modernidade. O artesão das cordas, que transforma os coloridos fios de ráfia, sisal e algodão em peias para cavalos e cabrestos para o gado, não utiliza máquinas eléctricas. Com a roda que gira à manivela vai torcendo os fios que depois entrelaça pacientemente à mão. É o último cordoeiro da Ribeira de Santarém.

É sexta-feira, dia de mercado de gado no Centro Nacional de Exposições, em Santarém. O cordoeiro Joaquim Jacinto, 64 anos, levanta-se ainda de noite para montar a sua banca de cordas de todas as cores e feitios antes do nascer do sol.As peias para cavalos (corda para prender as patas dos animais), os cabrestos (arreios de corda) e as prisões feitos de coloridos fios entrelaçados de ráfia, sisal e algodão penduram-se na montra improvisada.Os criadores de gado, lavradores, lojas e algumas das mais prestigiadas quintas ribatejanas, como a Quinta da Alorna, a Casa Cadaval e a Fonte Nova, são os grandes clientes do cordoeiro, fiel ao ofício artesanal há mais de meio século. Na Golegã os artigos do cordoeiro também têm muita procura. É tudo produzido manualmente por Joaquim Jacinto na sua oficina, no Beco de Santa Cruz, na Ribeira de Santarém.A roda para torcer os fios das cordas e o ‘cipote’, objecto em madeira com quatro fendas que serve para entrançar fios de corda, são alguns dos utensílios que o cordoeiro usa para dar forma aos seus artigos. “É quase um trabalho de sapateiro”, compara.Na modesta loja/oficina ostenta um exemplar de corda para reboque dos veículos, que já vai sendo substituída. Fabrica também manualmente cordas para prender o “gado vacum” à manjedoura.O cordoeiro chegou a fazer prisões com as crinas dos cavalos. Hoje os gostos são diferentes. Mas ainda vai vendendo cordas grossas para os lagares que trabalham com as estruturas mais rudimentares. Há também espanhóis que compram as prisões porque no país vizinho não há quem faça arreios de corda iguais.A crise também já atingiu o cordoeiro, que se sente ultrapassado pela rapidez da produção maciça de cordas. Até no mercado de gado se nota o decréscimo de vendas. As novas leis não facilitam a vida aos criadores de gado, que por sua vez poupam nos arreios.Na oficina, ao lado do engenho de torcer a corda, estende-se uma longa e volumosa “barrigueira” branca que Joaquim Jacinto entrelaça pacientemente. “Serve para pear os cavalos quando o ferrador está a trabalhar”, elucida sem tirar os olhos da trança.O fabricante e vendedor de cordas trabalha quase sempre sozinho. De vez em quando conta com a ajuda da filha e do genro que lhe vêm dar uma mão, mas há certos pormenores do ofício que não agradam. É o caso das aselhas (laçada do arreio de corda) para prisões, que são feitas com a ajuda de um passador, que não é mais que um corno. Um dos mestres de Joaquim Jacinto costumava dizer-lhe que só se podiam fazer cordas com pelo menos três pessoas. “Costumo fazer apenas com duas pessoas e os fios faço-os sozinho”, descreve.Os rolos de corda que se avolumam na oficina vai buscá-los às fábricas. Há outros que lhe são oferecidos. “Junto o que é bom para um lado e o que não serve para outro”, resume.Na sua oficina artesanal trabalha das oito da manhã às oito da noite. Quando as encomendas apertam, a jornada de trabalho prolonga-se. Em dias de mercado só trabalha na oficina a partir das seis da tarde. Gosta de transformar os fios de sisal e ráfia em prisões, barrigueiras e cabrestos e evita fazer cordas em materiais mais artificiais, que também não agradam aos clientes. Cada prisão demora cerca de 20 minutos a fazer. As barrigueiras podem levar uma hora. O trabalho não é muito rentável, mas vai dando para sobreviver. “Não dá é para fazer fortuna”, garante.Joaquim Jacinto entrou na oficina de cordoaria aos sete anos. “Tinha que virar um caixote e empoleirar-me para conseguir chegar à roda”, recorda. Foi na oficina da Ribeira de Santarém, que ficava junto à ponte, que trabalhou mais de três décadas. Há vinte anos estabeleceu-se por conta própria. O ofício demora um bom par de anos a aprender. Mas talvez não seja apenas isso que faz afastar os jovens da profissão. Para o cordoeiro a actividade não atrai porque não é muito prestigiante. “É aquilo que aprendi e gosto muito. Mas quando digo que sou cordoeiro ficam a olhar. Não acreditam que este ofício é uma arte”.Ana Santiago
O último cordoeiro da Ribeira

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