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A terra onde se produzia o melhor azeite do país

Malhou, no sul do concelho de Alcanena

Malhou é uma terra conhecida sobretudo pela boa cozinha, que atrai visitantes de vários pontos do país. Freguesia que nos últimos dois séculos pertenceu a três concelhos, apresenta ainda algumas carências ao nível dos cuidados de saúde e de equipamentos para idosos. O afamado azeite que ali se produziu já quase passou à história.

Hoje, é inevitável falar da freguesia do Malhou sem referir o restaurante cujo nome se confunde com a própria toponímia da terra e é o principal cartão de visita desta pequena freguesia do concelho de Alcanena. Mas a fama de Malhou já conheceu momentos altos noutros tempos devido ao azeite que ali se produziu e que era tido como o melhor do país.Chegou a haver nove lagares em funcionamento. Agora só um deles trabalha, no lugar de Chã de Cima, que também pertence à freguesia. Os outros tiveram que encerrar porque os seus proprietários não tiveram continuadores ou porque o cumprimento da actual legislação impunha investimentos incomportáveis. Um desses lagares, na sede da freguesia, foi adquirido pela junta para aí instalar um museu.Para além da boa cozinha, que atrai clientes de norte a sul do país, o restaurante é também responsável pelo embelezamento do centro da aldeia. “Num sábado, há cerca de 3 anos”, conta o presidente da junta, Manuel Magalhães dos Santos, “estava em Alcanena e houve uns senhores que me perguntaram onde era o restaurante Malho. Vinham do Porto e eu disse-lhes para seguirem atrás de mim. Quando cheguei ao largo senti-me envergonhado. Estavam lá cinco indivíduos o mais mal encarados possível e o centro da aldeia era uma casa com os vidros todos partidos cheia de lixo, achei que isto não podia continuar”. A igreja dedicada ao Divino Espírito Santo, uma das mais bonitas do distrito, situa-se nesse largo, agora calcetado e arranjado com árvores e bancos porque a tal casa velha foi abaixo. Mas ainda falta alguns investimentos para o trabalho estar concluído.“É importante dignificarmos o largo convenientemente porque há muita gente que vem casar a esta igreja e depois faz a festa no Malho”, justifica Cristina Franquelim, secretária da junta.A freguesia do Malhou tem 900 habitantes repartidos por três lugares: Malhou, Chã de Cima e Moita, um povoado divido pelos concelhos de Santarém e de Alcanena. Chã e Moita, os dois juntos, não chegam aos 150 habitantes e há muitos anos que não nasce uma criança por aqueles lados.Em Chã o habitante mais novo anda pelos 10 anos e tem de brincar sozinho, a seguir a ele só uma rapariga de 18 anos. “Na Moita ainda é pior”, acrescenta Cristina Franquelim. No Malhou o problema não é tão grande, mas o presidente da junta está apreensivo com o número de solteiros que existem: “As pessoas não ligam muito a isso, mas a mim preocupa-me que entre os 25 e os 40 anos haja uns 30 solteiros, homens e mulheres. Só numa casa são quatro”, diz Manuel Magalhães.Para as crianças que ainda vão existindo há um jardim de infância, uma escola do primeiro ciclo e a junta investiu em ateliês de tempos livres. “A câmara vai construir uma sala de apoio entre as duas escolas para aí serem servidas as refeições”, informa o presidente.Pior estão os idosos. A freguesia tem apenas uma sala de convívio, mas torna-se urgente a construção de um centro de dia. “Ultimamente as pessoas já se juntam no centro de convívio mas não chega, precisávamos de um centro de dia onde fosse possível servirem-se refeições”, reconhece Cristina Franklin.A nível de saúde as coisas também não estão bem. O médico vem duas vezes por semana – “mas falta muito”, dizem – e a enfermeira não quer fazer tratamentos em Malhou. “Temos posto médico em condições, mas ela diz que faz os