A terra que foi capital do reino
Vale do Paraíso é a freguesia mais pequena do concelho de Azambuja
No Vale do Paraíso a rede de esgotos está praticamente completa, as estradas alcatroadas e há médico quase todos os dias. A grande dificuldade da população maioritariamente idosa é ter que enfrentar os longos degraus do edifício da junta que funciona no primeiro andar.
Quem sobe pela serpenteada estrada de alcatrão vislumbra ao alto um povoado de pequenas casas brancas. Lá em cima fica o Vale do Paraíso. O nevoeiro da manhã ainda esconde a paisagem que deu nome à freguesia e que é o orgulho das gentes da terra.Em frente à igreja, no ponto mais alto da povoação, um grupo de homens enfeita o templo de luzes coloridas. São os preparativos para a Festa da Confraria de Nossa Senhora do Paraíso, a santa padroeira da terra. O dia da procissão, 18 de Dezembro, é uma das alturas mais esperadas do ano.No alto da torre pendura-se o relógio da Igreja que ainda serve de orientação aos mais velhos. José Pedro Pechoro, 71 anos, olha-o com nostalgia. No final dos anos 50 o pedreiro ajudou a construir a torre de um dos ex-libris da freguesia.O jardim perto da igreja serve de ponto de encontro dos anciãos da terra. Descansam nos bancos dos jardins enquanto aguardam que o centro de dia, com vista para a paisagem frondosa do vale, esteja concluído. Será um dos próximos equipamentos a estrear.Em frente à junta de freguesia, que funciona no primeiro andar de um edifício há vinte anos, meia dúzia de idosos aguarda pela hora de abertura. Espera-os um lanço de escadas apertado que torna o espaço público inacessível a pessoas com dificuldades de locomoção. Por vezes espera-se que alguém suba e dê um recado na secretaria da junta. Em breve os serviços vão mudar-se para o rés-do-chão do edifício que está a ser acabado do outro lado da rua.Apesar do espaço ser apertado é no edifício da junta que se fazem análises clínicas duas vezes por semana, serviço de correio, registo de cartas e pagamento de energia eléctrica, água e telefone. No imóvel há uma caixa multibanco e dois postos de acesso à Internet gratuitos.A mais pequena freguesia do concelho, com 460 hectares e cerca de 1200 habitantes, está bastante envelhecida. A freguesia já foi predominantemente agrícola, mas agora já ninguém vive do trabalho no campo. A maioria são reformados das duas grandes fábricas de automóveis de Azambuja, que abrigaram muitos dos trabalhadores do campo. A cultura do trigo e a vinha já foram duas grandes riquezas da povoação. Na terra chegou a fazer-se duas mil pipas de vinho, mas hoje esse número não chega aos 200.Pela freguesia espalham-se pequenas parcelas de terreno abandonadas, divididas por vários proprietários, que já ninguém cultiva. Nos últimos tempos os jovens casais não se têm fixado na terra e procuram outras localidades para viver. Alguns estudantes estão espalhados por universidades em todo o país, mas são poucos os que regressam à terra. Na freguesia não há emprego. O comércio resume-se a um pronto a vestir, cabeleireiro, loja de electrodomésticos, cooperativa, duas mercearias e três cafés. Falta uma farmácia. Uma exigência que ainda não conseguiram porque existem duas a menos de cinco quilómetros.No Vale do Paraíso os 25 alunos do ensino pré-escolar e os 43 estudantes do primeiro ciclo têm cantina, refeições gratuitas e Atelier de Tempos livres. A maior parte dos habitantes possuem transporte próprio, mas os autocarros públicos começam de madrugada a percorrer as apertadas ruas de Vale do Paraíso, onde é quase impossível dois veículos cruzarem-se.Na extensão de saúde de Vale do Paraíso há médico quase todos os dias da semana. A freguesia tem casa mortuária e mercado diário, mas é a única do concelho que não possui pavilhão polidesportivo. A rede de esgotos está praticamente concluída e as ruas estão todas alcatroadas. As acessibilidades não podiam ser melhores. A povoação fica a apenas três quilómetros do nó da Auto-estrada do Norte, em Aveiras de Cima, e a cinco de Azambuja.Parte do lugar de Casais dos Penedos também integra Vale do Paraíso, mas os 50 habitantes contam apenas para a freguesia por questões de recenseamento, já que vivem mais virados para Aveiras de Cima e Pontével (Cartaxo).Nos tempos livres os habitantes da freguesia dividem-se pela escola de música, banda, danças de salão, grupo de teatro, equipa de futebol da Associação Desportiva e Recreativa de Vale do Paraíso e Rancho Folclórico. Lá em baixo, no fundo do vale, encontra-se o tanque onde algumas mulheres ainda lavam a roupa à mão. O som do bater de umas calças na pedra, ali perto, ecoa em todo o vale. Perto do tanque ergue-se o que resta de uma torre de uma casa de fidalgos onde se abrigou D. João II em 1493 em plena época de peste. A freguesia foi capital do reino durante alguns dias. Dizem os historiadores que El Rei recebeu Cristovão Colombo em audiência e soube das boas novas das descobertas. E que “Val de Paraíso” foi por uns tempos “centro de governação dos territórios portugueses”.Tantos anos depois, a freguesia, um dos lugares mais antigos do concelho, continua a ser local de refúgio dos que abandonam a desenfreada corrida e procuram a pacatez da vida no campo. Onde o paraíso está ali tão perto.Ana Santiago
Mais Notícias
A carregar...