A aldeia mais portuguesa do Ribatejo
Na Azinhaga, concelho da Golegã, a população tem o essencial e até pequenos luxos
Se há terra da qual as pessoas se podem orgulhar, a Azinhaga é uma delas. Ali pouco ou nada falta aos moradores. A população da “aldeia mais portuguesa do Ribatejo”, como diz a placa de 1938 que recebe o visitante vindo da capital de distrito, vive rodeada do essencial e de pequenos luxos.
Venha de Norte (pela Golegã) ou de Sul (do lado de Santarém), o visitante tem sempre a mesma paisagem antes de entrar na freguesia de Azinhaga. Campos e mais campos verdejantes, onde se cultivam maioritariamente milho e beterraba, grandes aspersores de rega deitando jactos de água sobre o manto verde e muitos tractores, nos terrenos e também na estrada.Dentro da aldeia, os tractores são substituídos pelas bicicletas. É ver pequenos e graúdos a pedalar pelas boas estradas da sede de freguesia, sem se mostrarem preocupados com as muitas lombas pretas e amarelas que se tornaram agora moda.Entrando pelo lado Norte, a placa a anunciar a aldeia aparece oito quilómetros depois de se ter atravessado a vila da Golegã e uns metros antes da primeira rotunda, onde outras placas informam quem chega do que ali pode usufruir. Pavilhão polidesportivo, campo de futebol (com piso de terra, mas boas bancadas cobertas), piscina e court de ténis são algumas das infra-estruturas existentes que fazem de certeza inveja a muitas vilas deste país.Numa incursão pelas ruas da Azinhaga percebe-se que as pessoas têm orgulho na terra. As ruas estão limpas, as casas caiadas de branco e amarelo, uma prática alentejana há muito adoptada pelas gentes ribatejanas.Aliás, há na Azinhaga algumas “costelas” alentejanas, do tempo em que a Sociedade Industrial de Concentrado (SIC) de tomate empregava directamente mais de mil pessoas, muitas oriundas do Alentejo que, quando a fábrica fechou, nos anos 80, acabaram por ficar na aldeia.É nessas instalações, agora abandonadas, que o presidente da junta gostava de ver nascer um nicho de empresas capaz de suprimir o desemprego na aldeia e fixar as pessoas que dali saem diariamente para os seus empregos. Actualmente há na aldeia três empresas de construção civil e uma oficina de reparação de automóveis e máquinas agrícolas.Como em qualquer lugar, há gente idosa na Azinhaga mas, ao contrário de outros locais, gente nova também não falta. Há duas escolas primárias e um jardim de infância, todos com lotação esgotada.A freguesia é coberta a cem por cento pela rede de água e esgotos, coisa ainda rara, e o lixo é recolhido a tempo e horas dos caixotes e dos ecopontos. A Santa Casa da Misericórdia alberga no centro de dia cerca de uma vintena de idosos e no centro de saúde dois médicos cuidam das maleitas da população em dias alternados.Na papelaria recebe-se e distribui-se o correio e as encomendas, no multibanco da agência da Caixa de Crédito Agrícola há quase sempre dinheiro em “caixa”. Mercearias, cafés e restaurantes completam o leque de equipamentos, sem esquecer uma clínica dentária e duas cabeleireiras.Junto ao edifício da Junta, a biblioteca ostenta o nome do Nobel da literatura. Lá dentro não falta um livro de José Saramago, filho da terra e orgulho da população.Os jovens adquiriram desde cedo o espírito corporativo da aldeia, dando vida às muitas colectividades da região.No Azinhaga Atlético Clube, por exemplo, joga-se a sério à bola. O escalão de futebol de onze milita actualmente na II Divisão Distrital e as equipas de futsal também vão dando boa conta de si. Equipas no plural porque na Azinhaga as mulheres também fazem valer os seus dribles e toques de bola, levando a que recentemente nascesse uma equipa feminina de futsal.A centenária Sociedade Filarmónica Primeiro de Dezembro dá música por esse país fora e ainda consegue ter uma escola de aprendizagem. As danças e os cantares tradicionais são avivados pelo rancho Campinos da Azinhaga, que ainda no ano passado actuou na Bélgica. Sem esquecer também o agrupamento de escuteiros 1202 e o recente clube de motards.O bodo é a festa mais emblemática da aldeia e acontece de quatro em quatro anos, tendo-se a última realizado o ano passado por altura do Espírito Santo (Junho). Assemelha-se em tudo à distribuição da peza que acontece na mesma altura, uma vintena de quilómetros mais a norte, durante a Festa dos Tabuleiros de Tomar.Também aqui existe a figura do mordomo, não um mas vários, que têm de se candidatar ao lugar, garantindo para isso que vestirá uma rapariga “dos pés à cabeça”. Têm de ser três fatos, um para cada dia da festa. Nos dois primeiros dias procede-se à recolha do pão, dado pelos moradores, e pelo vinho, comprado pela comissão da festa. As carroças puxadas pelas mulas percorrem as localidades da freguesia, primeiro na recolha, depois na distribuição do pão e do vinho. Antes de ser distribuído de casa em casa, o pão é benzido pelo pároco da freguesia.A carne, das vacas fornecidas pelas muitas quintas existentes na freguesia, é o prato forte da festa. Depois de desempenharem o seu papel, participando nas chamadas corridas à corda, as vacas são mortas no matadouro e a sua carne é assada no jardim público para toda a população. O ponto final da festa é dado por um brilhante fogo de artifício nocturno.O dia a dia vive-se com calma na aldeia tipicamente ribatejana, onde a falta de cavalos e touros é suprimida pelas coudelarias. No largo central da Azinhaga, três homens descansam nos bancos de madeira, à sombra do arvoredo. Manuel Légua, o Xico do Táxi e o antigo coveiro da junta António José dão dois dedos de conversa enquanto, a escassos metros, Fernando Feijão “Malcriado” e Jorge “Gago” intitulam-se “as caras mais bonitas do sítio” e, entre graçolas, rivalizam por uma flash da máquina fotográfica.Pelos vistos não há gente mal disposta na Azinhaga, uma aldeia onde o único senão é dado pelo (mau) cheiro que emana do rio Almonda. Por causa disso, ainda há na aldeia um sonho a concretizar – um passeio ribeirinho, onde se possa dar um mergulho e fazer uns piqueniques...Margarida Cabeleira
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