Não me venham impor a lógica partidária
António José Ganhão, presidente da Câmara de Benavente, fala de outros horizontes
António José Ganhão é presidente da Câmara Municipal de Benavente há 25 anos e vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses há 12. Militante do PCP, partido que não renega, diz que o exercício do poder lhe alargou os horizontes políticos. Ganhou admiradores nos diversos governos, escolhe os colaboradores pelas suas capacidades e rejeita clientelismos.
Afirmou que este seria o seu último mandato. Sabendo que a estratégia para a sua substituição pelo vice-presidente Carlos Coutinho a meio deste mandato falhou, está disponível para se recandidatar?Este trabalho tem-me motivado profundamente enquanto homem e enquanto cidadão. Estou disponível para poder continuar ligado aos interesses deste município, aos interesses da região e aos interesses gerais do poder local. Estarei sempre disponível e sempre motivado. Tal disponibilidade não significa que eu estou disponível para ser candidato a candidato à Câmara de Benavente. A reflexão tem de envolver o projecto político onde estou envolvido e um conjunto de cidadãos que o apoiam.Mas se a CDU insistir na sua continuidade, vai aceitar?Vou ter de continuar ligado aquilo que foi a minha vida, não posso largá-la. Ainda que não seja candidato, continuarei ligado ao poder local. Por exemplo, posso intervir publicando artigos nos jornais, ligar-me ao movimento associativo local.Vai fazer o percurso inverso? Normalmente os autarcas começam nas associações?Na minha vida sempre pensei que teria de me envolver noutros projectos que acho que não estão devidamente estruturados. Gostava de intervir na área social, há muito para fazer em Benavente. Quem tem uma experiência de vida como eu pode ser útil nesta área.Está a pensar na provedoria da Misericórdia de Benavente?Não, não posso. Eu sou sócio e já fui presidente da comissão administrativa entre 1975 e 1977, mas não quis continuar porque não sou católico e não me sentiria bem a ocupar um lugar fingindo que sou católico. O estatuto é fechado, mas deve ser respeitado.O senhor é um executivo há 25 anos. Não o estamos a ver como presidente da assembleia municipal ou técnico duma estrutura regional?Sempre fui um executivo. Como sabem, se eu quisesse estaria hoje como deputado na Assembleia da República, mas não aceitei, nem coloquei essa hipótese porque isso não me compensa. Não estou a falar do ponto de vista financeiro, mas enquanto realização pessoal.Tem 59 anos. Não sente que a vida é demasiado preciosa e que há outras coisas que gostaria de fazer?Eu escolhi uma vida que é demasiado exigente em todos os aspectos, mas que tem as compensações necessárias para que a gente possa sentir-se útil e importante, não no ponto de vista pessoal, mas no ponto de vista de que consegue resolver problemas que são de todos. O facto de ser vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) há 12 anos deu-me uma visão global do poder local e do país que é extremamente importante e influenciadora da minha actuação como presidente.Pelo seu discurso somos levados a concluir que vai continuar como presidente de câmara?Eu quero continuar a trabalhar pelo meu município, tenho que ter um projecto permanente na minha vida. Não posso dizer que vou fechar-me em casa a escrever as minhas memórias ou que vou dedicar-me à pesca. A vida não é tão estanque. Enquanto tiver motivação e disponibilidade serei útil aos meus munícipes. Ainda não tenho nada decidido, mas procuro racionalizar as minhas ideias.Não quero perder a minha ligação à associação de municípios e vou continuar ligado à Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo (CULT) onde estou como vice-presidente e com grande empenhamento. Não me desligarei dos projectos.Mas para continuar na ANMP e na CULT terá de continuar a ser presidente de câmara?É verdade, e é sobre isso que vamos reflectir. Embora não tenha a certeza de que o projecto político onde estou inserido possa continuar a ser útil à nossa região. Estou motivado, estou disponível, mas preciso fazer uma reflexão um pouco mais profunda que não passa apenas por mim. Passa por um conjunto de pessoas com as quais tenho uma ligação de trabalho e de solidariedade política.Incluindo alguns conselheiros exteriores ao seu partido?Ouvir as pessoas e as personalidades com intervenção no concelho é muito importante, sem que se peça nada em troca. Não deixarei de o fazer. Bem como conversar com o mar, como costumo fazer, porque o mar significa o isolamento e a possibilidade de falarmos connosco próprios e esta conversa decisiva tenho de a ter comigo próprio. Se concluir que sou útil e que posso continuar a fazer um bom trabalho, estarei disponível.Não será arriscado a CDU avançar com outro candidato, depois do presidente ter ganho oito eleições com maioria absoluta?A CDU ganha eleições para as autarquias, não as ganha para o Parlamento Europeu ou para as legislativas. O eleitorado que votou em nós não é um eleitorado fiel da CDU. Nas eleições locais, os eleitores escolhem os projectos políticos e as pessoas que os personificam. Escolhem os mais capazes, os