Corte e costura
Maria do Céu Conde é costureira no Centro de Dia de Assentis, Torres Novas
Desde tenra idade que Maria do Céu Conde começou a cortar tecidos e fazer peças de roupa para os seus oito irmãos mais novos. Hoje, com 46 anos, continua a tratar da roupa, não dos seus, mas dos idosos do Centro de Dia de Assentis, Torres Novas.
Foi com a função de costureira que Maria do Céu Conde entrou, vai para 17 anos, no Centro de Dia de Assentis, concelho de Torres Novas. Mas o tempo de passar o dia agarrada à máquina de costura já lá vai. Actualmente, como encarregada da lavandaria, Maria do Céu passa menos horas de agulha e dedal na mão.Todos os dias são diferentes, todas as semanas idênticas. No centro de dia de Assentis, a segunda-feira de Maria do Céu Conde é dedicada a fazer o “rol” da roupa. É nesse dia que os utentes levam para o centro a roupa de sua casa, para ser arranjada, lavada e passada. Se a roupa não for muita, o ferro de engomar começa a funcionar na tarde de segunda-feira, prolongando-se o trabalho na terça-feira. Geralmente, quando está o grupo completo - três funcionárias a tempo inteiro e uma a meio tempo – Maria do Céu começa de volta da costura na quarta-feira.Fazer remendos, mudar colarinhos e pôr fechos é o tipo de coisas que a costureira costuma fazer. À sexta-feira a roupa está pronta para ser novamente usada. “À hora de almoço envia-se a roupa para os utentes do apoio domiciliário e à tarde, os que estão todo o dia no centro levam também a roupa para o fim de semana”.No intervalo da rotina semanal, a costureira ainda tem tempo para ir fazendo outras costuras. Agora, por exemplo, está a fazer aventais, palhaços e outros artigos para a venda de Natal que o centro vai realizar.Quando há hipótese, Maria do Céu também faz as batas que usam no dia a dia as suas colegas. Mas no centro não há tempo para estar parada. Todos os cortinados que existem no edifício foram feitos pela costureira. Maria do Céu faz também toalhas de mesa, almofadas para as cadeiras e tudo o que tenha a ver, em termos de tecidos, com a decoração do centro.Gosta da sua profissão, embora admita que às vezes “satura”. “Quando as coisas não correm como queremos é complicado”, diz a costureira que, no arranque do centro de dia, fazia de tudo um pouco. “Na altura as funcionárias eram poucas e todas tínhamos de saber fazer um pouco de tudo”, refere, adiantando que até chegou a assumir por uns tempos a cozinha.Quando se lhe pergunta o que é mais difícil fazer na costura, Maria do Céu demora a responder. Mas acaba por dizer que cortar os tecidos “é uma responsabilidade muito grande”. Porque a base da costura é o corte e se a peça não for bem cortada, já não há como voltar atrás.Apesar de ser por vezes stressante , a costureira diz que cortar tecidos acaba também por ser a parte mais interessante do ofício, “porque se puxa pela cabeça”. Nunca se lembra de estragar um pano, mas admite já ter feito coisas que calharam menos bem.Maria do Céu há muito que não faz roupas novas para os utentes do centro de dia. Mas muitas vezes tem de puxar pela imaginação para transformar peças velhas em menos velhas.“A maioria das roupas dos nossos utentes são peças já muito usadas”, diz a costureira, adiantando que a maior parte das vezes a sua função é mesmo “tapar buracos”. E às vezes aparecem peças que há muito não são usadas e que, quando saem da máquina de lavar, o tecido abre completamente. “Essas são as minhas maiores complicações”.E se há idosos que compreendem, outros nem tanto. “Alguns idosos são muito agarrados às suas coisas e às vezes não são muito compreensivos quando acontece algum percalço”, diz, adiantando todavia que nunca teve atritos de maior com algum idoso.Talvez por isso se recorde bem de uma situação mais complicada, acontecida já há alguns anos. Um dia um utente levou-lhe um casaco de sarja com aplicações de pele que estava bastante sujo. Com receio do que pudesse acontecer, a costureira foi falar com o dono do casaco tentando demovê-lo da ideia de lavar o casaco na máquina. Mas o idoso insistiu a Maria do Céu acabou por lhe fazer a vontade.Só que a pele estava tão ressequida que acabou por abrir. Mas o utente não se sensibilizou com esse facto e exigiu de volta o casaco com a pele intacta. “Na altura corri tudo à procura de pele preta e acabei por ir ter com um sapateiro de uma aldeia próxima. O senhor viu-me tão aflita que nem sequer me quis levar dinheiro pela pele”.Como o utente queria o casaco para uma data específica, Maria do Céu acabou por trazê-lo para casa, perdendo algumas noites a coser à mão todas as aplicações. “Não quero mentir mas passei duas semanas a fazer serões até às duas da manhã para ter o casaco pronto na data indicada. E no dia antes da entrega nem sequer à cama fui”, diz. Mas nem um obrigado recebeu por isso. “A pessoa em causa achou que não fiz mais que a minha obrigação”.Maria do Céu tem saudades de fazer roupa nova, embora ainda vá dando o gosto ao dedo costurando algumas peças para a filha. Mas admite que, depois das 17h30, quando sai do trabalho, tem tantas outras coisas para fazer em casa que o corte e a costura acabam sempre por ficar para segundo plano...Margarida Cabeleira
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