As festas da caridade
Aurélio Lopes escreve sobre “Devoção e Poder nas Festas do Espírito Santo”
O antropólogo Aurélio Lopes mergulhou na história das festas em honra do Espírito Santo e condensou a informação recolhida no livro “Devoção e Poder nas Festas do Espírito Santo”. A obra é apresentada sexta-feira em Santarém.
No dia do Espírito Santo, em meados do século XIII, os membros da irmandade desfilavam pelas ruas e distribuíam aos pobres pão, vinho e carne, cantando, dançando e tocando. Para os nobres, que organizavam as Festas do Espírito Santo, esta era uma forma de mostrar como eram caridosos e altruístas para com os mais carenciados.Com o tempo as classes superiores afastaram-se das festividades. O povo pegou em algumas, muitas desapareceram e outras transformaram-se. É a história da evolução desta tradição em Portugal que está retratada no último livro do antropólogo Aurélio Lopes. A obra “Devoção e Poder nas Festas do Espírito Santo” vai ser apresentada na sexta-feira, 28 de Maio, na Casa do Brasil, em Santarém.O Espírito Santo, uma entidade abstracta, ao contrário dos santos, tinha uma devoção mais limitada. “No continente estas festas, perdido que foi o apoio das classes superiores, entraram em decadência e chegaram à situação que estão hoje”, explica o antropólogo que é também professor convidado da Escola Superior de Educação de Santarém.A festa começou por ser sustentada pelo poder, mas a influência foi-se atenuando e o povo passou a ter o papel principal. Os populares juntavam-se para comprar a oferenda e quando não havia possibilidades dividiam os custos. Foi assim que surgiu a tradição das pesas ou porções. “Era o dinheiro que cada um dava para uma parte do boi, repartido às vezes por dezenas e centenas de pessoas. São mecanismos utilizados para sustentar a festa. A criatividade foi um factor determinante de sobrevivência dessas festividades”. Para o antropólogo o interesse de autarquias na organização deste tipo de eventos representa o regresso das festas às mãos do poder. “Antigamente era a forma dos poderosos mostrar que eram altruístas. Hoje são as instituições municipais que se servem das festas para a promoção turística, como ex-libris de um concelho”, analisa.É sobretudo a componente turística o motor das festas. Em poucos locais é ainda a devoção que está por detrás da festa. “Já quase ninguém é devoto do Espírito Santo. As razões que sustentam aquilo são outras. A espiritualidade há muito que foi substituída por outros aspectos mais funcionais e materiais”.A partir do século XI desenvolveu-se por toda a Europa a doutrina do Espírito Santo que consubstanciava a ideia do mundo tripartido em três idades: Pai, Filho e Espírito Santo. A idade do Espírito Santo corresponderia à harmonia cósmica, à solidariedade entre os povos e à caridade.No início do século XIV as festas adquirem em Portugal a configuração de império, um tipo de festividade específica do nosso país. “Há todo um paradigma de simulação de império verdadeiro simbolizando o império do Espírito Santo na terra”. Durante todo o século XIV e até meados do século XVI realizam-se grandes festividades no centro do país, entre a zona de influência do Tejo e do Mondego.A festa de Benavente, que remonta a 1232, é uma das mais antigas de que há memória em Portugal. Transformou-se depois na festa do império do Espírito Santo, uma tradição específica de Portugal que se iria espalhar pelo país fora e que irá desaparecer no século XVIII.Os milhares de festas que existiam nesta zona do país desaparecem na sua maioria até ao século XIX, mas outras foram reanimadas. É o caso da Festa dos Tabuleiros de Tomar e as de Meia Via (Torres Novas), Carregueiros (Tomar), Sardoal, Olaia (Torres Novas) e Minde. Transformaram-se nas festas típicas de promoção do concelho e quase nenhuma mantém o nome de Espírito Santo.Visitas de campo, pesquisa etnográfica e a colaboração de informadores locais ajudaram a reunir a informação que Aurélio Lopes condensou em 600 páginas. Foram precisos três anos de trabalho para escrever a história das festas no continente, ilhas e Brasil, onde os portugueses levaram os impérios do Espírito Santo.Grande parte do livro, editado pela Cosmos, é também um conjunto de subcapítulos sobre as festas do continente, tema que não estava muito explorado e onde o antropólogo decidiu mergulhar. Ana Santiago
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