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O drama de fazer teatro por paixão

Companhias teatrais sobrevivem com dificuldades na região

Mesmo para as companhias profissionais é difícil sobreviver no mundo do teatro. Um elenco reduzido, muitas horas de trabalho e uma grande engenharia financeira são os segredos para se conseguir manter uma produção regular. O MIRANTE fez uma ronda por grupos profissionais da região numa altura em que se celebrou o Dia Mundial do Teatro.

Sempre que a companhia de teatro Fatias de Cá tem na forja uma nova produção começa o recrutamento de colaboradores nos vários centros de produção, de Tomar a Constância, passando por Lisboa, Coimbra e Vila Nova da Barquinha. Quando chega o dia da estreia, depois de algumas semanas de estágio intensivo, é quase impossível perceber que o trabalho das dezenas de pessoas envolvidas não é remunerado.“As pessoas do Fatias de Cá fazem teatro, assim como há outras que jogam golfe. Os cachets que deveríamos receber são oferecidos ao grupo. A situação só é sustentável porque pagamos para fazer teatro”, explica com humor o encenador do grupo, Carlos Carvalheiro.Para o professor de teatro, que também dedica o seu tempo livre à arte, existe uma diferença entre os jogadores de golfe e os ‘amadores’ do teatro. “O golfe é feito pelo prazer pessoal. O teatro também, mas é um acto público. Seria normal que o Estado apoiasse iniciativas do género”, afirma.A companhia de teatro profissional não recebe qualquer tipo de apoio do Ministério da Cultura. Os apoios são assegurados por empresas com quem trocam serviços. A firma de pirotecnia que assegura os efeitos especiais e a empresa de porcelana que ofereceu os pratos onde o grupo confecciona as especialidades culinárias – sempre incluídas nas produções teatrais - são bons exemplos de parceiros.É assim desde 1979, altura em que nasceu um grupo de teatro com o nome de um doce conventual de Tomar. A receita da sobrevivência do grupo resume-se a muita dedicação e empenho.É também com muita imaginação e engenharia financeira que a Cena Aberta – Companhia Teatral de Santarém vai subsistindo. A maior parte da produção está virada para o teatro infantil que é mais vendável, mas ainda assim é difícil manter o saldo bancário positivo.“Os meus pais já são reformados e são eles que por vezes emprestam dinheiro ao teatro”, confidencia Alexandrina Baptista, directora do grupo criado há sete anos.As câmaras municipais e juntas de freguesia são os grandes clientes do grupo, que mantém cerca de uma dezena de colaboradores. Muitos deles têm uma actividade profissional autónoma, mas colaboram pontualmente com o grupo.Os contadores de histórias são a grande aposta criativa da companhia, mas o sonho de Alexandrina Baptista é levar ao palco do renovado Teatro Sá da Bandeira uma nova peça para adultos. “É um tipo de investimento em que perdemos sempre dinheiro. É só pelo gozo de poder fazer”, reconhece.O dia a dia é difícil, mas o reconhecimento chega quando uma plateia de meninos e meninas reconhece o rosto da mulher que se veste de cores coloridas e distribui balões. “É uma profissão não de risco, mas de dificuldade. Nunca se sabe em que altura do mês estamos”.Apesar de ter surgido na cidade de Santarém um novo espaço para fazer teatro, a Cena Aberta continua sem local para ensaiar. O mesmo drama é vivido pelo Centro Dramático Bernardo Santareno. A companhia de Santarém que no Dia Mundial do Teatro, 27 de Março, comemorou 14 anos, sofre da mesma falta de apoios. A estrutura a tempo inteiro é pequena, mas mesmo assim os poucos recursos financeiros são quase todos absorvidos pelos ordenados dos quatro actores residentes e dos cinco em regime de colaboração.“Tentamos reduzir ao máximo o elenco a tempo inteiro”, explica o director do grupo José Manuel Rodrigues, que revela que pouco fica para investir nas novas produções, promoção e material do grupo.A companhia apresenta duas peças para adultos por ano, mas refugia-se também nas produções infantis mais procuradas pelas autarquias, jardins de infância e escolas.Um caminho diferente seguiu a Inestética Companhia Teatral, um grupo que nasceu há 12 anos em Vila Franca de Xira e optou por um estilo de teatro de autor, que explora temas como a hegemonia das máquinas espirituais sobre a memória humana. É esta a ideia central de uma das últimas peças do grupo - “O homem vazio”.O grupo tem um núcleo fixo de duas pessoas e os actores só são contratados em função de cada projecto para evitar encargos fixos elevados. “Ter uma estrutura residente com actores seria insuportável financeiramente”, assegura o director, Alexandre Lyra Leite.A continuidade da companhia, com residência artística no Clube Vilafranquense, é garantida pelo apoio da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, mas todos as ajudas são escassas. No teatro a palavra lucro não existe. Os apoios são plataformas mínimas de funcionamento.“Estamos num país que não valoriza a cultura como factor de desenvolvimento. É uma visão errada da forma de fazer política. Quando se fala na população deprimida é preciso entender que isso acontece muitas vezes porque não existe um escape. As pessoas precisam de ter acesso à arte”.O apoio oficial da autarquia não coarcta no entanto a actividade criativa da companhia que também se dedica à produção multimedia. No espectáculo apresentado no dia mundial do teatro - “Still: cidade suspensa” - Vila Franca aparece como pano de fundo com crítica social e ironia subjacente. “Nunca tivemos pressões, nem deixaríamos que isso acontecesse. Fazemos teatro por vontade de comunicar e de demonstrar um olhar diferente”.Ana Santiago

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