mais honestos. É óbvio que corremos o risco de perder a câmara ou amanhã ou depois de amanhã porque as pessoas não valorizam apenas o projecto político.Tem sido o António José Ganhão que tem ganho as eleições?Tenho contactos com muita gente que não é da minha área política e que me diz: enquanto o senhor estiver disponível votaremos no senhor, mas depois de sair não temos nenhum compromisso com a CDU.Estratégia da sucessão falhouAlguns camaradas seus acusam-no de não ter conseguido preparar a sucessão. Apostou no vereador Carlos Coutinho, mas a aposta falhou?Cada um tem as suas características pessoais. Somos todos frutos da nossa vivência e da capacidade que temos de intervir. O Carlos Coutinho é um excelente homem, excelente vereador, mas nunca aspirou a mais que ser vereador. Se lhe perguntarem, é o que diz.Quando o escolheu para número dois foi a pensar que seria o futuro presidente?Claro que acho que ele tem um conjunto de características excelentes para o exercício de funções públicas. É honesto, trabalhador, dedicado aos interesses da nossa população. É um homem que procura aprender a ser competente. Mas nem sempre estas qualidades são reconhecidas pela população porque os vereadores nesta casa dão a cara todos os dias e gerem situações incómodas.A situação deriva do modo como o senhor orientou a gestão do município sem colocar no terreno quadros intermédios que fizessem a ponte entre os eleitos e os munícipes?O vereador não substitui o quadro intermédio, mas nós nunca nos escondemos atrás da secretária. Eu continuo a ter telefone directo onde atendo toda a gente, e todas as quartas-feiras atendo os munícipes. A relação de proximidade com os eleitores é fundamental, sem ela não há progresso.Na Câmara de Benavente há a ideia de que é o presidente que resolve tudo?Isso resulta de alguma burocracia que existe porque os quadros intermédios têm de prestar informações que baseiam as nossas decisões. Alguns camaradas seus criticam-no por ter colaboradores directos que não são do PCP?Escolhi as pessoas pelas suas qualidades e capacidades. Não estou aqui para alimentar clientelismos e não me venham impor a lógica partidária. Nelson Silva LopesComunidade urbana soube a poucoFoi implementado recentemente um novo modelo de descentralização que deu origem à criação da Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo. Considerou que foi a opção ?menos má?. Porquê?Considerei porque defendi um modelo de regionalização que sirva o país, descentralizando-o com ganhos nos recursos, na eficácia, nas economias de escala e no combate à burocracia, que é uma das maiores responsáveis pela corrupção. A comunidade urbana pode ser um primeiro passo, se não se cometerem asneiras, se conseguirmos mostrar que os munícipes podem ganhar com esta descentralização. As questões do ruído, da carta escolar, dos seguros, dos transportes escolares podem traduzir-se em economias de escala com ganhos para os municípios. Depois há um conjunto de competências que devem ser transferidas da administração central para as comunidades urbanas e áreas metropolitanas, mas com a respectiva mochila financeira. E os presidentes de câmara estão disponíveis para essa partilha que exige solidariedade, porque nem todos os concelhos têm o mesmo nível de desenvolvimento? A experiência da Associação de Municípios da Lezíria do Tejo, da qual fui fundador e presidente, mostrou que é possível gerar consensos e trabalhar em conjunto. Tenho uma grande esperança de que a nossa comunidade urbana possa ser um exemplo para contrariar a ideia de que alguns presidentes de câmara olham apenas para o seu umbigo.Este modelo pode ser evolutivo?Não tenho dúvidas de que terá que evoluir para uma escala maior. Eu arriscava a dizer que cinco regiões administrativas para o país, com base nas comissões coordenadoras das regiões, seria um bom modelo de regionalização e a fusão destas grandes áreas metropolitanas pode dar lugar às regiões que sempre defendi. Não faz sentido que uma câmara tenha de pedir pareceres a vários ministérios. Tem de haver uma concentração dos técnicos numa única entidade e essa entidade não pode ser a CULT porque não tem competência para tal. Temos de caminhar para a regionalização como fizeram outros países da Europa, como a FrançaO pai deste modelo de descentralização foi o ex-secretário de Estado da Administração Local, Miguel Relvas, que várias vezes elogiou. O poder local perdeu com a sua saída do Governo?Miguel Relvas demonstrou ser um homem muito inteligente e com grande humildade democrática. Procurou estabelecer uma ligação estreita com a ANMP enquanto legítimo representante dos municípios portugueses e conseguiu aproximar o poder local do Governo. Foi um excelente trabalho que deve ter continuidade neste e nos próximos governos. O poder central tem de ter um diálogo permanente com o poder local. Miguel Relvas percebeu isso e implementou uma nova prática. Foi um excelente exemplo que quero aqui reconhecer.Já várias figuras de sucessivos governos disseram que o senhor seria um bom governante. Se não fosse comunista, já teria sido convidado?Eu tomei a opção de ser comunista muito novo, antes