tratamentos na Louriceira”, desabafa a secretária da junta, que continua: “Mas não há transporte para lá e a maior parte das pessoas são idosos. Como há uma rivalidade entre o Malhou e a Louriceira, preferem ir a Alcanena”.A origem da rivalidade talvez remonte ao tempo em que Malhou pertencia à freguesia de Nossa Senhora da Conceição (Louriceira). Posteriormente, a autarquia de Malhou, criada no século XVI, passou para o concelho de Pernes. Com a extinção deste município foi integrada no concelho de Santarém. Por fim, com a criação do município de Alcanena passou a integrar esse concelho.O nome da freguesia está envolto em história. Os eruditos dizem que Malhou significa “freguesia das marcas” ou “terras do termo”, mas a lenda tem outra versão. Conta-se que D. Afonso Henriques pernoitou nestas terras a caminho de Santarém, acordou ao som do malhar do ferro e gritou para os soldados: “levantai-vos que o ferreiro já malhou”. Para além dos problemas já referidos, a actual junta diz que o maior entrave ao desenvolvimento da freguesia são as restrições impostas pelo Plano Director Municipal. “O PDM limita-nos muito. Há gente que tem terrenos, que queria construir aqui e não pode”, lamenta.Viver no Malhou é estar longe e a apenas cinco quilómetros da sede do concelho. A estrada nacional que leva a Pernes não está nas melhores condições, mas vale a pena ir até lá. Ainda por cima se, para além de tomar uma boa refeição, passear pela fonte do Ribeiro e assistir a uma peça de teatro do grupo amador do Associação. São 16 actores, encenados por Vicente Batalha, que representam por gosto e porque o “teatro é uma boa terapia”, diz quem sabe.Margarida TrincãoA poetisa de MalhouChama-se Maria da Conceição Gomes dos Anjos, mas em Malhou é conhecida pela Maria do Pechincha - alcunha herdada do marido – Tem 73 anos e é uma “poetisa” popular que tem sempre uma quadra na manga. Para além das quadras tem sempre uma anedota picante na ponta da língua e boa disposição para repartir.“Como tenho dificuldade em dormir e faz muito frio para ficar a ver televisão, deito-me e escrevo. Se morrer de repente, quem me encontrar acha debaixo da cabeceira um monte de papéis e canetas”.A veia poética vem de longe - “Já em 1961, quando rebentou a guerra em África, escrevi uns versos para o meu cunhado que fez tropa lá” - explica. Antes das quadras passadas ao papel cantava no campo à desgarrada. A enxada nas mãos e uma quadra pronta na garganta. “Respondia a duas ao mesmo tempo”, diz com orgulho.O filho da vizinha, que se formou em medicina, também teve direito a ver o seu feito contado em quadras como esta: “Ajudai Senhor este estudante/Que a vida vai começar/Para que trate qualquer doente/Que à mão lhe venha parar”Mas não é só por fazer quadras que Maria do Pechincha é conhecida. Nascida no campo, filha de trabalhadores rurais, habituou-se a ler no céu e aperceber-se pelo canto das aves o tempo que vai fazer. “É a nossa meteorologista”, diz uma vizinha e amiga para quem Maria do Pechincha já escreveu alguns versos.“Este não vai ser um ano de água, vão ver”. O sinal chegou em Setembro quando durante a lua nova não choveu nem trovejou: “Diziam os antigos que em Setembro lua nova trovejada seis meses é molhada e em Setembro não trovejou”, esclarece a anciã.Mas há mais. Maria do Pechincha conhece o canto do cavalo rinchão, um pássaro que ninguém vê e que quando canta assinala que há ventania por perto. “Nunca o vi, mas ouço e já se sabe que sempre que canta vai fazer vento”, afirma com toda a certeza. E a finalizar vem a “vaca esfolada”, que é sinal de chuva. “Quando ao nascer do dia o céu está cheio de nuvens e junto ao sol a gente vê a vaca esfolada, uma linha muito luminosa, nesse dia ou no seguinte chove que nunca mais acaba”.

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