Gosto e muita paciência são o segredo
António Pedro Marcelino, 77 anos, marceneiro
Aos 77 anos, António Marcelino não precisa de publicidade para divulgar os seus serviços de restaurador de móveis. Trabalho não lhe falta, fruto da sua arte que do velho faz novo. Todos os dias, vai trabalhar para a sua oficina, instalada num rés-do-chão, da rua Outeiro do Fogo, em Torres Novas.
Já lá vai o tempo em que, de Verão ou de Inverno, António Marcelino calcorreava as velhas estradas entre o Carreiro da Areia (freguesia de Santiago) e a então vila de Torres Novas, para entrar às oito da manhã na oficina do Pataratas. Ou quando ainda se deslocava para mais longe, a Ribeira Ruiva, quando trabalhou no Almendre.Hoje com os seus 77 anos, reformado há uma dúzia de anos, António Pedro Marcelino não corre ao gosto dos patrões, mas não dispensa continuar a trabalhar no ofício de marceneiro, agora mais dedicado ao restauro de móveis velhos. “Ele não precisa de publicidade, tem trabalho que chega”, diz um dos amigos habituais da oficina à laia de protecção, quando percebe que a intenção é entrevistar um dos pouco marceneiros/restauradores que ainda existe em Torres Novas.“Dantes fazia mobílias novas, mas isso já lá vai. Depois de me reformar faço restauros e trabalho não me falta. Tenho clientes de todos os lados, doutores, engenheiros... As pessoas com mais posses são as que mais me procuram e eu tenho muito gosto do velho fazer novo outra vez”, conta o artífice.Todos os dias, seja sábado, domingo ou feriado, António Marcelino vai trabalhar para a sua oficina, instalada num rés-do-chão, da rua Outeiro do Fogo, em Torres Novas, e por lá fica até à noite: “Ao domingo vou almoçar a casa, nos outros dias não. Dou descanso à mulher e fico por aqui. Estou sempre aqui, a não ser que se combine um passeio a qualquer lado”.Móveis de todos os tamanhos e feitios, cadeiras, secretárias, armários ou camas empilham-se ao longo das arcadas que dão para o quintal. “Aqueles cadeirões estão a apanhar sol para sair melhor a tinta”, explica mostrando as duas peças azul-acinzentadas com a pintura a lascar.“Isto é um trabalho de muito paciência e é preciso gosto, se assim for é meio caminho andado”, continua. As entregas nem sempre são por ordem de chegada: “Se os clientes vêm cá muita vezes, se calhar atendo-os primeiro”.Mas tem várias peças entre mãos ao mesmo tempo: “Vou de umas para outras para ir contentando a todos”.O dinheiro que faz nos restauros ajuda à reforma e principalmente ocupa-o. “Sempre gostei deste ofício”. Quanto custa reparar uma peça de mobiliário é um cálculo que António Marcelino se recusa, normalmente, a fazer. “Às vezes se me pedem um orçamento indico um preço, mas muito por alto. Nunca se pode saber ao certo, porque à medida que se vai trabalhando aparecem novas coisas. Vou anotando o tempo, os gastos que faço se tenho comprar alguma coisa e depois apresento a conta e não tenho tido reclamações”.Para uma velha papeleira, António Marcelino não vai ter tempo. “Já disse ao cliente que não posso fazer o restauro. Eu fazia, mas demorava tanto tempo que tinha que deixar muita coisa para traz. Era um trabalho para mais de 500 euros”.Valores bem diferentes daqueles que vigoravam quando começou a ganhar. “Fui para o Pataratas, com 13 anos, ganhar cinco tostões por dia. Quando no fim da semana cheguei a casa com três escudos a minha mãe ficou toda contente. Ainda pensava que tinha de pagar, disse ela. Na altura, havia oficinas que faziam isso”, conta e continua: “Era o tempo em que se comia broa com um bocadinho de bolor e uma sardinha para três. Em minha casa era assim”.Mas antes de ir para aprendiz de marceneiro, António Marcelino trabalhou no campo. Sachou, mondou, apanhou figos e azeitonas. “Éramos seis filhos e o meu pai morreu tinha a minha irmã mais nova 15 meses. Depois a minha mãe voltou a casar”.Passou pela escola, mas não o deixaram andar lá muito tempo. “Saí no ano em que se fazia o exame da terceira classe”. No entanto, isso nunca o atrapalhou: “Dinheiro sei contar e quanto mais melhor”.Diz com orgulho que nunca teve de procurar trabalho, nem de pedir o ordenado ao patrão. “Estive no Pataratas, depois passei para a oficina do António Garcia, pelo José Narciso e passei por África pouco mais de dois anos. Mas nunca procurei patrão, lembravam-se de mim”.Com formões, plainas, garlopas, graminhos, gravetes, goivas e turqueses – ferramentas que são também peças dignas de serem vistas pelo trabalhado da madeira -, António Marcelino vai restaurando, colando bocadinhos de madeira, onde ela já não existe ou talhando florões em falta. “O meu ofício é marceneiro, há também os entalhadores, os embutidores, os empalhadores. Eu sou capaz de fazer essas coisas, mas não foram essas artes que aprendi”.Para entreter a paciência e o gosto do trabalho minucioso de restaurar e polir as peças de mobiliário de há muitos anos – “já tenho restaurado peças muito boas” – António Marcelino, tem o rádio ligado e tenta não perder o relato do futebol do Torres Novas: “Sou adepto do Torres Novas e do Benfica, sempre do Benfica, mas não sou doente”.Dos três filhos que tem, um deles gosta do ofício e às vezes vai ajudá-lo: “Ele tem o seu emprego, mas vem para aqui às vezes. Ensinei-o a trabalhar e ele gosta. Os outros não”.Amanhã e no outro dia, António Marcelino volta ao seu local de trabalho para com arte e prazer ir arranjando pouco a pouco os móveis que lhe entregam. Margarida Trincão
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