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Levar o Senhor da Boa Morte à sua morada

Reavivar a tradição de Quinta-feira da Ascensão em Povos
Um dos campinos que transporta o andor aproveita uma paragem e com um lenço enxuga o suor do rosto. A imagem de um Cristo morto vai numa caixa de vidro. A abrir a procissão do Senhor da Boa Morte elementos do rancho folclórico de Vila Franca de Xira com roupas tradicionais, mais atrás o Padre e os acólitos. No meio da multidão caminha descalça Maria Irene Ferreira, 63 anos. Está a pagar uma promessa.É quinta-feira de Ascensão. Onze da manhã. O cortejo saiu da capela do bairro de Povos e sobe à esturra do sol a caminho da ermida. É um quilómetro e meio bem medido por uma estrada secundária. “A minha mãe foi operada e como correu tudo bem, aqui estou eu a cumprir a promessa”, explica a senhora que vai descalça. “Desde que sou gente que sou devota do Senhor da Boa Morte e até agora Ele nunca me deixou ficar mal”, acrescenta.A devoção ao Senhor da Boa Morte perde-se na memória dos romeiros, e poucos sabem precisar a sua origem. Apenas referem que as festividades eram mais animadas há uns anos atrás, pois contavam sempre com a presença da fanfarra dos bombeiros e da banda do Ateneu Artístico Vilafranquense. E lembram-se que depois da eucaristia se fazia um piquenique à volta da igreja, onde todos eram convidados a participar.Há mulheres com pendões, crianças com cestas de flores. Dia da espiga, feriado no concelho. Ouve-se o murmúrio de orações. A comissão organizadora da romaria está decidida a reavivar ainda mais a tradição e a trazer a lume o convívio de outros tempos. “Antes não havia qualquer procissão. Era a eucaristia, e depois a imagem só saía para a bênção dos campos, junto ao cruzeiro do miradouro, perto da igreja”, explica Donzília da Silva, ermitoa da igreja do Senhor da Boa Morte. “Com a chegada do Padre Vítor Gonçalves à igreja de Vila Franca de Xira, há oito anos, esta festividade passou a contemplar também procissões, que acompanham a descida e o regresso da imagem do Senhor da Boa Morte ao seu santuário, no alto do monte”.A procissão deste ano foi acompanhada por elementos do Rancho Folclórico de Vila Franca de Xira, acólitos da Paróquia de São Vicente Mártir, e pelo Coro da Igreja Matriz, que durante toda a manhã entoou vários cânticos e apelou à participação dos romeiros. David Silva, de 26 anos, vem todos os anos à procissão. Não espera por perguntas para dar explicações sobre o simbolismo da imagem do Senhor da Boa Morte. “Para mim personifica Jesus Cristo morto. E só através da sua morte e ascensão aos céus podemos ter vida plena”. Reza a história que a capela, no cume do monte, tinha o nome de Santa Maria dos Povos, cuja festividade se celebrava todos os anos após o Domingo de Pascoela. A devoção à imagem do Senhor da Boa Morte é anterior ao século XVIII, e deu-se com a descoberta, nas proximidades da Igreja, de uma imagem de Jesus Cristo morto.A devoção a esta imagem implantou-se de tal forma no seio dos ribatejanos que, quando a igreja foi reconstruída, após o terramoto de 1755, o seu nome alterou-se de Santa Maria dos Povos para capela do Senhor da Boa Morte. Segundo Luís Alves, mestre de cerimónias na igreja de Vila Franca de Xira, o nome “Senhor da Boa Morte” deve-se ao povo das Lezírias, e às muitas tragédias que os afligiam. “Como na altura morriam muitas pessoas devido às cheias, começaram todos a pedir ao Senhor que lhes desse uma boa morte, daí o nome”, explicou. O cortejo está prestes a atingir o cume do monte. As garrafas de água que circulam entre os romeiros conseguem aliviar os mais sequiosos, mas dificilmente apagam as marcas do esforço de quem transporta os estandartes e os andarilhos. As opas, de cor avermelhada, estão manchadas de suor.Na ermida tem início a missa solene da Ascensão, presidida pelo pároco Vítor Gonçalves. No fim, são deixadas oferendas junto ao Senhor da Boa Morte, que é tocado e beijado pelos mais devotos. Segue-se a tradicional bênção dos campos e da cidade, junto ao cruzeiro do miradouro. Para a comissão a romaria deste ano pode ainda não ter chegado à grandiosidade de outros tempos, onde o convívio era bastante alargado, mas vai certamente no bom caminho, dada a quantidade de pessoas que se deslocaram ao local, e que assistiram à “Tarde de Folclore” que se seguiu.Miriam Dias

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