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A festa das gentes do campo

A festa das gentes do campo

Bênção do Gado em Riachos de 22 de Julho a 1 de Agosto

A Bênção do Gado começa já esta quinta-feira em Riachos, mas para a maior parte dos moradores a festa começou quando se iniciaram os preparativos para o embelezamento da vila.

Bairristas e conservadores das tradições, os riachenses atarefam-se nos preparativos para a sua festa. A Bênção do Gado começa esta quinta-feira, 22 de Julho, e prolonga-se até 1 de Agosto, finalizando com o grande cortejo etnográfico que durante horas vai desfilar pela principal rua da vila. Mas os trabalhos de preparação começaram há muitos meses.Mais do que os concertos e as tasquinhas de comes e bebes, a festa faz parte da alma das gentes riachenses, trabalhadores rurais, seareiros e agricultores que tinham como único meio de vida o cultivo da terra. Dos campos se tirava o sustento das famílias e dos animais, seres indispensáveis para o amanho, para as sementeiras e colheitas.O empenho para pintar as habitações, enfeitar as ruas e expor em pátios privados e lojas cenas de outros tempos estende-se a toda a população, porque esta é uma festa “feita pelo povo e para o povo”.Casal do Tocha, Casais Novos, Menino Deus ou rua da Filarmónica são locais onde as mulheres se empenham em fazer flores e os homens a fixar estacas e, empoleirados em máquinas emprestadas, a esticar as gambiarras e os cordéis de flores para dar mais cor à festa.No Bairro do Tocha, onde está instalado o recinto da festa, os moradores começaram por se juntar para enfeitar algumas ruas, mas rapidamente estenderam o projecto a toda a urbanização. Ao longo dos meses, as mulheres têm-se juntado todas as noites para fazer milhares e milhares de flores de plástico presas em quilómetros de fio que hão-de cobrir os cerca de 1.100 metros de arruamentos do bairro.“Já comprámos mais de 400 quilos de plástico e por alto devemos ter feito umas 100 mil flores”, conta Emília Lopes, grande impulsionadora da iniciativa, que teve o apoio de toda a gente e a mão-de-obra de uma trintena de moradoras. Os mais novos também deram o seu contributo, fazendo desenhos coloridos que ficarão suspensos nas varolas de eucalipto e nas réstias de flores. O Bairro do Tocha é uma urbanização recente, com muitos casais novos e crianças.Nos anos em que houve festa, o embelezamento das ruas foi mais modesto, mas desta vez todo o bairro vai ter um céu florido. Cada fio de flores tem 5,5 metros e cada metro leva três fiadas. “Não sei quantos quilómetros de flores já arranjámos, só fazendo as contas”, continua Isabel Luz outras das obreiras do Tocha, no meio dos milhares de flores de todas as cores.Marisa Pereira tem a sua própria história nesta tarefa de engalanar a urbanização onde vive. Tal como a mãe, Emília Lopes, empenhou-se na sensibilização dos habitantes do bairro, trabalho que começou logo em Janeiro, e a partir de Março os serões passaram a ser destinados à feitura das flores. Mas nessa altura, Marisa engravidou e ficou sem suportar o cheiro a plástico. “Agora já estou melhor e consigo trabalhar, mas ao princípio nem pensar. Fiquei com pena. Eu, que andei a dizer a toda a gente para enfeitarmos o bairro, não podia fazer nada”.Enquanto as mulheres faziam flores, os homens começaram a fixar as varolas e a estender as gambiarras. “Andamos há dois meses nisto, todas as noites e ao fim de semana”, contavam empoleirados na pá de uma retroescavadora, durante um intervalo por recompor as forças.