“Nasci no meio dos touros”
Nazaré Felício foi uma das primeiras mulheres toureiras em Portugal
Nasceu no Mouchão do Escaroupim, no meio do Tejo entre Cartaxo e Salvaterra, cresceu entre os toiros e apaixonou-se pela festa brava. Nazaré Felício, 81 anos, foi uma das primeiras mulheres toureiras em Portugal. Vai ser homenageada sexta-feira, 28 de Maio, durante a Feira de Maio, na Azambuja.
No dia em que se comemoravam os 50 anos da Praça de Toiros do Campo Pequeno, em Lisboa, Nazaré Felício desfilou na arena de safões e chapéu à espanhola. Representava o aguazil, a figura que leva a chave dos curros. Os cabelos cor de oiro e os olhos azuis chamaram a atenção de D. Alexandre Mascarenhas, equitador e dono da herdade da Gouxaria, Almeirim, que regressava a Portugal depois de uma longa ausência em Espanha. Com pouco mais de 20 anos, a jovem foi convidada a aprender na quinta ribatejana as artes do toureio a pé e a cavalo. A herdade de Almeirim tornou-se na sua segunda casa. Levantava-se de madrugada para treinar no picadeiro e participava com a família na caça às lebres.Foi no Verão de 1947 que Nazaré Felício, uma das primeiras mulheres toureiras em Portugal, se estreou na Golegã, a terra onde nasceu o seu pai, Francisco Felício, maioral real de algumas herdades ribatejanas.Nazaré entrou na praça fazendo as cortesias, abrigo ao ombro, chapéu de aba larga, jaqueta e safões de cabedal. Manuel dos Santos tinha sido colhido por um touro, semanas antes, em Coruche, e a corrida destinava-se a prestar-lhe homenagem. E assim se repetiram as actuações. De Algés aos Açores, de Lourenço Marques a Luanda, de Évora a Alcochete, passando pela monumental de Santarém. Com os cavalos da família Mascarenhas toureou ao lado de José Ataíde e José Manuel Varela Cid. Nazaré Felício teve uma curta carreira como toureira amadora que não chegou a atingir uma década. Nunca foi remunerada e correu sempre em festas de beneficência. A sua coragem e apego à festa marcaram o seu percurso. “Chegou a tourear doente com tifo em Alcochete para não faltar ao prometido”, recorda a prima e afilhada, Maria de Lurdes Fonseca.Nazaré Felício nasceu a 22 de Outubro de 1922 no Mouchão do Escaroupim, uma ilha no meio do Tejo perto de Valada (Cartaxo). Começou a montar a cavalo com o pai com apenas dois anos de idade. “Nasci no meio dos toiros”, recorda aos 81 anos.Os proprietários da Quinta do Mouchão, onde o seu pai trabalhava nos anos 20, eram também padrinhos de Nazaré Felício. Entre os três e os 12 anos a jovem viveu dividida entre a herdade e a casa dos padrinhos, em Lisboa. Na capital frequentou o colégio francês. Em 1932, quando a família Ferreira deixou de ter gado bravo no mouchão, Francisco Felício trouxe a esposa e a jovem filha para a quinta de Assunção Coimbra, em Vila Nova da Rai-nha (Azambuja). Foi lá que o maioral real permaneceu com a família até 1946, ano em que morreu num acidente com um toiro na zona do Gaio, no Cartaxo.Nazaré Felício começou nas lides do toureio um ano depois do pai ter desaparecido. O maio-ral já não acompanhou a carreira de Nazaré e, diz a família, que não teria gostado que toureasse em público. A mãe, Maria Adelaide, natural de Valada e aficcionada, acompanhava o percurso da filha sem se pronunciar.Aos 30 anos, Nazaré Felício achou que era tempo de afastar-se da tauromaquia. “Tudo tem uma época e achei que tinha de parar”, confidencia. Hoje, à distância de meio século, ainda recorda os aplausos, as flores e as tardes de calor nas praças. Na sexta-feira, 28 de Maio, durante a Feira de Azambuja, a Câmara Municipal em colaboração com a Poisada do Campino, vai prestar homenagem a uma das primeiras figuras femininas do toureio e filha de uma “lenda” para as gentes de Azambuja.Apesar da distância da arena, a paixão pelo mundo da tauromaquia não se desvaneceu. Nazaré Felício continua a ter lugar cativo no Campo Pequeno e promete assistir às corridas de touros que se multiplicam pelas feiras do Ribatejo.Ana Santiago
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