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O negócio da sorte grande

Emílio Rio é cauteleiro em Azambuja

O cauteleiro Emílio Rio vende a sorte grande pelas ruas do concelho de Azambuja. A viagem pelas aldeias é feita, muitas vezes, na carrinha do homem do tabaco. O percurso torna-se menos solitário e mais seguro.

É manhã de segunda-feira, 22 de Dezembro. Ao meio dia a lotaria do Natal anda à roda. Dez milhões de euros. O cauteleiro Emílio Rio, 46 anos, vendedor da sorte grande nas ruas do concelho de Azambuja, já vendeu a última cautela. É raro acontecer, mas este ano conseguiu despachar o jogo todo. Seguem-se as apostas para a taluda do ano novo.Todos os dias o cauteleiro sai à rua para vender a sorte grande. Apanha o autocarro ao início da manhã, nos Casais de Baixo, e toma o pequeno almoço no café de sempre.Os clientes já o conhecem bem e por isso Emílio Rio não precisa de andar com o jogo à mostra. Dispensa o pregão “do tempo de Salazar” e prefere vender os bilhetes de forma discreta.Não tem zona certa para trabalhar. Aproveita normalmente a boleia do distribuidor de tabaco para calcorrear as ruas das aldeias dispersas do concelho. Enquanto o camarata descarrega a mercadoria, o cauteleiro aproveita para vender o jogo. A viagem torna-se menos solitária e mais segura. A carrinha do tabaco já foi assaltada e Emílio Rio lembra que, de quando em vez, se ouve a notícia de que um cauteleiro foi surpreendido pelos amigos do alheio.O vendedor de cautelas percorre as ruas de Azambuja, Vila Nova da Rainha, Aveiras de Cima, Vale Brejo, Casais de Baixo e Ota. Há dias em que o trajecto se prolonga até Valada, Reguengo e Casais Lagartos, no vizinho concelho do Cartaxo. Outras vezes, vende cem Alcoentre, Manique do Intendente, Casais das Boiças, Casais Penedos e Casais da Amendoeira. O seu dia começa às 9h00 e prolonga-se muitas vezes até às 22h00.O preço das cautelas varia entre o euro e meio da lotaria popular e os 10 euros da lotaria nacional. Em semanas mais rentáveis, chega a vender quase uma centena de cautelas. “Se alguém vê uma pessoa comprar uma cautela pede outra logo a seguir com medo de não ganhar”, exemplifica. Mas o cauteleiro queixa-se da concorrência. Em quase todos os locais de venda de jornais e aluguer de vídeos se promete a sorte grande. Quando apanha o comboio, ao domingo, para ir até Lisboa visitar a fa-mília, aproveita para levar alguns bilhetes e vender uns quantos números. Há quem se ache num momento de sorte e troque alguns euros pela esperança de ganhar a taluda.Há dez anos, havia quem comprasse meia cautela. Hoje os clientes já compram uma inteira, mas reclamam sempre que nunca há prémio. Mesmo assim, Emílio Rio pode orgulhar-se de já ter vendido na Azambuja, há seis anos, o segundo prémio da lotaria popular no valor de 1500 contos. As raspadinhas do cauteleiro também já valeram a três conterrâneos um grande prémio no concurso de televisão Roda dos Milhões.O cauteleiro de Azambuja não costuma apostar na sorte grande. De vez em quando, preenche as quadrículas do totoloto e espera que a sorte bata à sua porta. “É o meu ganha pão. Tem que se fazer a féria”, justifica. Só por uma vez a venda do jogo lhe deu prejuízo. Sobraram seis cautelas na véspera da lotaria popular andar à roda. O cauteleiro passou mal a noite e não teve tempo de ir a Lisboa devolver os bilhetes para receber de volta o dinheiro. Mas, normalmente, a sorte está do seu lado. Emílio recorda um dia em que foi vender a lotaria às mulheres que lavavam roupa no chafariz de Manique do Intendente. Quando se dobrava para matar a sede o jogo caiu à água. Os números já estavam a desbotar quando passou um homem de bicicleta que lhe comprou as 30 cautelas para a lotaria nacional. “Estava com a ‘fézada’ de que ia sair a sorte grande”, recorda o cauteleiro.Emílio Rio gosta do contacto com as pessoas, mas aborrece-o o trabalho repetitivo da venda da sorte grande. “Encontram-se pessoas muito sérias, mas também é preciso estar com muita atenção para não ser enganado”, garante.Vende cautelas da lotaria há mais de um década. A margem de lucro é muito curta, mas permite-lhe subsistir com a ajuda dos 190 euros que recebe de reforma por invalidez. Há 27 anos um acidente de bicicleta deixou-lhe o braço direito paralisado. Um familiar arranjou-lhe emprego numa fábrica de têxteis, mas pouco depois a empresa faliu e Emílio Rio teve que procurar outro sustento. Há 13 anos, foi viver para Casais de Baixo. Tentou fazer criação de gado, mas o negócio não lhe sorriu. A necessidade obrigou-o a encarar a venda das cautelas como uma forma de subsistência. Chegou a comprar os bilhetes da lotaria a um comerciante de Rio Maior a quem pagava depois de vender o jogo. Hoje é à Rua da Prata, em Lisboa, que vai comprar as cautelas que prometem fortuna. A sorte grande é o seu negócio. Ana Santiago

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