A mulher que anda nas nuvens
Desde pequena que Clara Rodrigues sempre sonhou pilotar aviões
Clara Antunes Rodrigues da Costa não sabe há quanto tempo queria ser piloto de aviação. “Acho que desde que me lembro de ser gente”, diz a brincar quem teve de lutar contra a desaprovação da família, a incredulidade dos instrutores e o preconceito dos colegas para alcançar o seu sonho de menina.
Quem olha para o corpo franzino de Clara Rodrigues está longe de imaginar que aquela mulher de 31 anos consegue levantar um Boeing. Mas a jovem de Tomar conseguiu provar que conseguia entrar num mundo até agora quase exclusivo dos homens.Sempre gostou muito de andar de cabeça levantada, a olhar para o céu e para o rasto que os aviões deixavam por entre as nuvens. E nunca mentiu à família sobre o que queria ser quando fosse grande.Foi por isso que aos 16 anos, quando teve de fazer testes psicotécnicos para apurar as suas futuras aptidões profissionais, a mãe tenha falado com o psicólogo escolar no sentido de “lhe tirar aquela ideia maluca da cabeça”.O resultado dos testes ditou que Clara Rodrigues deveria ter uma profissão ligada às artes, ao estilismo, ou à aviação… Nessa altura o psicólogo disse-lhe que ela era ainda muito nova e que deveria esquecer a aviação e enveredar por caminhos mais terrenos. “Lembro-me de ter saído da sala a chorar copiosamente”, diz a piloto, adiantando que decidiu seguir as recomendações do homem, sem nunca abdicar do seu sonho. Acabou o 11º ano em Tomar e seguiu para o Porto, ingressando num curso técnico profissional de três anos, em estilismo. “Era engraçado mas não o que eu realmente queria”, diz quem acabou por sair a meio do último ano. De volta a Tomar, sem perspectivas de trabalho, acabou por abrir com a irmã o Bosque das Fadas, um atelier onde recupera e pinta móveis.Mas há quatro anos conseguiu finalmente fazer valer o seu desejo, contra tudo e contra todos. Por causa de uma herança que “caiu do céu”. A mãe recebeu um prédio de um familiar e decidiu vendê-lo e dar metade do valor apurado a cada uma das filhas. Clara agarrou nos 50 mil euros que ganhou e foi inscrever-se no curso de aviação civil dado pela Aeroncondor, empresa sediada em Tires, na periferia de Lisboa. Conseguiu um emprego numa escola de línguas na capital e disse aos pais que iria trabalhar para Lisboa.“Só souberam que eu ia tirar o curso no dia anterior ao seu início”, diz Clara, adiantando que deixou a família de boca aberta por saber que tinha pago quase oito mil contos para realizar um sonho.As coisas não foram fáceis. Clara trabalhava até às 16 horas em Lisboa e seguia para Tires, para iniciar as aulas às 17 horas. Só ficava despachada por volta das 23 horas.Além da desaprovação da família, Clara teve ainda de lutar contra o preconceito machista. Porque era a única mulher numa turma de 22 homens. Porque estava a invadir território masculino. “O primeiro mês foi um desastre”, confessa a piloto adiantando que os colegas lhe fizeram a vida negra. Depois, a pouco e pouco, foram percebendo que por trás do aspecto franzino, Clara escondia uma tenacidade invulgar e acabaram por ceder. Hoje os colegas que tanto a fizeram chorar tratam-na como compincha, com respeito e até mesmo com alguma admiração.Um ano e meio após ter iniciado o curso, quando acabou a parte teórica – como por exemplo saber mexer naquela imensidão de botões e alavancas – a piloto fez o exame no Instituto Nacional de Aviação e passou com distinção. E iniciou a prática.Tirar o curso de piloto é, salvo as devidas distâncias, como obter a carta de condução. Tem-se aulas teóricas, faz-se o exame, e passa-se à prática, fazendo ao fim de umas determinadas horas de condução o exame que habilita à condução.Clara fez 17 horas de voo antes de interromper os estudos. Não porque tivesse abandonado o sonho, mas porque ficou grávida. Uma gravidez que a fez ficar sem voar durante dois anos. A idade da Maria, o seu rebento.Recentemente Clara voltou ao céu. Voltou a pegar nas cartas de navegação, o mapa do país onde estão sinalizados os pontos mais altos como as serras ou as antenas de telemóveis, a puxar ou a empurrar o mancho, o “volante” do Cessna 152 que pilota e a rasgar as nuvens. Considera-se uma aventureira mas a morte do seu amigo e instrutor, há cerca de dois meses, abalou-a e deixou-lhe um friozinho no estômago cada vez que se senta no avião para começar uma viagem.Actualmente faltam-lhe 50 horas de voo para fazer o exame prático. Para poder pegar no Boeing ou num Airbus e levar centenas de passageiros até ao seu destino.“Pilotar um avião pequeno é muito mais complicado do que um grande”, diz Clara, adiantando que a sua percepção é confirmada pelos colegas, praticamente todos a trabalhar já nas grandes companhias de aviação. Clara adora voar, mas adora ainda mais a filha. E considera-se uma mãe galinha. Por isso, diz, o seu futuro deverá ser passado mais em terra que no ar. “Estou a pensar tirar o curso de instrutora de voo, porque assim consigo estar mais tempo junto da Maria, não tenho que andar de país em país e estar dias sem a ver”, diz a mulher franzina que desde que se lembra queria ser piloto. Margarida Cabeleira
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