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Entre a esperança e o baixar dos braços

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Perspectivas da agricultura por quem trabalha na terra

Numa altura em que se fala de crise na agricultura, há quem ainda consiga viver acima da média trabalhando exclusivamente na lavoura, apostando na redução de custos e trabalhando de sol a sol. Alguns já desistiram e vivem dos rendimentos do arrendamento de terra aos seareiros. Viver da agricultura é empobrecer alegremente, diz por seu lado um dos seareiros ouvidos por O MIRANTE.

É no meio do verde dos vinhedos que José Barroso se sente realizado. Chega a levantar-se às seis da manhã para começar a trabalhar. Com 32 anos, o agricultor dedica-se exclusivamente a tratar dos 22 hectares de vinha na quinta de Vila Chã, no limite dos concelhos do Cartaxo e de Azambuja. José Barroso representa a terceira geração que se dedica à propriedade da família. E apesar de se falar em crise, o agricultor não se queixa muito. José Barroso faz parte de uma geração de homens da terra que tentam tirar a maior rentabilidade dos terrenos, aplicando técnicas modernas e inovadoras. Recorre à mecanização e controla os gastos. Tem um programa informático que lhe permite saber parcela a parcela os gastos anuais com tratamentos e os ganhos. Considerando que a agricultura é um sector onde ainda vale a pena investir, José Barroso, residente no Cartaxo, considera que uma das bases para o sucesso é a concentração da propriedade e a aposta em culturas alternativas. Nesse sentido implantou este ano 9,5 hectares de olival super-intensivo. O agricultor não tem pejo em dizer que, se apostar na qualidade, a agricultura dá para viver acima da média. Mas para isso também é preciso trabalhar muito. Nem nas épocas mais calmas José Barroso pára. No Inverno dedica-se a reparar e manter o parque de máquinas, do qual faz parte tractores, alfaias e uma máquina de vindimar, que também é usada para prestar serviços a outros agricultores. Uma forma de rentabilizar o equipamento. Curiosamente é contra a atribuição de subsídios à perda de culturas devido ao mau tempo. A não ser que haja uma grande calamidade. José Barroso considera que esta actividade é de risco e por isso o agricultor deve prevenir-se com um fundo de maneio. “Quando temos lucros também não vamos distribuí-los com o Estado”, comentou. Um ocioso da agriculturaFoi o risco que levou José Lico a desligar-se da vida do campo. Actualmente, o proprietário da Casa Lico em Benfica do Ribatejo, Almeirim, apenas cultiva 30 hectares de vinha. Os restantes 50 hectares são arrendados a seareiros da região. Considerando-se um “ocioso da agricultura”, José Lico traça um panorama negro do sector e garante que a actividade de rendeiro já foi mais lucrativa. “As pessoas têm dificuldade em pagar as rendas, porque as margens de lucro da agricultura são cada vez menores”, sublinha.“Antigamente se havia um ano mau o agricultor conseguia recuperar os prejuízos num ano. Agora são precisos três ou mais”, comenta José Lico que prefere apostar no aluguer de salas para festas. Tem uma na quinta em Benfica do Ribatejo e outra num palacete em Lisboa. No entender do proprietário a crise na lavoura é o reflexo do que vem da Reforma Agrária do pós-25 de Abril. José Lico ficou sem terras. Mais tarde os terrenos foram-lhe devolvidos mas estava completamente descapitalizado. Para poder fazer investimentos e iniciar as culturas pediu um empréstimo de 150 mil euros (30 mil contos) à banca que na altura estava nas mãos do Estado. Recorreu a fundos comunitários, mas, garante, só para pagar os juros gastou o dinheiro dos subsídios logo no primeiro ano. Por isso diz com convicção que “a agricultura está endividada” e que os subsídios da União Europeia serviram para o Estado sanear a banca e depois privatizá-la. Empobrecer alegrementeJá foi empresário do ramo das peças para automóveis, teve uma oficina e agora produz arroz. Entrou no sector em 1990. Para expandir o negócio tem que arrendar grande parte das terras a cerca de 400 euros o hectare. António Madaleno faz mais agricultura por paixão porque, como diz, os homens da lavoura estão a empobrecer alegremente. Produz, na zona de Benavente e Salvaterra de Magos, 60 hectares de cereais por conta própria, dos quais 25 são em terrenos arrendados. Tem ainda 50 por cento numa sociedade que cultiva 90 hectares, dos quais só 20 são próprios. Considerando que os preços do arrendamento das terras ainda são aceitáveis, não deixa de reconhecer que esse valor tem muita influência nos custos de produção. Para além do trabalho nos campos, António Madaleno assume a administração da sociedade Orivárzea, em Salvaterra, que inclui um agrupamento de produtores de arroz. Apesar do arroz ser uma cultura de Primavera/Verão, o Inverno não é tempo de descanso. Nesse período o agricultor passa os dias na empresa ou a estudar formas mais eficazes de produção. O negócio do arroz, considera, tem margens muito pequenas e um risco elevado. Até ao último segundo da colheita podem ocorrer factores que mandem a produção por água abaixo. A juntar a isso há a grande concorrência do Vietname.“Não podemos competir com eles porque os trabalhadores vietnamitas podem andar a trabalhar sem comer, descalços, sem quaisquer regalias. Na União Europeia temos preocupações ambientais. Temos reduzido os pesticidas para diminuir os efeitos nocivos para as pessoas e o ambiente”, explica. Nesta altura, António Madaleno não está apreensivo em relação à continuidade do sector do arroz porque os produtores estão a ser subsidiados pela União Europeia. No dia em que isso mudar acabam os arrozais.
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