Milagroso Serafim das Neves
Os toiros portugueses não se aguentam nas canetas. Tremem como varas verdes diante dos toureiros, ajoelham, deitam-se e descansam, desinteressados de tudo e de todos. Eu não pesco nada da chamada festa brava, mas o que tenho visto justificava uma mudança de designação para festa mansa. A última cena a que assisti foi na Chamusca. Na corrida de Quinta-feira da Ascensão. Chamar-lhe corrida também é exagero. Os pobres dos animais mal se aguentavam a passo, quanto mais a correr.O dono dos bois acha que os drogaram. Eu cá por mim fiquei convencido que o almoço dos bichos tinha sido pesado. E bem regado. Eu que tinha comido uma bruta feijoada e bebido uns valentes copázios de tinto também estava com uma moleza do camandro. É claro que também assobiei e disse umas barbaridades quando vi que a tourada estava a ficar meio avacalhada, mas nem sei onde fui buscar energia para tanto. Vi pessoal indignado a exigir a devolução do dinheiro dos bilhetes. Os mais exaltados eram aqueles que tinham entrado à borla. É sempre assim, como sabes. E até se compreende. Enganar um borlista com uma tourada mole é o pior que se pode fazer. Um borlista é, normalmente, um especialista. Tira-se dos seus cuidados para fazer análises críticas e cagar palpites. Gosta de sentir que o seu tempo não foi mal empregue. E naquela fatídica tarde nada disso se passou. Eu gostei de ver, confesso. Quando era puto só gostava das pegas que davam para o torto. Era a única coisa que via das touradas. Forcados todos rotos a tentarem pela enéssima vez agarrar a besta desse lá por onde desse. Às vezes vinha a correr para perto da televisão quando um cavalo levava uma cornada ou quando um toureiro ou bandarilheiro tinham que largar tudo e saltar a trincheira para escapar ao toiro, mas isso era raro. Ou quando um animal mais expedito saltava para o lado das bancadas e o pessoal era obrigado a fugir para a arena. Isso sim, era um fartote.Os aficcionados não me podem desculpar, eu sei, nem eu aceitaria tal coisa. Vou à tourada como quem vai ao circo. Quero divertir-me. Se os toiros estiverem tão bêbados que tropecem nas próprias patas rio-me até partir. Se um forcado ficar sem os fundilhos das calças não me ponho a chorar. Eu só não quero que ninguém se aleije. Isso não, embora saiba que no final o toiro é quem paga as favas. Se a coisa corre toda muito bem vejo mas não me entusiasmo. Eu sei que não é politicamente correcto dizer estas coisas mas quero lá saber. Uma tourada de alto nível é uma seca medonha. Mas os adeptos das touradas também sabem que podem contar comigo na defesa das ditas cujas. Estou ao lado deles quando aparecem os defensores dos animais todos assanhados a pedirem a abolição do espectáculo como se estivessem a pedir a abolição da pena de morte. Arre gaita! Fundamentalismos é que não! As touradas fazem falta. Nem que sejam as do Bombeiro Torero. Principalmente essas.Alguns amigos escreveram-me a pedir bordoada nos políticos. Dizem que estou a ficar mole. Que não dou a devida importância a coisas importantes. Que só me preocupo com ninharias. É uma injustiça, como sabes. Eu não me abstenho. Não bato em branco. Vou onde é preciso ir para molhar a sopa nuns bons costados autárquicos ou governamentais. Mas, caramba! Bater tanto também cansa, como diria o poeta. Deixem-me tomar fôlego, carago!Mas eu até os percebo. O problema é que tu também tiraste uma licença sabática. A semana passada, por exemplo, deu-te para a fase mística. Para as aparições. Veio ao de cima a tua veia mata-frades. Mata-aparições. Mata-tudo. És danado, Serafim. Aparições registadas em vídeo! Estás imparável. Continua! Saudações tauromáquicas do Manuel Serra d’Aire
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