do 25 de Abril. Não apareci na vida política sem rumo definido e sempre me senti bem com os princípios e valores do partido. Mas o exercício do poder levou-me a ter horizontes para além dos partidos. Sempre tive o melhor relacionamento com todos os membros dos sucessivos governos com respeito, transparência e honestidade e é natural que isso tenha gerado algumas simpatias. Hoje tenho amigos em todas as áreas políticas.Mas um comunista dificilmente chegará ao Governo?Nunca aspirei a ser mais nada do que presidente da câmara. Se tivesse outras ambições teria feito como outros camaradas, que mudaram de partido para chegar ao governo. Sempre tive este compromisso com a nossa gente e é com ela que me sinto bem. Oposição sem alternativasA oposição tem estado muito branda nos últimos meses, isso tem facilitado o seu desempenho?A oposição tem um papel fiscalizador e pode apresentar propostas e projectos alternativos, não o deve fazer apenas em tempo de eleições. Quem se quer afirmar tem de mostrar trabalho e projectos de modo contínuo para se poder afirmar perante os eleitores. Se não o fazem é porque não têm alternativas e gostaria que tivessem porque não há poderes iluminados e devem aparecer outras opções.Este mandato não tem corrido bem. Há várias obras com atrasos consideráveis e algum descontentamento das populações? Nunca procurei que a inauguração das obras se fizesse perto das eleições. As dificuldades que tivemos não foram financeiras. A zona ribeirinha de Samora Correia teve problemas, apesar de ter sido entregue à mesma equipa de projectistas que fez o projecto da Expo 98 (arquitecto Manuel Salgado). É uma obra concluída que tem de ser valorizada com a atracção das populações ao local. Estamos a pensar no prolongamento da zona ribeirinha para a tornar mais atractiva.E a zona ribeirinha de Benavente?A zona ribeirinha de Benavente também teve problemas apesar de ser feita pela Somague, uma empresa com estatuto. As coisas não têm corrido bem, as grandes empresas também têm falhanços. Este vício das grandes empresas portuguesas contratarem subempreiteiros faz com que os prazos se dilatem. Embora isso não tenha maiores custos para a câmara, os atrasos são sempre negativos. Julgo que a obra está quase pronta e deverá ser inaugurada em Setembro porque queremos aproveitar alguma actividade das escolas que já estão a tomar contacto com o local.E o centro cultural de Samora Correia?Aí tivemos a falência da empresa que estava a fazer a obra e tivemos de encontrar uma solução, felizmente mais rápida que noutros casos. Penso que a obra estará pronta em Outubro.Mas há outras obras atrasadas ou por arrancar?Isso tem a ver com a burocracia dos concursos. Os técnicos da câmara têm muitos processos de obras particulares a que têm que dar respostas e ao mesmo tempo acompanhar os concursos. Neste momento há oito concursos atrasados que se referem às rotundas de Porto Alto, Etar de Samora Correia, zonas verdes, pavilhão e piscinas da Barrosa que já deveriam estar na fase de concurso e estão ainda a ser ultimados os projectos.Os processos de obras particulares também estão bastante atrasados?Não estamos a cumprir os prazos. Temos de agilizar os processos, temos de aumentar o rendimento dos técnicos. Não vale a pena serem tão descritivos nos processos de obras particulares com análises tão profundas, que nos levam a ler relatórios com montes de papéis e isto não é necessário. Temos de poupar energias e aplicá-las noutras tarefas mais importantes. A câmara apetrechou-se de um quadro de técnicos, temos mais arquitectos e engenheiros que a média das câmaras, não estamos a poupar nada, mas não atingimos os objectivos. Revisão do plano gera expectativaEstá em curso o processo de revisão do Plano Director Municipal (PDM) que vai definir as orientações do concelho para os próximos 10 anos. Vai desafiar os munícipes para participarem activamente na discussão?Apesar do plano em vigor ter muitos méritos na definição da estratégia que tínhamos para o concelho, é importante que esta revisão conte com a participação da nossa população. As pessoas têm de sentir este PDM como seu e nunca como um plano dos técnicos. Não se corre o risco de ser um debate só com os proprietários de terrenos que criaram expectativas de valorizar o seu património? Queremos que seja um debate de todos porque está em causa a qualidade de vida de toda a população. Não pode ser uma revisão do plano em função de interesses estratégicos de alguns. Há alguém que pode ficar rico com uma simples mudança no PDM, mas temos de ter coragem para reagir a essa pressão. Há questões que são tão caras que não podemos abdicar delas, por exemplo a salvaguarda do nosso património natural. Não queremos 30 mil habitantes em 30 hectares. Se houver défice de participação corremos sérios riscos. Quando é que vai iniciar a discussão pública do PDM?Contamos que a partir de Setembro possamos iniciar a discussão faseada em que queremos envolver toda a gente, os técnicos, os investidores, os empresários, os pequenos proprietários e os munícipes. Este plano vai definir muita coisa.
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