“Muitos destes materiais fomos nós que os arranjámos, porque nem a junta de freguesia, nem a associação tinham dinheiro para isto. Se não conhecêssemos pessoas que nos ajudassem não podíamos enfeitar o bairro todo”, atalha Paulo Gama.No Menino Deus, as ruas vestiram-se de branco. A maior parte já está coberta, mas ainda há uns arranjos a fazer e nos quintais, no sábado à tarde, as mulheres continuavam a sua tarefa.Maria de Jesus Grincho, que toda a gente conhece por Maria Engrácia, já viu e viveu muitas festas. Tem 78 anos e há muito que a Bênção do Gado pode contar com o seu trabalho. “Sei lá há quantos anos é que faço flores. Há 78, se calhar! A minha mãe dizia que eu já nasci a fazer fesquetas”, ri-se divertida. Mas “dantes a festa não era como é hoje, o gado era natural, agora é artificial”.Conta a “avó” que num ano uma manada de gado bravo que passava pela rua assustou-se com os foguetes e os animais tresmalharam-se. “É que foi fugir... Corri para uma eira que havia lá para baixo e com o medo entrei para casa de uma velhota. Enfiei-me debaixo da cama dela e só ouvi os bois às marradas à porta. Havia muito gado, eram rebanhos e rebanhos que vinham receber a bênção”.O arranjo das ruas começa a ser visível para quem passa por Riachos, mas há outros adornos que só vão aparecer quando a festa começar. Em alguns pátios privados, os moradores recriam cenas da faina agrícola, colocando utensílios e alfaias que já caíram em desuso. Numa loja do Menino Deus, tapada com cortinados, foi posta uma mesa com loiças e toalhas que já são relíquias. Nas paredes, fotografias e outras recordações dos tempos em que a vida se desenrolava ao ritmo da lavoura.Logo ao pé, os moradores da Rua da Filarmónica não quiseram ficar atrás dos seus vizinhos. E quase em cima da festa meteram mãos à obra e vão decorar a rua. Em vez de filas de flores optaram por enfeitar cestas que serão suspensas em arcos decorativos. Nas varolas, alternadamente, vão fixar archotes. “É tudo muito simples, mas vai ficar bonito”, confessa Marília Margarida mostrando as muitas cestas já arranjadas.Margarida TrincãoTradição com futuroDe quatro em quatro anos, a Bênção do Gado volta à vila de Riachos e a sua organização é cada vez mais cuidada. Este ano, a Associação Bênção do Gado, entidade responsável pelos festejos, promoveu várias conferências de imprensa, editou uma brochura e alojou um site na internet (www.bencaodogado.com.pt) porque a importância desta festa, fortemente enraizado nos riachenses, transcende as fronteiras da vila e do concelho. “É uma festa de carácter regional”, afirma Carlos Tomé, presidente da Associação.O programa espelha o empenho e a aposta em fazer da Bênção do Gado um tradição com futuro. Como pontos altos surgem o cortejo etnográfico (dia 1 às 16h00), mas antes merecem registo a chegada da imagem do Senhor Jesus dos Lavradores, que segue em procissão até à igreja da vila, (dia 30 às 19h00) e a procissão do Menino Deus (dia 28 às 19h00).A festa começa quinta-feira, dia 22, pelas 19h30, no adro da igreja com um churrasco popular e logo depois (22h00) é a vez dos artistas da terra, Célia Barroca, Marta Tomé e o grupo “As Camponeses”, entre outros, actuarem.A partir de sexta-feira, os concertos terão lugar no palco montado no Casal do Tocha por onde irão passar Jorge Palma (dia 24), Luís Represas (dia 25), o Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Riachos que irão dançar ao som da Banda da Sociedade Velha Filarmónica Riachense, e Célia Barroca (dia 27), António Pinto Bastos, Teresa Tapadas, João Chora e os Camponeses (dia 28), Toranja (dia 29), José Cid e AlémMar (dia 30), Quinta do Bill (dia 31) e Pedro Barroso (dia 1). Em terras do Ribatejo, a festa brava, os toiros e os cavalos não podiam faltar. O espectáculo “Ribatejo em Festa”, no dia 23, é outra das grandes apostas da Bênção do Gado deste ano. Para o mesmo dia está marcada uma novilhada popular. No sábado, 31, haverá uma corrida de toiros, com os cavaleiros Manuel Oliveira, Luís Rouxinol e Victor Ribeiro e os forcados Amadores da Chamusca. As largadas na rua Dr. Rivotti estão marcadas paras os dias 26, 28 e 30;Paralelamente, decorrem diversas actividades culturais, entre as quais o lançamento do livro “Imagens da Festa”, no dia 24 às 18h00.
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