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O último dos segeiros

O último dos segeiros

António Bento constrói e restaura charretes há 65 anos

O segeiro António Bento é um dos últimos construtores de charretes em Portugal. Depois de 65 anos de profissão ainda dedica parte dos seus dias ao restauro de exemplares que chegam de todo o país à pequena aldeia de Casais das Comeiras, freguesia de Aveiras de Cima, Azambuja.

O som cadenciado do trote de um cavalo ecoa na pequena aldeia de Casais das Comeiras, freguesia de Aveiras de Cima, Azambuja. O segeiro António Bento, 80 anos, acaba de chegar à sua oficina. É um dos últimos construtores e restauradores de charretes em Portugal. Depois de 65 anos dedicados ao fabrico e restauro de charretes, António Bento ainda ocupa parte dos seus dias a dar vida aos carros que clientes de todo o país vão deixando para conserto. Por debaixo de uma das galerias da oficina descobre-se um modelo único criado pelo segeiro e inspirado nos exemplares ingleses. António Bento sonhou com a obra e no dia seguinte desenhou-a num pedaço de madeira. A “Milord” é um carro de colecção privada construído integralmente pelo artesão. “É um carro de família conduzido na boleia. Tanto dá para engatar um como dois cavalos”, explica o especialista. Quatro elegantes rodas suportam o carro que sai da cocheira em dias de festa. Uma lanterna, campainha de pé e estofos completam o sofisticado carro de tracção animal. A Festa dos Fazendeiros, em Pontével, a feira da Golegã e a Feira de Maio de Azambuja são eventos que o segeiro faz questão de visitar conduzindo a charrete de colecção. A “Vitória”, um carro dedicado à rainha inglesa, é outro dos muitos exemplares que já passou pelas mãos do artífice. É um carro com quatro rodas e conduzido atrás com capota. Na galeria de António Bento descobre-se ainda um breque, uma carruagem de quatro rodas com o assento da boleia alto e duas bancadas trabalhadas em madeira, que o segeiro está a terminar. A profissão de segeiro demora muitos anos a aprender. As rodas construídas em ferro e madeira são uma das maiores dificuldades da profissão, mas é o que mais agrada a António Bento. “Tanto posso trabalhar o ferro como a madeira”. Na oficina, junto à sua residência, solda o ferro das carruagens e tem um outro espaço reservado ao trabalho com a madeira. Na oficina espalham-se formões, trinchas e serras. Trabalha com madeiras nacionais como o azinho, freixo e nogueira, que compra a armazéns da região, mas também com madeiras exóticas como o mogno e a faia. Os estofos das charretes, as borrachas e a peça torneada do centro da roda são as únicas componentes que António Bento encomenda. De resto todas as peças são preparadas no interior da sua oficina ao som da telefonia que o segeiro não dispensa. Até os parafusos são manufacturados para não fugirem ao estilo tradicional Um coche pode demorar seis meses a construir, mas António Bento optou sempre por intercalar o trabalho de construção com o restauro e nunca se dedica exclusivamente a uma peça. Os preços de uma charrete podem variar entre os 2500 euros e os 15 mil euros. O segeiro nunca teve um horário certo de trabalho. Passa as manhãs na oficina e muitas vezes faz serão. Mesmo assim já é obrigado a recusar muito trabalho. Além de se dedicar ainda ao ofício, António Bento “amanha as fazendas” e “engata o cavalo” que o acompanha nas voltas que dá pela terra. Ao longo da sua profissão sempre se dedicou mais ao arranjo que ao fabrico de charretes. Mesmo quando começou a trabalhar por conta própria. “Não tinha tempo para construir carros novos. Os clientes não me deixavam”. António Bento começou como aprendiz de carpinteiro de construção civil, seguindo os passos do avô, especialista em moinhos de vento e azenhas. Aos 15 anos foi aprender o ofício de segeiro na oficina de José Maximiano, em Aveiras de Cima. Ganhou o gosto pelo trabalho com carros de cavalos e desde aí nunca mais largou a actividade. Na altura em que o segeiro começou a aprender o ofício os carros de cavalos ainda eram muito usados. Quando começaram a aparecer os automóveis os segeiros dedicaram-se também ao arranjo dos carros de trabalho (carros de bois). Foi sobretudo nas últimas três décadas que o interesse pelos carros de cavalos voltou a intensificar-se. António Bento lembra que os primeiros automóveis tinham rodas de madeira semelhantes às dos carros de tracção animal. Foram os carros de cavalos que inspiraram as modernas máquinas. O segeiro é fiel ao ofício e o seu meio de transporte privilegiado é a charrete. Nunca foi inclinado para os motores e fez questão de nunca tirar a carta de condução. O ofício que António Bento escolheu permitiu-lhe subsistir de “cara lavada”, mas assegura que é um trabalho que não dá para fazer fortuna. Hoje a arte só interessa aos coleccionadores e o segeiro só lamenta que na família o ofício não tenha continuidade. Ana Santiago
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