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A aldeia dos emigrantes

A aldeia dos emigrantes

Maçussa é uma terra em risco de desertificação

Maçussa é uma terra em risco de desertificação. Quem não emigrou à procura de vida melhor vai resistindo numa freguesia sem rede de esgotos e más acessibilidades. Este ano a escola do primeiro ciclo fechou por falta de alunos.

As ruas estreitas da aldeia de Maçussa estão quase desertas. De vez em quando vislumbra-se ao longe o vulto pesado de uma mulher vestida de luto que sobe em direcção ao alto da freguesia. Há muito que os filhos da terra deixaram para trás a pequena aldeia do concelho de Azambuja e partiram à procura de dias melhores.Na década de 60 e 70 grande parte da população emigrou com destino à França, Alemanha e aos Estados Unidos. Muitos deixaram a família durante anos e alguns voltaram para levar quem cá ficou. Poucos foram os que regressaram de vez. Hoje vive-se na sombra do tempo em que não era preciso sair do país para sobreviver. Em frente ao café do posto de abastecimento de Maçussa, propriedade da junta de freguesia, um grupo de homens conversa aproveitando os primeiros raios de sol. Já estiveram quase todos emigrados. Lembram o tempo em que a agricultura e o vinho eram a fonte de rendimento da freguesia. “Hoje a agricultura está morta”, garantem. As vinhas que se espalham pelas encostas da aldeia estão ao abandono. Nos tempos áureos a freguesia produzia 12 mil pipas de vinho. A Maçussa era então um grande centro de produção vitivinícola. Hoje o preço a que o vinho se vende não compensa, queixa-se José Manuel Clemente, 61 anos, reformado. A agricultura moribunda ainda vai ocupando os dias dos anciãos da terra. Os mais novos trabalham como operários nas fábricas e armazéns de logística de Azambuja. Os que têm formação superior saem à procura de melhores condições de vida. A freguesia vive mais virada para o concelho vizinho do Cartaxo do que para a sede de concelho. Os quatro autocarros diários apenas dão ligação à cidade que fica ali lado. Não existe ligação rodoviária com Azambuja embora as paragens de autocarro tenham a insígnia do município. Quem tem que recorrer aos transportes públicos para ir até à vila perde um dia inteiro nas mudanças de autocarro. A atalhar por entre as freguesias do concelho do Cartaxo são cerca de 20 quilómetros até chegar a Azambuja. Alguns habitantes deslocam-se todos os dias para o trabalho em Lisboa por amor à terra. Os veículos próprios e os táxis são a salvação de quem ali vive.Na aldeia não há lar de idosos e os que mais precisam recebem apoio domiciliário do Centro Paroquial da Ereira (Cartaxo), que entrega refeições, faz limpeza à casa e trata da higiene pessoal e lavagem de roupa. A única ligação dos habitantes à Azambuja só acontece quando se trata de pagar impostos.Na freguesia, com apenas 400 habitantes, não há emprego e a rigidez do plano director municipal impede os jovens casais de construírem casa e criarem raízes. Só alguns recuperaram casas de família na aldeia para passar os fins de semana. Este ano a escola fechou por falta de alunos. Os encarregados de educação dos cinco meninos em idade de frequentar o primeiro ciclo preferiram levá-los para a freguesia vizinha de Manique do Intendente, onde existe atelier de tempos livres. Na terra resistem três mercearias. O mercado funciona duas vezes por semana, mas só com venda de legumes e peixe. O talho da freguesia já fechou portas.No gabinete cedido pela presidente no edifício da junta o médico dá consultas duas vezes por mês. É também lá que está instalado o multibanco, a biblioteca e o posto de ligação à internet que regista pouca procura. Na freguesia há casa mortuária e dois parques infantis quase sempre vazios. O bar da Associação Recreativa Desportiva e Cultural da Maçussa é um dos locais onde os conterrâneos passam grande parte do tempo. O saneamento básico da freguesia está a zero. Existe uma Estação de Tratamento de Águas Residuais, mas nunca chegou a entrar em funcionamento. Esta é uma das grandes lutas da presidente da junta, que também aguarda pela prometida melhoria da estrada do Atravessado, um caminho perigoso que é preciso percor-rer para entrar na Maçussa. A freguesia estende-se por uma área de 700 hectares acidentados. O nome advém de “maçusso” ou “maciço” que significa monte ou colina. A palavra derivou depois para Maçussa. As paisagens da aldeia são salpicadas por pequenos pontos brancos. São os rebanhos de cabras que dão origem ao famoso queijo produzido por Adolfo Henriques, também proprietário do “Baile” um bar e restaurante da freguesia.Em frente à escola do primeiro ciclo, portões abertos e ar de abandonado, passa uma mulher apoiando na anca um alguidar coberto por um pano. No interior conservam-se ainda quentes os tradicionais bolos de noivo de Maçussa ou fogaças. São pequenos, redondos e secos e acabados de sair do forno. “Antigamente ofereciam-se nos casamentos, mas como agora ninguém se casa fazemo-los no Natal”, explica a doceira.Esta é uma das últimas tradições da freguesia. Com a diminuição da população os hábitos vão passando ao esquecimento. Permanece ainda o “Pão por Deus”, as fogueiras dos Santos Populares e a centenária festa em honra do mártir São Sebastião que começa a 25 de Dezembro e prolonga o Natal na aldeia por mais dois dias. Enquanto a época não chega as mulheres recolhem-se em casa na azáfama dos preparativos. Lá fora, respira-se o ar saudável da aldeia. Do moinho, o ponto mais alto da freguesia, avista-se uma longa encosta pintada de verde fresco com ervas que dançam ao ritmo do vento.Ana Santiago
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