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Companhia das Lezírias – A razão da Natureza ou a força do dinheiro

Fez anteontem 168 anos que a Rainha D. Maria II autorizou a venda das propriedades de que se compunham as Lezírias do Tejo e Sado as quais vieram a ser arrematadas em 25 de Junho desse mesmo ano (1836), pela Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, expressamente constituída para esse efeito.Não pretendo falar da evolução desta empresa que desde então passou a ser uma referência no panorama da agricultura nacional e que chegou aos nossos dias sendo, também, um marco no património natural do nosso país. A Companhia das Lezírias ainda hoje se estende desde a saída da Ponte de Vila Franca de Xira e percorre quase ininterruptamente todo o espaço até ao cruzamento do Infantado, ocupando assim, não só grande parte da lezíria a sul da recta do Cabo (Concelho de Vila Franca de Xira) como também do triângulo definido pelas estradas nacionais n.º10, 118 e 119 (Concelho de Benavente).Olhando para o mapa de Portugal, rapidamente nos apercebemos da enorme importância do território marcado pela Companhia das Lezírias como vértice dum triângulo constituído ainda pela Serra da Arrábida e pela Serra de Sintra.Se nos deslocarmos da foz do rio Tejo, na margem norte até Vila Franca de Xira e na margem sul até Alcochete e observarmos atentamente todos os atropelos urbanísticos ali cometidos ao longo das últimas décadas, penso que ficaremos ainda com uma imagem mais clara da enorme importância e riqueza que hoje constitui todo aquele espaço natural onde se insere a Companhia das Lezírias. Não preciso sequer referir a acuidade maior que a Ponte Vasco da Gama veio emprestar a esta tese.Quando em Dezembro de 91 fui convidado para o Conselho de Administração da Companhia das Lezírias, das orientações e objectivos pretendidos para a minha administração, surgia como prioridade a preparação da empresa para a sua privatização.Aceitei o convite e iniciei o trabalho com o prazer e a alegria que sempre dediquei às coisas que tenho feito na vida. Chegado à Companhia, a par do acompanhamento e do inteirar das diversas actividades, fui igualmente procurando conhecer as suas raízes e a sua história. Passaram pelas minhas mãos inúmeros documentos, muitos deles centenários, e alguns contendo relatos e discussões duma realidade impressionante.Fiquei a conhecer melhor as polémicas movimentações e manobras aquando da formação da Companhia entre os que pretendiam a constituição dum enorme latifúndio (o que veio a ser acolhido pela Rainha D. Maria II) e aqueles que defendiam a criação de centenas de propriedades (entre 500 a 600). Aqui merece uma referência especial o empenho corajoso das gentes do Cartaxo lideradas pela sua Câmara Municipal de então.Passados poucos meses da minha entrada para a administração da Companhia das Lezírias, transmiti ao Governo a minha discordância quanto à privatização da empresa e expliquei detalhadamente todos os meus argumentos, alguns dos quais já referi neste texto e outros que não acho ainda oportuno fazê-lo. O Governo aceitou e deu luz verde para avançar com a proposta da minha Administração, de permitir a todos os rendeiros de terras da Companhia, assumirem a posse plena da terra que, nalguns casos era explorada pela família há mais de 100 anos. Deu ainda o Governo luz verde à criação de empresas agrícolas familiares com a instalação de dezenas de jovens agricultores em condições que lhes permitiram olhar o futuro com esperança e optimismo fundado.Basta fazer uma comparação com todas as outras entregas de terras feitas no nosso país para verificar o êxito desta iniciativa e o seu alcance social e económico.Passados alguns anos, com a chegada do Partido Socialista ao Governo, voltou à ordem do dia a privatização da Companhia.Apesar de já não estar na Administração da empresa, tomei a iniciativa de falar com o Ministro da Agricultura para lhe lembrar a exposição que tinha feito a deputados do P.S., que visitaram a Companhia das Lezírias em 1992, e que ele integrava, tendo recebido inteira concordância para com as minhas ideias. Respondeu-me, no seu gabinete no Terreiro do Paço: “Pois, é verdade, mas a pressão do Ministro das Finanças”…! Respondi-lhe que um dos grandes problemas da Agricultura Portuguesa é que a maior parte do tempo o Ministro da Agricultura é o Ministro das Finanças.Temos novo Governo, voltou à baila a privatização da C.L. e hoje, até porque à medida que o tempo passa as questões da Natureza e do Ambiente estão cada vez mais na linha das preocupações de todos nós, estou ainda mais em discordância com a alienação, por parte do Estado, daquele território natural cuja importância estratégica tem vindo a aumentar. Um espaço natural com a riqueza e localização daquele, uma vez alterado, leia-se destruído, jamais poderá ser recuperado. Se isso acontecer os nossos netos irão chamar-nos cegos.Concordo genericamente com a actuação da Sr.ª Ministra das Finanças. Todos sabemos que, até mesmo nas nossas casas, se não houver equilíbrio financeiro, compromete-se muita coisa importante das nossas vidas e sobretudo do futuro dos nossos filhos. Sou portanto defensor do velho ditado “vão-se os anéis fiquem os dedos”, mas alienar todo aquele riquíssimo património natural que constitui a Companhia das Lezírias é alienar parte dos nossos dedos.Hermínio Martinho

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