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Guardador de histórias

A casa de Zé Barquinhense mais parece a Torre do Tombo
“Cada velho que morre é uma enciclopédia que se perde”, diz Júlio Marques da Silva, mais conhecido por Zé Barquinhense, do alto dos seus 75 anos. Não há história que lhe escape, lenda que não saiba. Da Barquinha, terra que o viu nascer, e de todo o Portugal.A casa de Júlio Marques da Silva, conhecido na terra por Zé Barquinhense, é como a Torre do Tombo. Ali, numa das ruas mais movimentadas de Vila Nova da Barquinha, estão “arquivados” papéis, fotos, cartazes publicitários, enfim, uma panóplia de documentos que professores, alunos ou simplesmente gente curiosa procura.“Quando eu morrer o mais certo é ir tudo para dentro do caixote do lixo”, vaticina Zé Barquinhense, reportando-se ao facto dos seus descendentes não ligarem às pilhas de papéis que guarda com tanto carinho. Como por exemplo o cartaz de 1935 que anunciava em verso a actuação de um rancho carnavalesco. “Devo ser o único que ainda hoje tem aquilo guardado”. É o homem das lendas da Barquinha. E não há rua ou beco que não tenha a sua história. O carreiro das missas, a travessa das damas, a rua dos talhos. Zé Barquinhense conta a história do canto do chinelo, um local junto ao rio onde antigamente os barqueiros que subiam e desciam o rio Tejo se juntavam na taberna para desfiarem a sua vida ou simplesmente beber um copo de quatro. Era ali que morava um homem que por ter uma deficiência num pé, não conseguia calçar o sapato, andando com um chinelo. Como não podia trabalhar, o homem ia fazendo uns biscates e uns recados às pessoas dali, que o alcunhavam de chinelo. De tanto ouvirem o nome os barqueiros começaram também a apelidarem-no de chinelo e como o homem tinha um barraca mesmo no canto do largo, cada vez que queriam saber dele perguntavam pelo canto do chinelo.Zé Barquinhense tem pena que hoje o largo, cuja placa ostenta o nome de Marechal Gomes da Costa, não tenha também a inscrição de canto do chinelo. Para não se perder a memória de um homem que faz parte da história da Barquinha.Hoje em dia Júlio Marques da Silva, ou Zé Barquinhense, está a trabalhar no arquivo histórico da vila. “Ninguém me paga para eu o fazer, mas acho que tenho esse dever perante a comunidade”, refere, lamentando que os jovens não se interessem pelo passado.Ligado à electricidade, sempre trabalhou em centrais hidroeléctricas, primeiro em Castelo do Bode, ainda no tempo da hidroeléctrica do Zêzere, depois na Barragem da Bouçã e em outras espalhadas pelo país. Por todas as terras por onde passou tratou de estudar a sua história – “umas vezes era eu que procurava saber, outras eram as próprias histórias que vinham ter comigo”.Quando não estava junto à água, virava-se contra o fogo. Passou por 11 corpos de bombeiros, foi comandante de três e instrutor de oito. E em 1986 já ele tinha feito um mini livro sobre a prevenção dos incêndios.Escreveu três peças de teatro, recebeu três prémios de poesia das mãos de nomes sonantes da poesia portuguesa, como Natércia Freis ou Gentil Marques. Já pensou escrever um livro com as suas memórias mas a tarefa revela-se complicada. “Se tivesse uma mão que desse uma ajuda...”.

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