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Invernoso Serafim das Neves

Vi um Pai Natal de hiper-mercado dar uma pisadela num cachopo à sorrelfa. Foi no dia 24 de Dezembro à tarde. Horas antes da celebração do nascimento de Jesus Cristo. Vi e calei-me, solidário com o Pai Natal. A vítima da natalícia patorra estava a pedi-las há tempos infinitos. Os papás da vítima andavam distraídos a comprar-lhe mais um brinquedito de centena e meia de euros que ele destruiria no dia seguinte com sanguinário prazer. Se tivessem visto o que eu vi tinha sido uma escandaleira de alto lá com ela.Digo-te desde já que aquilo era uma confusão medonha. Tudo ao molho e fé em Deus. A música ambiente mal se ouvia. O tilintar das caixas registadoras fazia mais basqueiro que mil chocalhos de rena. O Pai Natal suava as estopinhas dentro da fatiota vermelha. Estava à beira da desidratação. Os miúdos mais pequenos berravam. Os mais matalotos trepavam-lhe para o colo e posavam para a fotografia. E havia aquele diabrete de palmo e meio às caneladas no velhote das barbas brancas que por acaso não devia ter mais de vinte anos.O Pai Natal não se queixava mas já devia ter as pernas negras. As botifarras do miúdo não eram para brincadeiras. Até a mim me estava a doer. Olhei à volta e ninguém estava a ligar pevide ao sofrimento do homem das prendas. Natal, tempo de paz e harmonia. O barbas olhou-me nos olhos como que a pedir desculpa ou a solicitar cumplicidade, depois levantou a patola meio metro e deixou-a cair em cima do pé direito do mariola de palmo e meio. Splash!!! Se tivesse sido em cima da minha unha encravada eu tinha mandado um berro que se tinha ouvido no Iraque. O catraio nem piou. Abriu os olhos de espanto e afastou-se a correr. Duma prenda assim não estava ele à espera, juro-te. Pisquei o olho ao assalariado natalício e fui à vida a assobiar uma cantigueta alusiva à quadra. Antes de ir em frente, é quase obrigatório falar-te das prendas que recebi. Uma gravata da loja do chinês, um after-shave que cheira a ácido sulfúrico e uma garrafa de wisky do Lidl. Tinha-te dito que acertava e acertei mesmo. As pessoas que insistem em oferecer-me prendas são muito previsíveis, como já percebeste. E comi a bacalhauzada com couves de lei. Ainda não foi desta que confessei à família que detesto couves e que o bacalhau só me sabe bem assado na brasa. Esta cobardia natalícia já funciona como penitência anual. Não há nada a fazer.Não há nada a fazer com as couves e o bacalhau nem com as exposições que se multiplicam por galerias municipais. Ando espantalhado de todo. E ainda dizem que a cultura está de rastos??!!! Quem diz tal coisa é porque anda a dormir. Peguei na edição da semana passada de O MIRANTE e pus-me a contar. Quase cinquenta. Meia centena. Exposições para todos os gostos. De alhos e bugalhos. De rendas e de bordados. De bonecas de gesso pintadas à mão e de desenhos a carvão. De aguarelas e de estanhos.Nesta altura já há mais escritores que leitores. Mais artistas de teatro que espectadores. Não tarda muito haverá mais exposições que visitantes. E é bem feita! Vê lá tu que até a nossa amiga Rita deu em artista. Estás espantado?? Telefonou-me a convidar-me para a inauguração de uma mostra de aguarelas. Coisa fina. Acho que até lá vai estar o vereador da cultura e o próprio presidente já disse que é muito capaz de marcar presença. Eu não falto. E espero lá por ti. Ela disse-me que vai fazer aqueles croquetes que só ela faz. E o tinto é uma reserva da adega do pai de 1994.Cumprimentos góticos e boas entradasManuel Serra d’Aire

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